EEm 9 de janeiro de 2007, às 10h da manhã, um Steve Jobs saudável subiu ao palco do Moscone Center, espaço de eventos que a Apple alugava em São Francisco. “Vamos fazer história hoje”, disse. O iPhone não nasceu bem (dois meses após o lançamento, a Apple teve de cortar seu preço em 30%), mas acabou decolando.
Vieram os aplicativos, redes sociais, o Android, a massificação. Hoje, 6,4 bilhões de pessoas têm um smartphone – superando com folga o saneamento básico, que chega a 4,4 bilhões. É bizarro, mas até que tem seu nexo: o instinto humano de encontrar algo interessante, e prestar atenção àquilo, é tão primal quanto as necessidades fisiológicas.
A internet móvel saciou, finalmente, esse desejo. Passamos a ter, pela primeira vez na história, acesso a um fluxo constante e quase infinito de informações novas.
Ao mesmo tempo, foram aparecendo sinais de que algo não andava bem. A média de atenção humana, segundo um estudo da Microsoft, havia regredido para míseros oito segundos – um a menos do que o peixe-dourado, uma espécie ornamental de aquário, que é capaz de focar num estímulo visual por nove segundos.
Essa informação, de 2017, correu o mundo: saiu no New York Times, no Guardian, nas revistas Time e New Scientist, entre outros grandes veículos de imprensa. E foi replicada em milhões de páginas da internet.
Só havia um problema: o tal estudo (que não era da Microsoft) não apresentava nenhuma prova. Os autores não haviam feito nenhuma experiência concreta – fosse com humanos ou peixes –, e citavam números de origem indefinida, impossíveis de comprovar(1).
A notícia era claramente absurda. Mas isso não impediu que se espalhasse, inquestionada, por todos os cantos. Simplesmente porque ninguém havia se dado ao trabalho de prestar atenção ao que estava lendo.
O papo de oito segundos é um mito, mas a atenção humana está caindo, sim. Há dados comprovando o fenômeno [veja no quadro abaixo], que você já deve ter visto e sentido na pele.
O ritmo acelerado do TikTok conquistou 1,6 bilhão de usuários – e todas as outras redes copiaram o formato, com vídeos verticais curtíssimos. No WhatsApp, virou hábito ouvir os áudios em velocidade acelerada, 1,5x ou mais. Assistimos a filmes e maratonamos séries, mas quase sempre com o celular ao alcance da mão, desviando periodicamente o foco da história.
Em vez de caçar coisas interessantes, hoje temos é que nos defender da chuva de estímulos que disputam nossa atenção. Há cada vez mais serviços de streaming, podcasts, filmes, vídeos, livros, jogos, notícias… todas as formas possíveis de informação e entretenimento.
Isso é ótimo, mas também tem consequências ruins. Está cada vez mais difícil focar em algo. Qual foi a última coisa que chamou a sua atenção na internet hoje? Você lembra? É bem possível que não: olhou aquilo por tão pouco tempo que o seu cérebro nem chegou a formar uma memória.
Nos Estados Unidos, os casos de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) dobraram na última década. E essa condição, até então restrita a crianças, alcançou também jovens adultos – que hoje enchem o TikTok de vídeos sobre ela e os remédios que tomam para tentar contê-la.
O mais usado, que se chama Venvanse, desde 2022 está em falta nas farmácias dos EUA e do Brasil. A demanda é tão alta que o fabricante, o laboratório japonês Takeda, simplesmente não consegue atendê-la.
A capacidade humana de prestar atenção parece estar desaparecendo. E as redes sociais foram tomadas por uma moda, o chamado “jejum de dopamina”, que promete reverter esse processo. Ele não é bem o que parece, mas pode trazer benefícios. Antes de entrar neles, é preciso responder uma pergunta que só parece simples: o que é, exatamente, a atenção?
A gênese da atenção
Um dia qualquer, 4 bilhões de anos atrás, algo extraordinário aconteceu: o que era morto, inanimado, ganhou vida. O carbono e os gases da atmosfera formaram moléculas capazes de se autorreplicar – e disso surgiu a primeira, até hoje desconhecida, forma de vida.
Dela vieram bactérias, arqueias, fungos, plantas, animais. Estes, com uma habilidade revolucionária: o poder de decidir sua reação a estímulos externos. Ficar ou fugir, afagar ou atacar, ignorar ou observar. Direcionar o olhar, e os pensamentos, ao que realmente interessa. Ou seja, prestar atenção.
