Já faz tempo que as autoridades sanitárias de todo o mundo estão de olho no avanço mundial de enfermidades do coração, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas, bem como na associação delas ao sedentarismo e às dietas desequilibradas.
Nesse último quesito, o consumo do açúcar se destaca porque, quando é exagerado, ele sinaliza não só um regime alimentar pobre em nutrientes, mas também obesidade e risco para doenças associadas.
Assim, a mais atual recomendação da OMS, é reduzir —o quanto possível— a ingestão de açúcar. Detalhe: isso deve se dar por toda a vida. Diante dessa realidade, a pergunta que não quer calar é será que o mel seria uma boa opção para preservar a saúde e abrir espaço para mais doçura no nosso cardápio?
As abelhas surgiram há mais de 135 milhões de anos.
Existem cerca de 20 mil espécies descritas no mundo; 3.000 delas estão presentes no Brasil, destacando-se as sem ferrão como a jataí, a mandaçaia e a borá.
Cerca de 2 milhões de toneladas é a produção anual de mel no globo. O Brasil, em 2022, produziu mais de 60 mil toneladas (dados do IBGE).
Por dentro do mel
Ele é definido como uma substância natural produzida pelas abelhas que coletam néctar das flores, seiva das plantas ou excreções de insetos sugadores, transformando-os em mel.
Assim como o açúcar de mesa, o mel é classificado como um carboidrato de alta densidade calórica, ou seja, ele possui grande quantidade de calorias em uma pequena porção. 100 g de mel vale 309 kcal, enquanto a mesma quantidade de açúcar de mesa possui 387 kcal.
Os efeitos no seu corpo
Desde que usado com moderação em preparações culinárias que tenham alimentos naturais e minimamente processados como ingredientes, os variados tipos de açúcar contribuem para diversificar e dar mais sabor aos alimentos sem que eles fiquem desbalanceados nutricionalmente.
A recomendação da OMS é que a medida saudável desses itens para adultos e crianças não deve ultrapassar ao máximo 10% da energia total consumida no dia, podendo ser diminuída a menos de 5%.
Quanto à troca do açúcar de mesa pelo mel, as evidências científicas sobre as possíveis vantagens são limitadas.
A razão para isso é que boa parte dos estudos hoje disponíveis foram feitos com animais.
Os resultados das pesquisas com humanos são difíceis de serem comparados porque as doses, tipos de mel, idades dos participantes e tempo de observação são diferentes.
Apesar disso, quando o mel e outros tipos de açúcar são comparados, considerando suas propriedades funcionais e possíveis prejuízos para a saúde, o primeiro se destaca por ser um pouco superior, desde que consumido na medida certa.
Confira alguns dos achados dos cientistas:
Maior consumo de nutrientes
Melhor controle da glicemia
Potencial redução de cáries
Mais vitaminas no seu cardápio
Classificado como carboidrato simples, a depender de seu tipo, o mel pode possuir mais de 200 componentes. No entanto, a maioria deles são compostos pelos seguintes itens:
Um mix de diferentes tipos de açúcar: glicose e frutose (monossacarídeos), além de cerca de 25 tipos de oligossacarídeos.
Água (15% a 17%).
Proteínas (0.1% a 0.4%).
Enzimas, ácidos orgânicos.
Vitaminas e minerais (traços de vitaminas do complexo B, como a riboflavina, niacina, ácido fólico, vitamina B6 e vitamina C).
Compostos fenólicos, como ácidos fenólicos e flavonoides —substâncias com potencial antioxidante que podem ter efeito anti-inflamatório.
Quanto mais escuro for o mel, maior quantidade de antioxidantes.
Glicemia e outras doenças sob controle
O índice glicêmico (IG) mede como os carboidratos atuam na glicemia, ou seja, nas taxas de açúcar do sangue. Quando ele é baixo, esses níveis sofrem pouca influência; já quando ele é alto, ele provoca a elevação das taxas.
A frutose contida no mel pode variar entre 21% a cerca de 50%, e seu IG corresponde a 19 (valor baixo), enquanto no açúcar de mesa ele alcança 60 (valor médio).
Alimentos com IG baixo tem impacto reduzido na glicemia e, portanto, protegem contra doenças do coração e o diabetes.
O mecanismo por trás disso ainda não foi totalmente explicado. A hipótese é que a frutose, junto com o selênio, o zinco, o cobre, mais os ácidos fenólicos e flavonoides tenham um papel nesse processo.
Um estudo publicado no periódico Nutrients, concluiu que apesar da limitação das evidências atuais e da alta densidade calórica do mel, um dos principais benefícios se relaciona à saúde cardiovascular em pessoas saudáveis (com idade superior a 1 ano), com diabetes ou que tenham altas taxas de gordura (dislipidemia).
Tais benefícios, entretanto, dependem da inclusão do mel no regime alimentar desde que respeitados os limites sugeridos pela OMS.
A saúde bucal agradece
Embora a causa das cáries seja multifatorial, ou seja, o seu aparecimento não esteja exclusivamente relacionado ao consumo de açúcar, o excesso de itens açucarados na dieta pode agravar o quadro ou potencializar o seu aparecimento em pessoas predispostas.
Dados os efeitos antimicrobianos do mel, a redução de placas bacterianas já foi documentada por pesquisadores que avaliaram o efeito do uso de uma solução à base de água e mel.
