O câncer de mama é o câncer que mais acomete mulheres no mundo. No Brasil, ocupa o primeiro lugar em mortalidade por câncer entre as mulheres. Com somente cerca de 50 milhões de brasileiros acessando planos de saúde, conversamos com o mastologista André Mattar (CRM 100525/SP) para entender como é feito o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Um panorama do câncer de mama no Brasil
O câncer de mama ocorre quando há a multiplicação anormal das células mamárias, de forma que elas se desenvolvem repetidamente até formarem um tumor maligno. Os sintomas mais comuns são a presença de caroço endurecido, fixo e indolor na mama e pele avermelhada ou que lembre uma casca de laranja, assim como alterações ou saída de líquido do mamilo. Nódulos também podem aparecer nas axilas e, às vezes, no pescoço.
No Brasil, para este ano, estão estimados 73.610 casos novos de câncer de mama, sendo que as mulheres são as mais afetadas pela doença. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, casos de câncer de mama que acometem homens representam apenas 1% do total. O fator de risco mais importante é ter idade acima de 50 anos.
Mesmo assim, há diversos outros fatores críticos que podem colaborar para o desenvolvimento da doença, como histórico familiar; falta de atividades físicas; consumo de bebidas alcoólicas, alimentos processados e ultraprocessados; uso de contraceptivos hormonais, entre outros. O tratamento pode ser feito tanto de forma particular quanto por meio da saúde pública, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), garantido por direito para todas as pessoas.
Rastreando o câncer de mama na paciente
O mastologista André Mattar (CRM 100525/SP) explica que o padrão de acompanhamento para a prevenção do câncer de mama do sistema público de saúde brasileiro é realizar a mamografia em mulheres acima de 50 anos a cada dois anos, uma determinação do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Caso a pessoa apresente uma alteração palpável neste exame, ela deve procurar a Unidade Básica de Saúde (SUS) e passar por atendimento médico, seja do próprio SUS, da família ou um ginecologista, que vai pedir exames complementares de ultrassom e biópsia.
“A biópsia feita pelo SUS é guiada pelo ultrassom e nela, se tiram fragmentos de tecido da mama com o uso de agulha e anestesia local. Ela pode confirmar o diagnóstico de câncer e, a partir disso, a paciente é encaminhada para um hospital de referência para fazer o tratamento”, explica o médico. Na prática, essa é uma regulação individual em que se analisa a gravidade do caso e em qual unidade ela deve receber o acompanhamento. “O sistema encaixa a pessoa no local mais próximo possível da casa dela e que tem a vaga mais próxima”.
Mattar explica que, entre todos, o exame mais importante é o da biópsia, que recebe cobertura do SUS. Contudo, o Sistema Único de Saúde não garante todos os exames realizados, marcando uma diferença entre as pessoas que fazem o tratamento público e privado. “Algumas unidades têm mais facilidade de fazê-los, outras menos. Não são todas que cobrem a ressonância magnética, por exemplo, e a biópsia à vácuo também não está disponível na maior parte do SUS”, aponta. Apesar disso, ele explica que o exame mais importante é mesmo o da biópsia, coberto pelo SUS; os outros servem para indicar o melhor plano de tratamento da paciente.
O papel do mastologista no tratamento contra o câncer
De acordo com André Mattar, o mastologista (uma especialidade médica bastante focada em câncer de mama) é a primeira pessoa que tem contato com a paciente diagnosticada com a doença. “O mastologista tem a visão global da paciente com câncer e outras afecções da mama. Ele participa do diagnóstico fazendo a biópsia; indicando a cirurgia; operando; fazendo a reconstrução da mama, quando necessário; e está habilitado a fazer os tratamentos direcionados, como quimioterapia, hormonioterapia e acompanhamento da radioterapia”, explica o médico.
“A gente costuma dizer que o mastologista é o grande maestro dessa orquestra, porque é ele que vai indicar se a paciente vai começar o tratamento com quimioterapia, com cirurgia ou se vai precisar de algum tratamento depois da cirurgia”, continua ele, reiterando que esse especialista também fará o plano de tratamento da paciente com câncer de mama, montado de acordo com a gravidade do tumor e do grau de disseminação da doença.
“O curso do tratamento depende do tamanho, desenvolvimento e gravidade do tumor. Se o tumor é agressivo e grande, começa-se com tratamento quimioterápico; se é menor e menos agressivo, começa com a cirurgia”, diz André Mattar.