Ela é uma vantagem evolutiva e tanto, pois permite que o animal concentre sua capacidade cognitiva (um recurso finito e sempre escasso) em determinada coisa, e a partir daí tente entendê-la – podendo se antecipar, ou reagir melhor, a ela. Preste atenção a seus predadores, ou a suas presas, e você terá mais chance de comer e não ser comido.
Atenção é útil para todo animal. Tanto é assim que ela emana do sistema límbico(2): a parte mais interna e antiga do cérebro, que o Homo sapiens compartilha com diversas espécies, e também controla funções como a memória e o medo.
A atenção é um instinto nato, a força que alimenta a curiosidade das crianças e estrutura o raciocínio dos adultos. Ela permite priorizar tarefas, estabelecer metas, controlar impulsos.
Mas não é infinita. Porque também depende de outro elemento cerebral: a “rede executiva central”, que é formada por um conjunto de áreas, como o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex lateral posterior.
São regiões mais externas e desenvolvidas do cérebro, responsáveis por funções avançadas, como o raciocínio. E elas podem ficar exaustas. No ano passado, um grupo de cientistas da Universidade Sorbonne e de outras instituições francesas conseguiu demonstrar que o cansaço mental não é meramente psicológico: ele é desencadeado por uma alteração física no cérebro(3).
Os pesquisadores monitoraram a atividade cerebral de 40 voluntários enquanto eles faziam testes de lógica. Descobriram que, conforme as pessoas iam resolvendo os testes, seu córtex pré-frontal acumulava um neurotransmissor, o glutamato (parêntese: ele não tem nada a ver com o glutamato monossódico, um tempero polêmico sobre o qual falamos nesta reportagem aqui).
Quando as conexões entre os neurônios ficavam saturadas de glutamato, a performance dos voluntários caía, e eles se sentiam mentalmente cansados.
Essa experiência avaliou o raciocínio, não a atenção em si. Mas é provável que algo semelhante aconteça com ela. Afinal, nossa capacidade de foco também vai se esgotando durante o dia, tornando mais difícil resistir às distrações.
Quando isso acontece, o cérebro vai perdendo a capacidade de manter a “atenção sustentada”, e sendo dominado por outro tipo: a chamada “atenção cinética”. O termo foi cunhado por Gloria Mark, psicóloga da Universidade da Califórnia (Irvine).
Ela é autora de dezenas de estudos sobre atenção e também de um novo livro, Attention Span (“Dimensão da Atenção”, ainda não lançado no Brasil), no qual resume alguns deles.
A atenção cinética tem esse nome porque é caracterizada pelo “movimento mental”: nesse estado de atenção (ou desatenção?), estamos constantemente trocando de foco, indo do computador ao celular, do WhatsApp ao Instagram, do Instagram ao TikTok, e assim por diante, ficando pouco tempo em cada coisa.
Outras formas de mídia, como filmes e séries, também exploram isso. “Cada tomada [de câmera] é curta, dura quatro segundos em média. Então nossa atenção visual ainda muda rapidamente, mesmo que a história seja longa”, explica Mark. Trata-se de um apelo à nossa atenção cinética – que é menos profunda, e requer menor esforço cognitivo.
“Em si mesma, a atenção cinética não é boa nem ruim. Mas minha pesquisa também mostrou que, na maior parte do tempo, nós não somos muito bons em utilizá-la”, diz a psicóloga.
Ela atrapalha muito no trabalho, por exemplo. Estudos feitos por Mark e outros pesquisadores revelaram que as pessoas não são capazes de completar as tarefas de uma só vez: acabam mudando o foco, pegando outras tarefas para fazer (ou aproveitando para dar só uma olhadinha no smartphone), o que desperdiça tempo e esforço.
E quanto mais você é interrompido por estímulos externos, maior é a chance de que se distraia também com estímulos internos, da própria mente – e comece a devanear sobre mil coisas, nenhuma das quais tem relação com o que estava fazendo.
Isso é normal. Num estudo que se tornaria clássico(4), o psicólogo Jonathan Schooler, da Universidade da Califórnia (Santa Bárbara), pediu a um grupo de voluntários que se sentassem para ler Guerra e Paz, o longuíssimo romance histórico de Tolstói sobre as guerras napoleônicas na Rússia.
O ano era 2004, antes dos smartphones e das redes sociais como as conhecemos hoje, e os participantes tinham apenas o livro e um botão – que deviam apertar quando sentissem que haviam se distraído da leitura.
O que Schooler descobriu, e outros testes confirmaram depois, é que mesmo nesse contexto de imersão absoluta, sem nenhuma distração disponível, a atenção desviava regularmente.
