Será que aquilo que colocamos no prato faz alguma diferença para a nossa saúde mental? Parece razoável pensar que sim, ainda mais quando você olha para uma penca de estudos surgidos nos últimos anos que investigam como a dieta poderia ajudar na prevenção e no tratamento da ansiedade, da depressão e de outras desordens que abalam a mente.
E será que, no sentido contrário, da mesma forma como o saleiro à mesa favoreceria o aparecimento da hipertensão, não existiriam alimentos e bebidas capazes de nos deixar mais tristes e ansiosos? Outra vez, pode ser que sim.
Use a cabeça: o cérebro é um grande consumidor de nutrientes. Exigente, demanda porções de lipídeos, proteínas, vitaminas e sais minerais o tempo inteiro. Se não é bem servido, reclama.
Todo mundo sabe que, mal alimentado, ele não se desenvolve direito na infância, nem trabalha a contento em qualquer fase da vida. Até aí, a gente tem mais noção disso quando se trata de problema de memória ou de cognição.
Só que, lembre-se, emoções e humor também dependem da conversa entre os neurônios mediada por substâncias, os neurotransmissores, que podem estar mais ou menos disponíveis dependendo do que você anda comendo.
“Mas não podemos falar em causa e efeito, como no caso do sal que, carregado de sódio, provoca diretamente a subida da pressão arterial”, alerta, antes que a gente faça confusão, a nutricionista Lara Natacci, diretora da DietNet, na capital paulista, e pesquisadora na Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
De fato, o que temos até o momento são o que os cientistas definem como estudos de associação, que relacionam o consumo de determinados alimentos com um maior ou um menor risco de alguém apresentar transtornos mentais, sem confirmar se são a causa.
O curioso é que revisões parrudas desses trabalhos, publicadas em revistas científicas sérias, mostram que há uma coerência, pois quase todos apontam na mesma direção — a controvérsia na hora da refeição fica por conta das dietas vegetarianas.
Emoções à mesa
Lara Natacci deu uma aula sobre padrões alimentares brasileiros e saúde mental durante o Gut Brain Congress, evento que aconteceu em São Paulo há pouco menos de um mês e que também contou com a palestra da nutricionista australiana Felice Jacka, professora da Deakin University, considerada pioneira em um campo que tem sido chamado de nutrição psiquiátrica.
No caso de Lara, o interesse surgiu de fininho, no período entre 2001 e 2005, quando ela estudou comportamento alimentar na França, com passagem inclusive pelo renomado Instituto Pasteur.
“Comecei a me corresponder com aquele que, depois, seria o meu orientador na USP, apostando que dietas muito restritivas causariam estados emocionais capazes de levar ao reganho de peso”, relembra.
De volta ao Brasil, a nutricionista estudou o tema e viu que estava errada. “A restrição alimentar excessiva não causaria aqueles estados emocionais, mas poderia agravá-los”, corrige.
Desde então, ela passou a ser uma observadora atenta, com o olhar de pesquisadora, daquilo que todo mundo já sentiu um dia: ora, muitas vezes comemos só porque estamos nervosos, tristes ou alegres também. Emoções são um prato cheio para o apetite.
No entanto, não demorou para Lara Natacci, que até então queria saber como o estado mental influenciava nossas escolhas alimentares, pegar o caminho inverso e se perguntar se a comida não poderia temperar nossa mente. E, no seu doutorado, foi pesquisar que alimentos estariam mais associados aos quadros de ansiedade.
Ácidos graxos ômega e ansiedade
Em seu trabalho, a nutricionista observou o consumo de ácidos graxos ômega de nada menos do que 15.105 pessoas de diversas regiões do país, participantes do ELSA Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), que tem o objetivo de entender os fatores de risco por trás de doenças crônicas.
O que ela, então, notou: 15,4% desses indivíduos tinham transtorno de ansiedade, de acordo com um questionário validado por psiquiatras. E, entre eles, a ingestão de ômega-3 era significativamente menor do que entre aqueles que não se encontravam ansiosos.
Os ômega-3 são gorduras encontradas principalmente em peixes de água fria, como o salmão, a truta e o arenque, mas também no atum e na sardinha. E, por algum mecanismo que ainda não está elucidado, parecem diminuir o risco de desenvolvermos ansiedade.