Em teoria, esta poderia ser uma alternativa natural, acessível e sem efeitos colaterais nos cuidados bucais, embora a resposta das medidas de higiene hoje indicadas sejam superiores.
Os vários tipos de açúcar
Açúcar e mel são carboidratos e se encaixam na classificação de carboidratos simples: monossacarídeos (glicose, frutose, galactose) e dissacarídeos (sacarose, lactose, maltose).
Para entender o quanto pode ser consumido de açúcar, antes é preciso conhecer suas diferentes definições:
Açúcar total – é a soma de todos os açúcares da dieta: os das frutas, vegetais e do leite e seus derivados, bem como o adicionado a bebidas e alimentos.
Açúcar livre – são os monossacarídeos e dissacarídeos.
Adicionado – é o agregado durante o processamento de alimentos e não inclui os naturais contidos nas frutas ou no leite. O objetivo é melhorar o sabor, textura, volume, cor, fermentação e até conservação.
Para um adulto que ingere 1.800 kcal todos os dias 5% das calorias advindas do mel corresponderiam a 90 kcal, o mesmo que comer uma 1 colher de sopa de mel (16 g), que possui cerca de 80 kcal.
Mas lembre-se, esse cálculo não considerou outros tipos de açúcar contidos em diferentes fontes naturais: leite [lactose], frutas e vegetais [frutose], além de cevada e trigo [maltose] e que deveriam entrar nessa conta. Daí a importância de moderar o consumo.
Como o corpo estoca açúcar
O nosso corpo utiliza a energia que vem dos alimentos por meio da glicose que é usada para manter o equilíbrio orgânico. A glicose ingerida é usada como combustível, e parte dela é estocada como glicogênio —que é armazenado no músculo e no fígado e rapidamente utilizado pelo corpo quando necessário.
Quando o volume de açúcar consumido é alto e não é gasto, ele se acumula na forma de gordura. Para dar conta do volume extra, novas células de gorduras são criadas e o peso na balança sobe.
Esses excessos podem avançar para outros órgãos que não têm gordura na sua composição (fígado, músculo pâncreas, etc.).
É aí que a inflamação se instala, levando à resistência à insulina, depois ao diabetes e doenças do fígado, por exemplo, o que pode ser acelerado pela falta de atividade física.
Por que não posso dar mel para os bebês?
A razão para isso é que os pequenos são mais suscetíveis ao botulismo infantil, uma enfermidade causada por esporos da bactéria Clostridium botulinum, encontrada em alimentos naturais como o mel.
A imaturidade do sistema gastrointestinal dos bebês não permite que ele combata as toxinas produzidas pelo microrganismo. A sugestão da Academia Americana de Pediatria é que o mel seja oferecido ao bebês com idade superior a 1 ano.
Evite comprar gato por lebre
Se decidir pelo consumo do mel, fique atento às doses, mas também à procedência porque pode ser difícil identificar um mel de má qualidade.
A melhor forma de se garantir é procurar pela lista de ingredientes constantes no rótulo (por vezes, essa informação estará disponível no site do produtor), bem como pelo selo de inspeção das autoridades sanitárias federal, estadual ou municipal.
Alguns méis falsificados contêm em sua “receita” itens como anilina, iodo, amido de milho, baunilha, sacarose ou glicose industrial, acidulante, essências químicas artificiais, corantes e estabilizantes, entre outros ingredientes, muitos deles já reconhecidos como carcinogênicos.
Dicas para substituir açúcar por mel nas suas receitas
Como o mel tem maior poder para adoçar, é preciso ficar de olho nas substituição para não errar na mão. Coloque em prática as seguintes medidas:
Use uma parte de mel para cada 1 e ¼ de medida de açúcar.
Adicione ½ colher de chá de bicarbonato para cada xícara de chá de mel para reduzir a acidez e o peso do mel. Reduzir a parte líquida da receita ajuda a balancear a consistência.
O mel faz que o bolo escureça mais rápido. Para maior controle disso, você pode adicionar um pouco de bicarbonato na massa, assim como reduzir a temperatura do forno para retardar esse processo.
A densidade do mel faz que ele grude no medidor. Untar esse recipiente com óleo vegetal ou água reduz essa aderência.
Fontes: Flavia Auler, nutricionista, especialista em nutrição clínica e terapia nutricional, mestre em alimentos e nutrição, doutora em ciências da saúde e coordenadora do curso de nutrição da PUCPR; Monica Assunção, nutricionista, docente da Faculdade de Nutrição da UFAL (Universidade Federal do Alagoas) e integrante do corpo de profissionais do HUPAA (Hospital Universitário Professor Alberto Antunes), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); e Selma Freire de Carvalho da Cunha, médica docente da divisão de nutrologia do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). Revisão técnica: Monica Assunção.
Referências: Ministério da Saúde; OMS (Organização Mundial da Saúde); Tabela Brasileira de Composição de Alimentos; Departamento de Ciências da Nutrição da Faculdade de Agricultura e Ciências da Vida da Universidade do Arizona; Deral (Departamento de Economia Rural), Divisão de Conjuntura Agropecuária da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Governo do Estado do Paraná, Boletim Apicultura, Veterinário Roberto Carlos Andrade e Silva (2024); Palma-Morales, M.; Huertas, J.R.; Rodríguez-Pérez, C. A Comprehensive Review of the Effect of Honey on Human Health. Nutrients 2023, 15, 3056. Disponível em https://doi.org/10.3390/nu15133056.
Fonte: uol