“Você provavelmente está prestando um pouco de atenção, pelo menos, às palavras que está lendo. Mas depois de uma ou duas páginas, há uma possibilidade, senão uma probabilidade, de que a sua atenção se distraia”, escreve Schooler. “Os seus olhos continuarão se movendo pela página, as palavras soando na sua cabeça, mas a sua mente estará em outro lugar.”
É verdade. Já deve ter acontecido, inclusive, enquanto você lia este texto. O cérebro não é uma máquina, e algum grau de desatenção é natural e desejável – isso é uma das forças que compõem a criatividade, aliás.
O que não é natural é a escala em que o mundo moderno tem explorado, e disputado, o foco das pessoas. Ele se tornou um negócio bilionário, que mobiliza as maiores empresas de tecnologia: a indústria da atenção.
O valor da atenção
Quando você usa o Google, uma rede social ou qualquer outro serviço online gratuito, “paga” por ele com os dados e a atenção que fornece. 80% da receita do Google, 90% do faturamento da Meta e 100% da renda do TikTok vêm das propagandas colocadas junto aos posts (nossos dados servem para personalizar os anúncios, escolhendo coisas que supostamente poderão nos interessar). As grandes empresas de tecnologia existem para conquistar o seu foco – e vendê-lo.
Esse é o cerne da “economia da atenção”, um conceito proposto na década de 1960 por Herbert Simon, um cientista político da Universidade de Chicago que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel.
Ele foi o primeiro a encarar o foco como um produto, estudá-lo aplicando conceitos de mercado. E postulou o seguinte: “riqueza de informação cria pobreza de atenção”. No futuro, com cada vez mais informações disponíveis, Simon previu que a atenção humana se tornaria um recurso escasso. E, portanto, valioso.
Na virada do século, conforme a internet começava a absorver a atenção humana, e todo um setor econômico se formava em volta disso, houve até uma tentativa de regular a prática. Em 2002, o cientista da computação Scott Fahlman, da IBM, propôs(5) o que chamou de “direitos de interrupção”.
Se alguma empresa quisesse a sua atenção, deveria pagar por ela. Você criaria uma lista de pessoas liberadas, que poderiam contatá-lo a qualquer momento (amigos, colegas, parentes etc.). Mas, caso o remetente não estivesse nessa lista, uma taxa seria cobrada dele a cada email ou ligação telefônica – e, se o contato se revelasse inútil, você poderia resgatar o dinheiro.
Isso não foi adiante, claro, e as empresas de internet passaram a explorar vorazmente a atenção. Nesse mercado, há dois níveis de concorrência. Primeiro, as plataformas competem entre si para capturar mais usuários, e usam todo um arsenal: notificações constantes, recompensas pelo uso dos apps, personalização de conteúdo e outros truques.
Nos últimos 10 anos, com o acirramento da competição entre as plataformas online – e consequente aumento no valor da atenção –, elas começaram até a usar técnicas emprestadas dos cassinos, que exploram fraquezas clássicas da psicologia humana [veja quadro acima]. E o scroll infinito, em que o conteúdo nunca termina, se tornou o padrão.
O programador americano Aza Raskin, que mais tarde se tornaria o desenvolvedor-chefe do navegador Firefox, foi quem inventou a rolagem infinita, em 2006. Hoje, ele se arrepende: estima que a tecnologia faça o usuário passar 50% mais tempo em um site como o Twitter, por exemplo. “Nós estamos perdendo o controle das ferramentas que criamos”, declarou em 2019.
O próximo passo foi criar bolhas, em que os algoritmos mostram a cada pessoa exatamente o que ela deseja ver – ainda que isso envolva informações falsas ou perigosas.
“O modelo de negócios das plataformas, baseado no engajamento, estimula a circulação de conteúdos nocivos, como desinformação e discurso de ódio, que captam e mobilizam a atenção das pessoas”, afirma a psicóloga Anna Bentes, pesquisadora da Fundação getúlio vargas (FGV) e autora do livro Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo (2021).
A atenção se tornou tão rentável que ganhou até versão sintética, com bots criados para consumir conteúdo em aplicativos, como se fossem gente – e gerar receita publicitária, com a exibição de banners, a partir disso. Um relatório da Universidade de Baltimore e da empresa de analytics CHEQ estima que os anunciantes percam US$ 35 bilhões anuais para esse tipo de fraude.
A economia da atenção também está em crise por outro motivo: a superexploração. Com cada vez mais conteúdos disputando nosso olhar, acabamos não atentando a nenhum deles – e isso abala diretamente a publicidade, que paga a conta da internet.