“Em compensação, aquelas pessoas que consumiam muito mais ômega-6 eram as mais ansiosas”, conta Lara Natacci. Presente no óleo de girassol e no de milho, no amendoim e em outras oleaginosas, essa gordura precisa estar em uma proporção ideal em relação ao ômega-3 — ou sua ação pode se tornar inflamatória. E nessa gangorra em que o ômenga-3 cai e o ômega-6 sobe demais, a ansiedade aparentemente pode dar as caras.
Açúcar e depressão
Agora, Lara Natacci se debruça sobre os dados de 192 indivíduos em seu pós-doutorado na USP, procurando entender o padrão alimentar de cada um. Todos responderam um questionário para avaliar sua saúde mental.
A análise ainda não está concluída, mas a nutricionista antecipa alguns achados: o consumo regular de doces, guloseimas e refrigerantes está associado à depressão.
Minha dúvida, justa, é se quem está deprimido não acabaria se esbaldando em sobremesas e bombons como uma forma de compensar seu estado emocional, em vez de, ao contrário, serem os doces que estariam favorecendo aquela tristeza sem fim. “Talvez”, reconhece a pesquisadora. “Afinal, estamos falando de alimentos e bebidas açucaradas que, durante um período curto, causam uma sensação de conforto. Mas, na sequência, especialmente quando a pessoa quer perder peso, vem mais e mais culpa.” Seria um círculo vicioso.
Por outro lado, a gordura corporal, que pode se acumular em quem vive comendo guloseimas, produz substâncias inflamatórias e essas, a ciência já sabe, servem como mais um gatilho para a depressão.
“Há outros fatores que uma dieta rica em alimentos cheios de açúcar pode desencadear, como o estresse oxidativo”, acrescenta Lara. Ela se refere à produção exagerada de radicais livres, inclusive no cérebro. Ora, o fenômeno também está relacionado a transtornos de humor, de acordo com a literatura científica.
Por fim, o excesso de doçura é capaz de desequilibrar as bactérias que habitam o nosso intestino. Isso pode ser mais um problema, porque elas produzem substâncias que também alcançam o cérebro, onde ajudam a modular o nosso estado mental.
Frutas, legumes e verduras pelo bem-estar mental
Já o hábito de comer vegetais com fartura parece proteger o cérebro tanto da depressão quanto da ansiedade. Para quem já mergulhou no mundo da tal nutrição psiquiátrica, não há surpresa: muitos trabalhos apontam os benefícios da dieta mediterrânea para a mente e esse padrão alimentar capricha em folhas, legumes e frutas.
Por exemplo, a professora australiana Felice Jacka, que também estava no congresso em São Paulo, fez um estudo no qual ofereceu a dieta do Mediterrâneo por doze semanas a adultos com depressão, enquanto outro grupo seguiu com o tratamento prescrito pelo psiquiatra, mas sem qualquer mudança nas refeições.
Adivinhe! A melhora no quadro depressivo foi muito maior na turma que passou a ingerir mais vegetais, oleaginosas, peixes de água fria, azeite de oliva e afins — enfim, os ingredientes básicos da cozinha mediterrânea.
Em relação à alimentação vegetariana, segundo Lara Natacci, há controvérsias: “Alguns estudos vêem um impacto positivo desse padrão alimentar na saúde mental, em especial na depressão, enquanto outros afirmam pode ser até o contrário.”
A chave talvez seja a proteína, que alguns vegetarianos, sem a orientação de um profissional de nutrição, acabam tirando demais do prato. “Pelo meu estudo, vejo que aumentar o consumo de frutas e hortaliças é importante, mas elas precisam estar acompanhadas de fontes de proteína magra para estarem associadas a menos depressão”, explica Lara Natacci.
Aos poucos, de acordo com a nutricionista, surgem protocolos para melhorar a dieta de quem tem um transtorno mental como esse, pinçando aqui e ali as descobertas com maior evidência científica que se repetem nesses estudos.
“O desafio é tornar esses protocolos factíveis para os brasileiros, algo em que pretendo trabalhar”, diz Lara “Aqui, nem todos podem comer salmão. Mas por que não incluir mais a sardinha no cardápio?”
Do mesmo modo, sugere a nutricionista, frutas vermelhas, que também são aclamadas por combaterem no cérebro aquele estresse oxidativo, poderiam ser substituídas pelo nosso açaí e pela jabuticaba — frutinha que ao estourar na céu da boca, cá entre nós, já é por si só uma alegria.
Fonte: uol
Colunista: @chefcarlosmiranda