Três mulheres nortistas desembarcam na capital mato-grossense para uma série de apresentações nos dias 07, 08 e 09 de novembro no Complexo Multiuso Jardim Passaredo. Trata-se de Regina Maciel, do acre; Andréa Melo, de Rondônia; e Francis Baiardi, do Amazonas. Cada uma é protagonista e autora do próprio trabalho, portanto são três espetáculos diferentes, duas danças contemporâneas e uma performance. O encontro entre elas e suas respectivas obras é a proposta do projeto Circulação Icamiabas. A entrada é gratuita e a classificação é livre.
Serão duas apresentações diárias, totalizando seis ao fim dos três dias, de modo que cada artista irá se apresentar duas vezes. Regina Maciel leva ao palco “Ikuâni: o corpo da ancestralidade”; Andréa Melo assina “Corpo-Árvore: entre raízes e folhas de memórias”; e Francis Baiardi é a criadora de “Apoena – aquele que Vê longe”. Todos estes trabalhos resultam de pesquisas pessoais. As temáticas abrangem direitos dos povos originários, resistências de corpos/as e a relação entre o humano e a natureza. Além dos espetáculos, o último dia de programação prevê uma mesa de debate aberta ao público no Instituto de Linguagens da UFMT, sobre o tema “Artistas do Norte e suas pesquisas em dança”.
“É uma iniciativa de circulação que busca promover troca de saberes, conectar-se com tradições ancestrais e fortalecer laços culturais entre três artistas do Norte. O objetivo é fomentar uma sociedade mais crítica e reflexiva. Isso contribuirá para a mudança de percepção e comportamento em relação aos temas abordados, bem como para o fortalecimento e valorização de mulheres artistas, grupos minoritários, tradições, culturas e memórias de todos os povos, especialmente os indígenas”, comenta Rosana Baré, produtora cultura e proponente do projeto, que foi contemplado pela Bolsa Funarte Dança Klauss Vianna 2023. Após a breve turnê em Cuiabá, o Circulação Icamiabas segue para Goiânia/GO para apresentações no Teatro Lacena (UFG).
Direito e respeito. Direito à demarcação de terras e registro de nomes indígenas nos documentos oficiais, além de tantos outros direitos assegurados pela Constituição de 1988, mas que ainda são negados aos povos indígenas pelo estado e as classes dominantes. Essa é a abordagem do espetáculo de dança contemporânea “Apoena”.
Multiartista nascida em Manaus, Francis Baiardi possui 38 anos de fazer artístico. Também é pesquisadora independente do corpo, professora de processo de criação, improvisação, dança contemporânea, dança clássica e pilates, além de diretora, coreógrafa e intérprete da Contem Dança Cia.
Francis comentou sobre a importância de artistas independentes se articularem em redes e da necessidade do Brasil se abrir cada vez mais para o rico universo cultural nortista. “Acho urgente esse estreitamento de redes. Quando falo sobre ‘nortear o brasil’, é porque o Brasil ainda carece muito de conhecer pesquisadores e artistas autônomos dessa região. Fazer arte no Norte é para as fortes e corajosas”, conclui.
Ikuâni decodifica em dança e teatro o cotidiano de uma mulher indígena do povo Huni kuin. Nascida e criada no Acre e bisneta de um indígena Apurinã, Regina Maciel é bailarina e pesquisadora das culturas dos povos originários da Amazônia e acumula mais de duas décadas de pesquisa sobre o povo Huni kuin. Também é diretora e dramaturgista da Cia Garatuja de Artes Cênicas há 35 anos e autora do livro “Dramaturgias Amazônidas”.
Ela apresenta um espetáculo de dança contemporânea que acompanha um dia da rotina da personagem-título, passando por vários aspectos de sua vida, como o trabalho no roçado, a relação com o rio, os cantos e danças, o preparo da comida e o uso de medicinas sagradas da floresta. Em cena, apenas Regina (Ikuâni), mas ela não está só.
“A todo momento ela está com alguém, mas esse alguém fica na imaginação de quem está assistindo, porque só ela aparece em cena. De fato ela não está só, as entidades estão lá, mas o processo de isolamento dela é visível. Possui uma linguagem contemporânea, mas ao mesmo tempo é uma linguagem que remete a um corpo ancestral, a um corpo em vivência ancestral dentro de uma floresta densa”, comenta Regina.
Trabalho cênico que transita entre a dança e a performance e que tem como ponto de partida as árvores como representações de memória e ancestralidade. Andréa Melo é artista-pesquisadora do corpo na cena e possui experiência em ensino, criação e estudos do movimento a partir da dança. Investiga as possibilidades entre dança, performance e artes visuais.
A pesquisa é fruto de uma imersão da artista em histórias afetivas e imagens simbólicas de sua avó. “Um disparador foi um sonho que tive com minha avó sentada em um galho alto de uma das árvores que ela plantou. Minha avó já havia partido, mas foi um sonho marcante. Ela gostava de plantar, inclusive plantou algumas das seringueiras em um dos parques que costumo ir em Porto Velho. Plantou castanheiras, essas senhoras longevas da floresta, as quais respeitava como entidades. Minha avó tinha uma relação muito afetiva com o plantar”, relembra Andréa.
A criação cênica também propõe mascaramentos de como esse corpo se transforma em seres encantados ou em outros seres que habitam imaginários e oralidades conectadas profundamente com nossa herança cultural. O espetáculo trata da conexão intrínseca entre o corpo humano e a natureza.
Fonte: hnt