“Quando surgiram, em 1994, os primeiros banners de anúncios tinham um índice de cliques de 44%”, escreve o engenheiro Tim Hwang, ex-pesquisador de IA do Google, em seu livro Subprime Attention Crisis: Advertising and the Time Bomb at the Heart of the Internet (“Crise da atenção: propaganda e a bomba-relógio no coração da internet”, não lançado no Brasil).
Hoje, 0,4% das pessoas que veem um anúncio clicam nele – e o número real pode ser menor ainda. “Em dispositivos móveis, quase metade dos cliques é acidental, a pessoa tocou sem querer na tela”, afirma Hwang.
O efeito da publicidade, claro, nem sempre requer que você clique nela; basta que a marca ou produto fique na sua cabeça. Só que muitas vezes nem isso acontece: você se lembra da última propaganda que viu online? Nos tornamos experts em ignorar o bombardeio de anúncios que permeia a vida.
Para Hwang, a indústria da atenção está prestes a enfrentar uma crise parecida com a do subprime: a onda insustentável de empréstimos imobiliários nos EUA que resultou no crash econômico global de 2008.
Segundo ele, as empresas que anunciam nas plataformas digitais acabarão percebendo que não têm retorno compatível com o investimento, e reduzirão drasticamente as campanhas publicitárias – o que abalará diretamente a principal (ou única) fonte de financiamento de vários gigantes da tecnologia. “Há boas razões para acreditar que as fundações financeiras da web são mais frágeis do que imaginamos”, afirma.
O TikTok tentou dar um passo atrás, e reverter o picotamento da atenção que ele mesmo estimulou. No ano passado, passou a aceitar vídeos longos, de até 10 minutos (se gravados dentro do próprio app, 3 minutos).
Em 2022, a revista Wired teve acesso a documentos internos do TikTok que revelam o motivo disso: a empresa chinesa queria vídeos mais longos porque eles prendiam a atenção, e era mais fácil inserir anúncios no meio.
Não deu muito certo, e o ritmo seguiu frenético. Os mesmos documentos internos apontavam que 50% dos usuários do app consideram “estressantes” conteúdos com mais de 1 minuto, e 30% assistem a vídeos online na velocidade 2x. O estrago estava feito.
A química da atenção
O consumo ultrafragmentado de informação provavelmente tem efeitos sobre o cérebro. Eles ainda não são plenamente compreendidos, mas já começam a surgir as primeiras pistas.
Em 2021, pesquisadores da Universidade de Zhejiang, na China, monitoraram(6) o cérebro de 30 voluntários enquanto eles usavam o Douyin (a versão chinesa do TikTok).
No estudo, as pessoas foram expostas a dois tipos de vídeo: alguns escolhidos com precisão pelo algoritmo do app, e outros mais genéricos (como os clipes que aparecem quando você entra no TikTok pela primeira vez, e ele ainda sabe pouco a seu respeito).
Os dois tipos de vídeo reduziram a atividade de algumas regiões cerebrais, como o córtex cingulado dorsal (dACC), que está relacionado ao autocontrole, e o córtex orbitofrontal (BA11), ligado à tomada de decisões e à formação de memórias.
Além disso, quando os vídeos eram altamente personalizados, havia maior ativação de nove regiões cerebrais – incluindo a área tegmental ventral (VTA), que controla a liberação de dopamina.
Esse neurotransmissor está relacionado a sensações prazerosas, como comer doces, fazer sexo ou encontrar alguma informação interessante – e também pode ser estimulado pelo uso de drogas e substâncias viciantes.
Elas provocam uma liberação de dopamina muito maior, óbvio, do que o TikTok. Sem comparação. Mas um ponto é igual: a pessoa viciada sempre acha que está no controle, e consegue determinar quando e por quanto tempo irá usar aquilo. Você consegue fazer isso com o seu smartphone?
É difícil, justamente porque os apps e as redes sociais tentam estimular a liberação de dopamina. Seus criadores buscam isso de forma consciente. O programador Sean Parker, um dos fundadores e primeiro presidente do Facebook, cometeu uma inconfidência em 2017.
Ele, que já estava afastado da empresa, afirmou que a criação do site foi guiada por uma pergunta: “Como consumir o máximo do seu tempo e atenção?”. Para atingir esse objetivo, disse Parker, era preciso dar “dar um pequeno disparo de dopamina” ao usuário de vez em quando.
Isso é feito alternando, no feed, conteúdos que o algoritmo considera extremamente relevantes com outros ligeiramente mais genéricos. Isso porque, como vários estudos comprovaram, “ganhar” sempre acaba se tornando entediante. A emoção, e a dopamina, são maiores quando há surpresa.