Desafios no tratamento da rede pública
Quanto a algumas especificidades e medicamentos para o combate ao câncer de mama, André Mattar diz que nem todos são cobertos pelo SUS. Segundo ele, existem medicamentos utilizados contra os tumores HER2, por exemplo, que não estão disponíveis na rede pública, como o Pertuzumab. “Costumamos utilizá-lo junto com a quimioterapia antes de operar alguém”, comenta o médico. “Ele é utilizado também com as pacientes em que a doença é metastática e, nessa situação, já está liberado no SUS, mas para o tratamento neoadjuvante, não”, explica. O tratamento neoadjuvante é aquele que se faz antes da operação, a fim de diminuir o tamanho do tumor e facilitar a cirurgia.
“Uma outra situação que não está liberada para o SUS é a utilização do medicamento imunoterápico Pembrolizumab, utilizado para tumores triplo negativos em pacientes que vão para a quimioterapia antes de operar. Com ele, a gente aumentaria a chance de resposta ao tratamento. Temos ainda casos de pacientes HER2 que fizeram quimioterapia, mas ainda estão com a presença de células viáveis, o que chamamos de resposta patológica incompleta. Neste caso, teríamos a indicação de usar um medicamento específico, que, embora já tenha sido aprovado pela Conitec [a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias, que aprova os tratamentos para o SUS], ainda não está disponível nas unidades, por falta de financiamento, um grande problema que a gente tem”, comenta o médico.
Mattar comenta também outro tratamento ainda não liberado pelo Sistema Único de Saúde. “Quando há um tumor com receptor de hormônio, temos a indicação de um tratamento baseado em hormonioterapia associado a um medicamento que se chama Inibidor de Ciclina. São usados em pacientes com a doença avançada, metastática e estão liberados pela Conitec, mas infelizmente ainda não foram incorporados também por falta de financiamento.”
Equipes multidisciplinares para o apoio à paciente
Ao Dicas de Mulher, André Mattar conta que, no Sistema Único de Saúde (SUS), alguns lugares têm tratamento de equipe multidisciplinar contra o câncer de mama. Onde ele trabalha, por exemplo, estão enfermeiras, mastologistas, radioterapeutas, cirurgiões plásticos, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, que são acionados conforme a necessidade. Isso porque, depois do diagnóstico, a paciente recebe acompanhamento durante todo o tratamento, seja por cinco ou até dez anos, dependendo do caso. André destaca, principalmente, o papel da assistente social no combate ao câncer de mama.
“Esses profissionais são muito importantes não só para garantir o tratamento da paciente, mas também para o acompanhamento dela, senão, podemos não conseguir sucesso. No geral, temos uma dificuldade muito grande com as pacientes do ponto de vista financeiro, pois o câncer é só mais um dos problemas que elas têm. A assistente social nos ajuda muito, porque ela mostra quais são as leis. Durante o tratamento quimioterápico, por exemplo, a paciente dentro da Grande São Paulo tem o benefício de não precisar pagar ônibus, metrô e trem. E existe a orientação para ela ir até o INSS conseguir o auxílio-doença. Para isso, a assistente social dá orientações e é feita uma carta do médico-assistente, o que ajuda a paciente nesse período bastante complexo da vida dela”, explica o médico.
Reconstrução mamária e preservação da fertilidade: um salto de autoestima
Além de ser médico em um hospital de referência, André Mattar também faz parte da Sociedade Brasileira de Mastologia. Ele conta que uma das bandeiras levantadas pela Associação é a diminuição do impacto do tratamento e do câncer de mama para a qualidade de vida das mulheres. Essencial para manter viva a autoestima das pacientes, já existe a Lei da Reconstrução Mamária (Lei nº 9.797/99), por exemplo, que dá o direito à cirurgia plástica reconstrutiva a quem sofreu mutilação total ou parcial da mama decorrente do tratamento contra o câncer.
“Porém, obviamente, nem todos os lugares fazem isso”, comenta o médico. Ele conta que, às vezes, também pode ser necessário esperar um tempo para a realização da reconstrução, especialmente se a paciente tem alguma contraindicação, como algum problema de saúde grave ou se está muito obesa. Mas, depois de tratadas essas questões, a reconstrução mamária é feita.
