Sophia @princesinhamt
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Gente, não é brincadeira: lançamento do novo filme da Barbie revela questões sobre o imperialismo chinês

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A loira e linda Barbie já foi acusada de tudo: promover padrões corporais inalcançáveis (teria 50 centímetros de cintura e 71 de quadris se fosse transposta para um corpo humano real), dar um mau exemplo para as meninas de mulher cabeça de vento, ser uma “boneca judia” (por causa da sua criadora e fundadora da Mattel, Ruth Mosko Handler), instaurar uma insuportável ditadura do cor-de-rosa e, claro, disseminar o imperialismo americano.

Isso apenas torna mais irônico o motivo que o Vietnã alegou para proibir o novo filme da Barbie: mostra um mapa que endossa as pretensões imperialistas da China.

E é verdade. O mapa “dos nove pontos” mostra uma linha pontilhada que faz uma espécie de letra U no Mar do Sul da China, uma das zonas estratégicas onde mais se espera um futuro conflito por causa das pretensões expansionistas chinesas que avançam sobre águas territoriais de países como Vietnã, Filipinas, Malásia e Taiwan.

A linha dos nove pontos revela uma intenção, não uma realidade, embora navios de guerra dos países envolvidos enfrentem episódios regulares de situações agressivas com a China e até ilhas artificiais, com pistas de pouso e depósitos de armamentos, tenham sido construídas para bancar a expansão de caráter imperialista. A China também rejeitou uma arbitragem internacional que favorecia os países cujas águas territoriais aparecem na linha dos nove pontos.

A pretensão ao controle total do Mar do Sul da China, que só não acontece por causa da presença da Marinha americana, cuja expulsão é o objetivo estratégico número 1 da China, é antiga e precede a vitória do comunismo. Quando as forças maoístas venceram a guerra civil e tomaram o poder, em 1948, endossaram o mapa imperialista.

A transformação extraordinária da China num gigante econômico, depois que aceitou liberar o poder das forças do mercado, e potência militar que aspira a hegemonia faz com que todos os especialistas prognostiquem algum tipo de com os Estados Unidos no Mar do Sul da China em um futuro não muito distante. Varrer os americanos da Ásia seria uma vitória tectônica para os chineses.

Curiosamente, o país que mais se opõe ao imperialismo chinês é o Vietnã, uma espécie de versão em escala menor do gigantesco vizinho: manteve o regime comunista quando em todos os outros países o sistema desmoronava e promoveu a abertura para uma economia mista — “socialista-mercado” — que permitiu um enorme crescimento econômico. Recorrer à censura de um filme anódino também é outra característica em comum com o adversário trinta vezes maior.

Em vários sentidos, o Vietnã funciona como uma “nova China”, atraindo empresas de todo o mundo com mão de obra ainda competitiva e se firmando como uma alternativa mais confiável para o fornecimento de eletrônicos, vestuário e tênis, principalmente depois que a pandemia expôs o estado extremo de sinodependência do mundo inteiro. Na pós-pandemia, o país teve um crescimento econômico de padrão chinês: 8% no ano passado e meta de 6% neste ano.

China e Vietnã são rivais tradicionais e travaram guerras e conflitos menores desde 1979 até perto dos anos 90. A China chegou a invadir o país para segurar o próprio expansionismo vietnamita, que havia entrado no Camboja e derrubado o mais terrível regime comunista da história, o Khmer Vermelho.

O regime chinês temia o fortalecimento, em sua fronteira sul, de países apoiados pela União Soviética, com quem havia rompido desde os anos 50. O Khmer Vermelho de Pol Pot tinha o apoio da China e o Vietnã comunista era um aliado soviético, recebendo grande quantidade de armamentos para bancar, primeiro, a guerra que levou à retirada americana e à queda da parte sul do país, e depois a intervenção no Camboja e a rápida conflagração com a China.

Nesse xadrez geoestratégico, os Estados Unidos penderam para o lado da China – ou pelo menos assim concluiu Deng Xiaoping na visita que fez ao país, na qual teria dito a Jimmy Carter: “A criancinha está ficando levada, está na hora de apanhar”. Em seguida, mandou invadir o Vietnã.

Apesar da surpresa e da concentração de tropas no Camboja, os vietnamitas deram uma tremenda canseira nos chineses. Um mês depois, a China decretou que os objetivos haviam sido alcançados e retirou as tropas. Detalhe fundamental: o Vietnã continuou no Camboja até a derrota total do Khmer Vermelho, um regime tão radical que levou os princípios maoístas a absurdos como expulsar toda a população das cidades. Entre 1,5 e 2 milhões de pessoas morreram de bala, machadada, fome ou exaustão no trabalho agrícola escravo.

Outros e séries já foram censurados no Vietnã por mostrar a ilegal linha pontilhada, inclusive o que se chamou, no Brasil, curiosamente, de Unchartered: Fora do Mapa.

É claro que não existe um propósito sinistro de apoiar a China. Ocorre que os mapas são produzidos adivinhem onde. Até os passaportes chineses têm a linha dos nove traços.

A nova Barbie, protagonizada por Margot Robbie — um papel ideal, considerando-se que ela é um dos seres mais belos que já andaram pela Terra, mas não ganha prêmios de expressividade —, caiu de paraquedas cor-de-rosa nesse emaranhado geoestratégico.

Mas a tensão com a China não é tão desconhecida assim em Hollywood. O Pentágono anunciou na semana passada que não vai mais “colaborar com produções que tenham seguido ou provavelmente venham a seguir demandas do governo da República Popular da China para censurar o conteúdo de um projeto de maneira a promover o interesse nacional” chinês.

Porta-aviões e jatos moderníssimos que aparecem em produções de Hollywood promovem a imagem das Forças Armadas americanas, mas agora os produtores precisam provar que não estão, pelas costas, cultivando o mercado chinês com concessões à censura.

O caso mais conhecido foi o da bandeira de Taiwan, entre outros pavilhões asiáticos, que aparecia nas costas da jaqueta de couro usada por Tom Cruise na sua volta como Maverick, em Top Gun. O escudo chegou a ser apagado, mas voltou depois que ficou claro que um heroico piloto americano não poderia ceder a exigências da censura chinesa.

Tadinha da Barbie, com tantas coisas para se preocupar em suas novas aventuras que a levam, com Ken, ao mundo real, agora precisa administrar esse outro tanto de problemas. E ainda passar pelo obrigatório “tratamento feminista” dado pela diretora Greta Gerwig.

Será que a Barbie feminista resolve o problema do Mar do Sul da China?

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Fonte: Veja

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