Na tentativa de frear esse vício, surgiu uma nova moda nas redes: o dopamine fasting, ou jejum de dopamina. A tese foi proposta pelo psiquiatra Cameron Sepah, da Universidade da Califórnia (São Francisco), e propunha um jeito de reduzir a dependência de certas atividades.
Não é nem um pouco extrema: a sugestão é programar “fugas” do celular, suspendendo o uso por um tempo limitado – durante a noite ou num final de semana, por exemplo. Mas Sepah usou o termo “jejum” como força de expressão: na verdade, você não está privando o cérebro desse neurotransmissor.
“A dopamina não é nossa inimiga. Pelo contrário, precisamos dela para sobreviver”, esclarece Anna Lembke, psiquiatra da Universidade Stanford, autora de Nação Dopamina (2021) e do novo Nação Tarja Preta.
De fato: a escassez de dopamina está relacionada a doenças neurológicas graves, como Parkinson. O “jejum” de dopamina, diz ela, pode até funcionar para reequilibrar o sistema, mas é só o começo de um processo de mudança de hábitos.
Eis aí, afinal, o verdadeiro poder do método. Se você incluir na rotina pausas, nas quais deixa de encharcar o cérebro com mil e um estímulos, logo se sentirá mais calmo e focado. Faça o teste.
Mas outros autores, como o escritor inglês Johann Hari, que investigou as pesquisas da área em seu livro Stolen Focus (“Foco Roubado”, 2022), apontam um problema: essa estratégia é individual.
E talvez não seja mais possível falar em autocontrole quando do outro lado das telas há bilhões de dólares, e um exército de programadores e engenheiros, forjando novas maneiras de sequestrar a atenção. Por essa linha de raciocínio, seria preciso fazer uma mudança estrutural, com leis regulamentando os apps e as redes sociais.
Não vai acontecer. Pelo menos não em um futuro próximo. A indústria da atenção continuará a explorá-la como se não houvesse amanhã – indiferente, como outras indústrias, às consequências disso. Mas há uma diferença. Ao contrário dos outros recursos naturais, a atenção não pertence ao ambiente: ela emana de dentro de nós. Então podemos defendê-la diretamente.
O problema, como muita coisa que envolve o corpo humano, está no excesso. Por exemplo: olhar para telas por muito tempo acaba alongando os globos oculares(7), uma das causas da miopia.
O efeito é tão nítido (desculpe o trocadilho) que o problema explodiu. Nos EUA, a porcentagem de míopes quase dobrou nos últimos 40 anos, e na China a maioria das crianças e adolescentes do país agora é míope. Estima-se que(8), se o ritmo atual continuar, 52% da população mundial será míope em 2050 (contra 27% hoje).
Deixar as telas de lado por um tempo, e olhar para longe algumas vezes durante o dia, ajuda a prevenir a deformação do globo ocular.
Com a atenção, é a mesma coisa. Tudo bem rolar pelo TikTok, fofocar no WhatsApp, dar uma espiada nas notícias, pular alegremente de um app para outro sem focar em nada.
Desde que, além de consumir esse conteúdo ultrafragmentado, você também tenha o hábito de exercitar a atenção sustentada. Vale qualquer atividade que possa prendê-la por mais de alguns minutos – inclusive ler textos mais longos, como este (aliás, quantas vezes você parou para olhar o celular antes de chegar até aqui?).
Acima de tudo, é preciso descansar a mente. Ficar partes do dia sem consumir nenhuma informação, entretido apenas pelas próprias ideias. Além de entregar sua atenção à chuva de informações do mundo, prestá-la ao que realmente importa: você.
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Fontes (1) Busting the attention span myth. BBC, 2017. (2) The Spatial Attention Network Interacts with Limbic and Monoaminergic Systems to Modulate Motivation-Induced Attention Shifts. A Mohanty e outros, 2008. (3) A neuro-metabolic account of why daylong cognitive work alters the control of economic decisions. A Wiehler e outros, 2022. (4) Zoning out while reading: evidence for dissociations between experience and metaconsciousness. JW Schooler e outros, 2004. (5) Selling interrupt rights: A way to control unwanted e-mail and telephone calls. S Fahlman, 2002.
(6) Viewing personalized video clips recommended by TikTok activates default mode network and ventral tegmental area. C Su e outros, 2021. (7) Progression of Myopia in School-Aged Children After COVID-19 Home Confinement. J Wang e outros, 2021. (8) More Than Fifty Percent of the World Population Will Be Myopic by 2050. A Nouraeinejad, 2021.
Fonte: abril