“É muito importante que as mulheres sejam tratadas de maneira adequada e que exista a possibilidade de fazer a reconstrução todas as vezes que a gente retirar a mama, e isso deveria acontecer em todos os locais. Os mastologistas são treinados para se fazer reconstrução mamária também, então nos locais em que não temos tantos cirurgiões plásticos, como fora de São Paulo, sabemos que o mastologista é fundamental para garantir a reconstrução”, comenta o médico, que aponta ainda para outra questão importante: a preservação da fertilidade das pacientes.
“A gente sabe que principalmente pacientes mais jovens que vão fazer quimioterapia têm um risco muito grande de ficarem inférteis. E nessa situação, é muito importante diminuir esse risco fazendo a preservação da fertilidade”, explica André Mattar, que diz que, nesses casos, a paciente é vista por um médico especialista em fertilidade, que vai dar medicamentos para captar óvulos e guardá-los caso seja necessário.
“No hospital em que trabalho, temos essa facilidade, porque o hospital tem um serviço de reprodução humana que consegue preservar a fertilidade das mulheres. Com a quimioterapia, a mulher pode parar de menstruar e entrar numa menopausa precoce, mas se ela tem os óvulos guardados, há a possibilidade de juntá-los com o espermatozóide e colocar dentro da cavidade uterina um embrião pronto, o que facilita a chance de a pessoa engravidar”, explica o médico. “Para esse protocolo, a gente tenta uma reprodução natural primeiro, mas se a pessoa não está conseguindo, fazemos a reprodução assistida.”
O ponto de vista de quem vive o câncer
Daniela Cavalieri tem 44 anos, é recepcionista e mora no Rio de Janeiro. Ela descobriu o câncer de mama em 2020, fazendo o exame de toque nas mamas. A irmã já havia tido a doença anteriormente. “Foi sofrido, eu chorei por três horas seguidas, mas depois me senti aliviada porque a partir daquele momento sabia quem era meu inimigo. Então, só me restava lutar”, diz Daniela, que fez o tratamento e teve todos os exames custeados pelo SUS. Ela foi diagnosticada por meio da biópsia com imuno-histoquímica complementar, além de ter feito alguns exames como ressonância magnética, cintilografia óssea, USGS total e tomografia.
“Todo o meu tratamento teve um planejamento. Tive o diagnóstico de carcinoma ductal invasivo HER2 Negativo Luminal A, com 6 centímetros. Começamos pela quimioterapia neoadjuvante para reduzir o tamanho, depois fiz cirurgia e radioterapia. Sigo em acompanhamento com exames e medicação por dez anos”, explica ela, que diz que se tratar pelo Sistema Único de Saúde não foi uma opção. “Seria hipocrisia se eu dissesse que sim, então sou muito grata ao SUS, porque eu jamais teria condições de bancar meu tratamento”, conta ela.
“Fiz oito sessões de quimioterapia, cirurgia e mais 18 sessões de radioterapia, sem contar o transporte, que a Prefeitura me disponibilizou e ainda disponibiliza, porque moro em Bom Jardim, mas faço tratamento oncológico em Teresópolis”, complementa Daniela, que reitera o desafio que foi passar pelo câncer de mama. “O maior desafio que enfrentei foram as horas que passei viajando até os locais do meu tratamento. Eram quatro horas de ida e quatro horas de volta, mas não era só eu de paciente [para cumprir o tratamento], então houve dias que eu saía às duas da manhã de casa e retornava às seis horas da tarde. Ou, às vezes, eu chegava às oito horas da noite, tomava banho e dormia, porque no outro dia tinha que acordar de novo às duas da manhã para viajar”.
Mesmo assim, Daniela diz que durante todo o tratamento manteve o lado psicológico bem estruturado, contando com o apoio da família e amigos e com a sua fé. “Sempre digo para as mulheres que estão passando pela descoberta do câncer de mama para manterem o psicológico muito bem preparado, porque ele pode ser o maior ou o pior aliado. Não posso falar pelos outros, mas minha experiência com o tratamento pelo SUS foi e continua sendo muito boa. Minha medicação também é fornecida pelo SUS e tenho consultas e exames a cada quatro meses”, finaliza a recepcionista.
Caso conheça alguém enfrentando o desafio do câncer de mama, não deixe de prestar seu apoio. Além disso, lembre-se da importância do autoexame e tenha em mente que, se você precisar, o SUS estará disponível para te atender! O SUS é o maior sistema de saúde pública global, e é um direito universal, aberto a todos, independentemente de sua nacionalidade.
Fonte: dicasdemulher