Imagine passar por quatro obturações dentárias por dia sem anestesia, ou fazer um canal no dente diariamente, também sem uso de anestésicos. Agora, imagine passar por um parto rotineiramente. Esses são alguns exemplos que podemos dar para você entender parte da dimensão da dor causada pela Neuralgia do Trigêmeo – doença que afeta um nervo cerebral e causa a “pior dor do mundo”.
Em Cuiabá, Bruna Justiny de Morais, de 29 anos, foi diagnosticada com a doença em 2021 e, enquanto luta contra uma dor quase inexplicável que mudou toda a sua rotina, ela tenta adiantar a cirurgia pela qual precisa passar, que só deve ser realizada em 2025. Assista abaixo à reportagem completa:
Como viver com a ‘pior dor do mundo’?
Até o fim de 2020, Bruna vivia como uma jovem normal, sem sintomas de dores, sem ocorrências de dores de cabeça frequentes ou no maxilar, por exemplo.
No fim daquele ano, inesperadamente, ela passou a ter fortes dores no lado esquerdo do rosto, chegando a pensar que poderia estar tendo um AVC (Acidente Vascular Cerebral) ou ter problemas na arcada dentária, ou tímpano – regiões afetadas pela dor.
Bruna passou por vários especialistas, que sempre a mandavam de volta para casa com uma medicação diferente. Garganta inflamada, crise de enxaqueca, crise de ansiedade, problemas dentários como bruxismo: esses eram os diagnósticos que ela recebia enquanto não via seu problema ser resolvido.
Após passar por sete médicos, durante meses em busca de um diagnóstico e tratamento, ela recebeu, em 2021, o laudo confirmando que sofria de uma doença pouco conhecida e que mudaria completamente a vida dela.
Antes de tudo isso, Bruna atuava como cirurgiã-dentista em Cuiabá, mas, precisou se afastar do serviço devido às crises, trabalhando eventualmente, quando consegue sair de casa.
Nessa época, a jovem chegou a pensar que era vítima de uma dor imaginária ou algum outro tipo de problema que não pudesse ser explicado pela medicina.
Em meio ao sofrimento, ela se dopava de remédios para dor que, no fim, a faziam dormir, mas não tiravam completamente a sensação dolorida no lado esquerdo do rosto.
Viver assim foi ficando insuportável e, um dia, Bruna chegou a dizer aos pais que só permanecia viva pela presença deles, pela força que eles lhe davam.
“Eu não tinha esperança nenhuma, isso até deixou meus pais muito tristes, mas eu falei ‘a minha vida é com vocês aqui, depois que vocês partirem eu não tenho mais porque dar continuidade à minha vida, porque eu sou uma pessoa que sofre todo dia, porque eu vou querer ficar vivendo?” contou Bruna ao Primeira Página.
Como funciona a doença?
A Neuralgia do Trigêmeo afeta um dos maiores nervos do corpo humano, chamado assim porque se divide em três ramos:
- o ramo oftálmico;
- o ramo maxilar, que acompanha o maxilar superior;
- o ramo mandibular, que acompanha a mandíbula ou maxilar inferior.
Segundo o neurocirurgião Felipe Guardini, o trigêmeo é um nervo sensitivo, que controla as sensações da pessoa por todo o rosto.
O problema ocorre quando a artéria pressiona esse nervo, causando crises de dores que chegam a incapacitar a pessoa, ou impedir ações simples da rotina que servem de gatilho para a dor.
Foi por isso que a rotina da jovem cuiabana mudou. Ela não consegue sequer pentear os cabelos, escovar os dentes, sair em público, abraçar pessoas e até falar, sem sentir dores.
A espera por uma cirurgia
Dentre os dilemas vividos por Bruna, está a espera por uma cirurgia intracraniana que só deve ser realizada em abril de 2025.
No documento de encaminhamento para cirurgia consta que a jovem precisa de três procedimentos:
- Microcirurgia vascular intracraniana;
- descompressão vascular de nervos cranianos;
- reconstrução craniana ou craniofacial.
É que ela contratou o plano de saúde em abril de 2023, para conseguir comprar os medicamentos de forma mais barata, até que um dia a situação evoluiu para a necessidade cirúrgica.
Mas, a liberação para o procedimento cirúrgico para uma doença preexistente (que já havia sido diagnosticada antes da contratação do plano) só pode ocorrer após dois anos da data do contrato.
A cirurgia para tratamento da Neuralgia do Trigêmeo serve para colocar um isolamento entre a artéria e o nervo cerebrais, impedindo que a pulsação arterial estimule o nervo e cause dor, como explicou o neurocirurgião Felipe Guardini.
Assista abaixo à explicação de Guardini sobre o caso da ‘pior dor do mundo’:
Enquanto isso, Bruna se divide entre ficar em casa, de repouso, ou no hospital, recebendo medicamentos para ‘aliviar’ os sintomas, enquanto aguarda pelo procedimento cirúrgico que pode ser a esperança da volta para uma vida normal, livre de tantas dores.
“Eu não saio de casa, faz três anos que eu não vou a festas, a shows, em nada. Minha vida é a minha casa, meu trabalho e o hospital”, diz Bruna.
Repercussão nacional da doença
A Neuralgia do Trigêmeo, doença pouco conhecida, ganhou repercussão nacional na semana passada após a jovem Carolina Arruda, de 27 anos, viralizar na internet ao abrir uma vaquinha online pedindo ajuda para realizar o procedimento de eutanásia na suíça.
Sofrendo com a doença há mais de 10 anos, a jovem optou pelo procedimento que é um suicídio assistido por equipe médica. O ato é considerado crime no Brasil.
Com a repercussão, o médico Carlos Marcelo, especialista da unidade hospitalar da Santa Casa de Alfenas, em Minas Gerais, se ofereceu para ajudar a jovem sem custos.
Neste sábado (27) ela deverá passar por cirurgia para implantação de eletrodos no cérebro, que devem bloquear a transmissão da dor, considerada a pior do mundo.
Fonte: primeirapagina