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O retorno do leite cru: uma evolução ou um retrocesso? Descubra a opinião de Taise Spolti!

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Toda semana alguém acorda e pensa: o que eu vou fazer para viralizar na internet?

É misturar pepino com gelatina em pó, comer se olhando no espelho nua (enquanto julga o seu próprio corpo), fazer jejum de sete dias, dieta do sexo. Toda semana o profissional da saúde enfrenta o terrorismo intelectual, brigando entre a desinformação e irresponsabilidade social.

E se tratando de irresponsabilidade social, hoje, o grande risco está na retomada de doenças graves —erradicadas graças à ciência—, conforme a população, através de algum perfil influenciador que acordou e quis receber mais curtidas, aprende práticas incertas sobre saúde e autocuidado. Um deles: o consumo de leite cru.

Imagine o cenário: você acorda, vai até a vaca leiteira do seu quintal, higieniza o úbere dela, tira o leite, leva para casa ainda na temperatura ideal e consome. Na pior das hipóteses, você terá que tirar um pouco da nata que se forma em cima, mas estará consumindo um alimento integro, limpo e cheio de nutrientes, como já sabemos que o leite é.

Mas o cenário acima só existe em raros locais do mundo. Quem mora em grandes centros ou até em cidades pequenas sabe que está rodeado de supermercados, prédios e pedras, não há qualquer vestígio de vida animal limpa e orgânica se alimentando exclusivamente de pasto e com vacinas ou rações com enriquecimento. Geralmente é mato e pasto com contaminantes de pesticidas ou transgênicos.

O leite cru não é para todos, nem pode ser ofertado para todos, pois a demanda de vacas que precisariam existir nessas condições naturais, opostas ao cenário que citei acima, seria acima do que já é hoje, não tem espaço nem ambiente para isso. Teríamos que escolher entre as lutas que queremos combater: efeito estufa (aumentado pelo excesso de gás metano liberado pelo gado em fazendas, comprovado já pelas organizações mundiais do meio ambiente) ou então o risco de termos infecções erradicadas e de alto risco para a saúde, como brucelose, listeriose, salmonelose, yersiniose, campilobacteriose, sem contar E. coli e Salmonella.

Aqui estamos em cima do muro. O leite, idealizado como deve ser, limpo, sem riscos de contaminação, com altos padrões de controle e qualidade na higienização e manuseio, principalmente por quem está colocando a sua própria mão no úbere e nas garrafas de vidro que irão manter o leite até o consumidor, é um alimento rico em nutrientes biodisponíveis e que contém alto teor de minerais, como o cálcio. Mas não é assim que funciona, não é assim que o leite chegará do interior de São Paulo até sua casa, depois de horas parado dentro de garrafas de plástico ou de vidro. Não deixe o bom senso de lado.

Eu como nutricionista poderia defender o leite cru, defender que é um alimento interessante e que salva vidas, principalmente na infância. Mas com o mínimo de senso de responsabilidade social eu não posso colaborar com a ideia de que consumir um alimento sem o controle ideal de manipulação de alimentos crus é interessante para a saúde da população, sob o risco de aumentar consideravelmente o risco de infecção por tais bactérias e vírus presentes nesse alimento, caso não seja pasteurizado ou esterilizado.

Em um cenário ideal, a teta da vaca (úbere) está limpa, ela está sem doença alguma, está sem ração com grãos transgênicos, nem comendo em um pasto com pesticidas ou então com mato misturado com fezes de porco, cachorro ou humanos. O que esse animal come interfere no leite que produz.

Tão rico de bactérias e micro-organismos que é, o leite cru provê os melhores queijos. Claro, por meio de sua intensa colônia de micro-organismos, a fermentação e maturação desse alimento resulta em um produto de sabor marcante, baixo teor de açúcares (quanto mais fermentado, mais ativação de bactérias que consomem o açúcar, ou seja, a lactose do leite, e menor o seu teor no queijo). Isso também acontece no iogurte, que contém majoritariamente bactérias como Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus, porém geralmente adicionados propositalmente, e não naturalmente.

A pasteurização do leite é uma técnica relativamente simples a nível cientifico, é necessário expor o alimento a uma temperatura logo abaixo do ponto de ebulição, e imediatamente em seguida resfria-la subitamente. Isso faz com que bactérias, vírus e demais micro-organismos sejam eliminados do alimento, tornando-o seguro, sem riscos de infecção pelo consumo.

Claro que, após a pasteurização, há a alegação —ainda incerta— de que se perde valor nutricional, então aqui temos novamente a disputa entre os dois lados.

Entenda que, o consumo de leite cru há décadas foi o causador de milhares de mortes devido à recorrência de infecções. Mas o leite, o alimento não deve ser condenado, mas sim as práticas de manipulação. Para o cenário que pintamos, do ideal sanitário, de boas praticas de manipulação e consumo desse alimento, o mínimo que pode ocorrer é o alto valor cobrado e um mercado superaquecido se tornando milionário as custas de poucas pessoas que poderão ter acesso a esse produto.

Não há comprovações robustas na ciência de que o leite cru cure doenças.

Eu não posso condenar o consumo, mas aprecio o bom senso, o senso critico sobre as informações levadas à tona em uma população emergente que pode pipocar entre modismos sem se atentar aos alertas sobre riscos de tais praticas.

Conforme os anos passam, provavelmente conseguiremos aumentar as regras e exigências sanitárias para, então, ter a certeza de que o leite cru poderá ser seguro a todos e por preço justo.

Fonte: uol

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Carlos Miranda

Business consultant | Gastronomo | Chef Executivo | Pitmasters | Chef proprietário OSSOBUCO Outdoor Cooking