A proteína é o nutriente da vez. É positivo que o consumidor esteja mais consciente quanto à importância desse nutriente, já que a maioria dos ultraprocessados são uma combinação de carboidratos com gorduras — as chamadas “calorias vazias”. Mas, assim como ocorre com todas as tendências, a fama tem seu preço.
A palavra proteína ganhou destaque nos rótulos dos mais variados produtos. O whey protein deixou de ser visto como “coisa de marombeiro” e adentrou os supermercados. Barrinhas e bebidas lácteas proteinadas hoje são vendidas até nas farmácias.
Ser popular não seria um problema se a criatividade da indústria fosse calibrada pela legislação e pelo bom senso, algo que nem sempre acontece. Existe até sabonete proteico (falaremos disso outro dia). Mas você já imaginou ganhar músculos enquanto bebe uma cerveja?
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Sai a barriga de cerveja, entra o tanquinho de cerveja?
Essa parece ser a estratégia de marketing de uma cervejaria no Brasil que promete entregar 10g de proteína por lata (473 ml) da bebida. Se a promessa é boa demais pra ser verdade, é porque, de fato, não faz sentido.
O álcool atrapalha o desempenho físico, a hipertrofia e a recuperação pós-treino. Além disso é tóxico, provoca dependência e é classificado como cancerígeno. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, não existe nível seguro de consumo dessa substância — é por isso que os órgãos reguladores, como a Anvisa, proíbem alegações de propriedades nutricionais em bebidas alcoólicas.
Usar o argumento da proteína para vender álcool não tem cabimento. Como se isso não bastasse, os tipos de proteínas presentes na bebida são de baixa qualidade: uma mistura de glúten com o aminoácido glutamina, que nem mesmo proteína é
As proteínas não são todas iguais. Enquanto o glúten é uma proteína incompleta e de baixa biodisponibilidade, a glutamina é apenas um aminoácido não essencial que o próprio corpo produz. Ou seja, do ponto de vista prático, ambos são pouco úteis para a saúde e a construção muscular.
Existem 20 aminoácidos. Todos eles são necessários para construir as proteínas do nosso organismo, como se fossem peças de Lego. Proteínas de alto valor biológico contêm quantidades adequadas dessas 20 peças. A glutamina é apenas uma delas, embora seja contabilizada na tabela nutricional como proteína. Logo, faltariam todos os outros aminoácidos para que a cerveja fosse útil para o ganho muscular, como dá a entender seu anúncio.
Além disso, chama a atenção a quantidade de carboidratos. Ele é o principal nutriente do produto: enquanto uma lata de cerveja convencional de 473 ml contém cerca de 15 gramas de carboidratos, a “proteica” tem 38g. Ou seja, mais calorias vazias e nenhuma vantagem.
A propaganda fica ainda pior quando o fabricante sugere que sua bebida alcoólica “proteica” seja consumida como pós-treino, usando a imagem da cerveja apoiada num braço musculoso, ou dizendo no Instagram que “no fim da corrida ou da trilha não tem nada mais apropriado”.
Esse tipo de comunicação não apenas autoriza o consumidor a ingerir mais álcool como minimiza os danos da substância à saúde.
A cerveja “proteica” contém o dobro dos carboidratos de muitas cervejas convencionais e a mesma quantidade de álcool. As proteínas alegadas são uma mistura de glúten com o aminoácido glutamina, que nem mesmo proteína é.
Se você quer beber cerveja, faça isso de forma consciente: assuma que gosta do sabor, ou que quer sentir o efeito do álcool enquanto assiste ao futebol. Só não acredite na alegação absurda de que um pouquinho de aminoácido e uma proteína de baixa qualidade trarão benefícios para seu treino ou anularão os malefícios do álcool no seu organismo.
Trocar a cerveja normal pela “proteica” não vai te deixar mais saudável. Se você quer um braço musculoso, pratique exercícios físicos e ingira proteínas de alta qualidade, como carnes, peixes, frango, ovos, laticínios ou as de fontes vegetais. Lamento informá-los que nenhuma cerveja faz parte dessa lista.
Fonte: uol