46 mensagens em quatro contas diferentes no Facebook, 106 páginas de correspondência escrita, 350 horas de mensagens de voz, 744 tweets e 41.071 e-mails. Segundo a Netflix, é isso que Richard Gadd, comediante escocês e criador do último sucesso da plataforma, a minissérie Bebê Rena, teria recebido de sua stalker durante seis anos.
Um stalker é alguém que persegue ou vigia uma outra pessoa de forma repetida e indesejada. Não é só uma empresa de telemarketing que insiste em te ligar todo dia na hora do almoço: junto do stalking vem uma sensação de ameaça, medo, irritação e, em alguns casos, atos violentos concretos.
Bebê Rena, também estrelada por Gadd, é baseada em sua experiência real como vítima de uma perseguição intensa, que não se limitava só ao ambiente virtual, já que a mulher que o perseguia (na série, Martha, interpretada por Jessica Gunning) ia até seu trabalho e até sua própria casa. Por mais que ele seja um comediante na vida real, a minissérie não é nada engraçada, e sim um thriller intenso.
Não é a primeira vez que um stalker rouba a cena na cultura pop. Cabo do Medo, filme de 1991 de Martin Scorsese, mostra Robert De Niro como um perseguidor em busca de vingança. atração Fatal, de 1987, é um suspense de stalking com Glenn Close e Michael Douglas que recebeu seis indicações para o Oscar. Já o filme Stalker, do diretor russo Andrei Tarkovski, é uma ficção científica de arte que não tem nada a ver com o sentido que atribuímos à palavra hoje.
O stalker já está entre nós faz tempo. Mas de onde vem essa expressão para se referir aos perseguidores?
Caçador de gente
O dicionário Oxford localiza o primeiro uso da palavra “stalker” em 1389. A palavra tem suas origens no inglês – mas a versão do século 14 é bem diferente da que é falada hoje na Inglaterra e nos Estados Unidos. O inglês médio, falado entre 1150 e 1500, era cheio de influências linguísticas da Normandia (noroeste da França) e dos vikings.
No fim da Idade Média, a ideia da palavra “stalker” era a de um caçador, aquele que fica perseguindo (ou seja, stalking) sua presa. A palavra “stalk” foi usada para se referir ao passo cauteloso desse caçador, provavelmente um misto dos verbos “steal” (roubar) e “walk” (andar).
O stalker só foi deixar de ser um caçador de animais lá no início da década de 1990, quando a palavra foi usada por tabloides norte-americanos para falar de fãs obcecados e adquiriu o significado de perseguidor e assediador obsessivo. Desde então, a expressão se popularizou e a prática ganhou novos contornos. Com a internet, o cyberstalking surgiu, com uma perseguição que não precisa da presença física do stalker, muitas vezes anônimo.
O primeiro estudo científico a tratar do assunto usando o termo “stalking” foi publicado em 1995. Em Stalking Strangers and Lovers, os sociólogos Kathleen S. Lowney e Joel Best usaram a nova expressão para se referir à prática criminal de homens que perseguiam suas ex-parceiras de forma agressiva após um término.
Em 1998, o primeiro livro acadêmico sobre stalkers foi publicado. The Psychology of Stalking foi organizado pelo psicólogo norte-americano e professor da Universidade da Califórnia em San Diego J. Reid Meloy. Para ele, a fantasia é um “componente central da emoção intensa e do comportamento inexplicável” do stalking.
Para o especialista, o stalker é alguém com comportamento extravagante que pode ser causado por diversos distúrbios psicológicos. Esses pensamentos obsessivos podem ser “nutridos por mecanismos inconscientes como raiva, agressividade, solidão e inaptidão social”.
“Stalker” ficou como estrangeirismo em português. Sua tradução mais próxima, “perseguidor”, abrange muita coisa, enquanto “stalker” é uma expressão mais específica, que acabou pegando. Aqui, a palavra também é usada de forma mais descontraída: olhar o perfil do Instagram da pessoa que você gosta pode ser uma “stalkeada”. Olhou o perfil de amigos e familiares do crush, então? Virou um stalker profissional.
Não é brincadeira, é crime
Na verdade, ser stalker (profissional ou amador) é crime no Brasil. Não tem nenhuma infração criminal envolvida em olhar o perfil aberto de alguém numa rede social (talvez o único problema seja que psicólogos afirmem que essa não é a coisa mais saudável do mundo). Agora, perseguir alguém ameaçando sua integridade física ou psicológica pode dar cadeia.
No artigo 147-A do Código Penal, incluído na lei em 2021 depois de um projeto de lei da senadora Leila Barros, do PSB, é crime qualquer perseguição que ameace alguém, restrinja sua capacidade de locomoção ou invada e perturbe a “esfera de liberdade ou privacidade”. Antes, a prática era só uma contravenção penal, com prisão por, no máximo, dois meses.
Para o crime de perseguição, a pena é de reclusão de seis meses a dois anos, mais uma multa. O tempo da pena pode ser aumentado pela metade se o crime for cometido contra crianças, adolescentes, idosos, mulheres, por duas ou mais pessoas ou por alguém portando arma.
De acordo com o último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2022, foram 155 casos diários de stalking, com 56.560 registros de boletins de ocorrência. Isso são seis casos por hora, e só dos que temos registrados.
A prática de perseguição só foi criminalizada há três anos, então não temos uma série histórica mais longa, para comparar os dados. Além disso, muita gente nem sabe que stalking é crime e pode ser denunciado.
Se você ou alguém que você conhece estiver sendo vítima de um stalker, faça o registro de um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima ou pela internet.
Fonte: abril