Quando recebi o convite para conhecer o Gabinete Antes do Café, confesso que não fazia ideia do que esperar. Apenas sabia que a combinação de intelectuais, poesia e uma banheira de aço rosa não poderia ser algo banal. E eu estava certa.
Ao chegar ao local, fui recebida por Soraya Mourão, uma chapeleira de sorriso radiante, e Juliana Albernaz, a mente criativa por trás dessa ousadia.
O ambiente era simplesmente mágico, decorado com uma explosão de cores vibrantes: tons de azul, verde e, é claro, rosa. Plantas exuberantes completavam a atmosfera encantadora.
O espaço fica na Avenida Oito de Abril e é aberto ao público somente às quartas-feiras. A ideia surgiu como uma forma de incentivo à cultura.
O grupo é formado por professores, arquitetos, juízes, historiadores e poetas, além de quem se interessa pela arte
“Com a pandemia, os espaços culturais foram todos fechados, então ficamos pensando no que fazer pra retomar isso em Cuiabá, foi daí que surgiu o Gabinete Antes do Café”, disse Soraya Mourão.
Enquanto entrava, pude sentir o perfume das palavras flutuando no ar. O grupo seleto de aproximadamente 15 pessoas já estava se reunindo, ansioso pelo início das declamações poéticas.
A música suave ao fundo criava uma trilha sonora perfeita para o que estava por vir.
Logo fui informada de que as poesias seriam interpretadas dentro daquela peculiar banheira de aço rosa. Parecia uma cena saída de um sonho.
Juliana e Soraya demonstravam um cuidado minucioso ao servir os drinks e caldos, que complementavam perfeitamente a experiência sensorial que estava prestes a vivenciar.
Sem demora, as poesias começaram a ecoar no ambiente. O silêncio respeitoso se quebrou diante das palavras que fluíam como água, tocando a alma de todos os presentes.
Pude sentir a energia intensa e pulsante, as emoções transbordando de cada verso recitado.
As poesias, tanto autorais quanto clássicas, geravam conversas profundas e, ao mesmo tempo, divertidas. Inclusive aquela velha questão: Capitu traiu Bentinho ou não? Pois é, isso também foi questionado.
Era como se as palavras nos levassem a uma jornada além do tempo e do espaço. Discutíamos os significados ocultos, debatíamos sobre as metáforas mais complexas, tudo regado a risadas e aplausos entusiasmados.
Fui tocada pela paixão que emanava daqueles que se atreviam a compartilhar sua essência através das palavras.
A poesia revela segredos, desvenda sentimentos e nos conecta de forma única. Dentro daquele gabinete, onde a banheira de aço rosa se tornou nosso caldeirão de inspiração, encontrei uma comunidade que valoriza e celebra essa magia.
No decorrer do encontro, as horas pareciam voar. Perdida em versos e reflexões, mergulhei nas profundezas da poesia e emergi revigorada, com uma nova apreciação por essa forma de arte tão transcendente.
Ao sair do Gabinete Antes do Café, meu coração estava repleto de gratidão por ter tido a oportunidade de vivenciar algo tão extraordinário. Juliana Albernaz e Soraya Mourão, com sua visão única, criaram um espaço onde as palavras ganham vida e a imaginação não tem limites.
Se você é um amante da poesia ou simplesmente está em busca de uma experiência diferente e envolvente, não perca a chance de conhecer o Gabinete Antes do Café. Permita-se ser levado pelas correntezas literárias e descubra uma nova dimensão de encantamento. Afinal, em uma banheira de aço rosa, tudo pode acontecer.
E para fechar essa matéria no clima do Gabinete Antes do Café, por quê não uma poesia?
“O Amor Bate na Aorta – Carlos Drummond de Andrade
Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender.”
Fonte: primeirapagina