O que você sente quando se olha no espelho? Gosta do que vê? Você se aceita ou gostaria de poder mudar esse corpo como quem tira um vestido e coloca outro mais bonito e atraente? Muitas pessoas mantêm uma complexa relação de amor e ódio com sua imagem física ao longo de suas vidas. Adoraríamos nos aceitar e nos amar mais, mas nem sempre isso acontece. A questão é que ninguém nasce odiando seu corpo.
Dizem que os corpos contam histórias, relatos sobre nossas mudanças e experiências que perfuram a pele. Porém, nem sempre é fácil respeitar aquela imagem captada pela câmera frontal do celular. Costumamos camuflá-la com filtros para se adequar ao cânone de beleza ditado por nossa sociedade. Esfumando, assim, a nossa individualidade e aquelas vivências escritas em cada nuance da nossa silhueta.
Vivemos em uma sociedade que nos quer iguais, que infunde vergonha persistente naqueles que, vendo seu reflexo, percebem-se diferentes e até defeituosos. O assustador é que essa sensação aparece cedo no ser humano. Tanto que, segundo reportagem publicada recentemente no The Guardian, 3 em cada 4 crianças menores de 12 anos já sentem vergonha de seu físico.
O que está acontecendo? Por que estabelecemos uma relação tão destrutiva com nossos corpos desde a infância?
Vivemos hoje em uma realidade em que fenômenos como o “body shaming” (envergonhar alguém por sua aparência física) tornaram-se uma forma de assédio cotidiano, principalmente nas mídias digitais.
Ninguém nasce odiando seu corpo: quem nos incute esse desprezo?
Às vezes, tratamos nosso corpo da mesma forma que tratamos nossa mente: com julgamentos negativos e pensamentos disfuncionais. Parece que dentre todas as relações que o ser humano traça em nossas vidas, a mais complexa é aquela que estabelecemos com nossa imagem física. Na verdade, é muito comum ter altos e baixos, momentos de aceitação e momentos de desconforto tenso.
Há dias em que odiamos nosso cabelo, o formato do nosso nariz, a celulite nos quadris, ser muito alto ou muito baixo, estar com uns quilinhos a mais ou muito magra. A aparência é a nossa carta de apresentação e parece que, em algum momento da vida, não nos sentimos merecedores de nos mostrar ao mundo como somos.
Ninguém nasce odiando o próprio corpo, é a nossa educação e cultura que constroem essa autorrejeição. Por exemplo, uma pesquisa de 2016 no Reino Unido revelou que 47% das meninas entre 11 e 21 anos se sentiam desconfortáveis com sua aparência e que isso limitava muitas situações sociais. Essa percepção, essa crença, tem um sério impacto na saúde mental.
Tanto que uma pesquisa da Deakin University, na Austrália, destaca como a imagem corporal distorcida já aparece na vida de crianças entre 6 e 11 anos, e isso muitas vezes se traduz em transtornos alimentares muito precoces. O que estamos fazendo errado? Por que desenvolvemos essa rejeição em relação à nossa imagem?
As palavras que recebemos descrevendo ou julgando nosso corpo nunca são inócuas. Na verdade, elas podem moldar a percepção que temos de nós mesmos desde muito jovens.
Educação e narrativas familiares
“Emma é rechonchuda e corpulenta como sua tia e avó”, “Pablo é como o seu irmão, pequeno e magro como um vareta”… Quase desde que viemos ao mundo estamos rodeados de pessoas que descrevem a nossa aparência física. É importante lembrar que toda palavra contém um juízo de valor e que é por meio dessas primeiras frases que construímos nosso autoconceito.
A família não só educa, mas com seus comentários nos molda por meio de narrativas que internalizamos para construir a imagem que temos de nós mesmos. Algo que nem sempre é benéfico.
Sociedade e ideais de beleza
Os ideais de beleza masculinos e femininos mudaram nos anos 1960 e início dos anos 1970 (Agarwal & Banerjee, 2018). De repente, a magreza passou a ser exaltada. Para trás ficaram as curvas nas mulheres para realçar silhuetas quase impossíveis. Algo semelhante aconteceu com os homens. A partir desse momento, a atração passou a estar voltada a jovens altos e musculosos.
Esses modelos estereotipados foram integrados ao mundo do cinema, da moda e da publicidade, convencendo-nos desde a infância de que a beleza reside nessas formas. Essa homogeneidade corporal faz com que nos olhemos no espelho em algum momento da infância, descobrindo que existem áreas defeituosas em nós.
A comparação social é um impulso natural do ser humano. Nós nos comparamos para avaliar o que nos torna diferentes e semelhantes ao outro, e se há algo que nos preocupa é ver distâncias entre nós e os outros. A semelhança favorece a integração social, e é isso que ambicionamos desde que nos lembramos…
Redes sociais e cultura digital
Ninguém nasce odiando seu corpo. Aprendemos a tratá-lo mal e a nos desvincularmos dele porque nos fazem acreditar que existem áreas desagradáveis em nós. E um setor da população que tem pior relação com sua imagem física são os adolescentes. As redes sociais são aquele universo no qual os jovens desenvolvem sua identidade e sua percepção do mundo.
Cada vez que os jovens acessam as redes para se divertir, socializar ou buscar informações, eles se deparam com uma visão altamente distorcida da realidade. Os ideais de beleza corporal são completamente irrealistas, mas isso não impede que meninos e meninas façam todo tipo de esforço para atingir esses padrões estéticos.
Como se não bastasse, quem não os alcança torna-se um pária social e é duramente atacado (body shaming). Da mesma forma, a frustração de não ter aquela aparência supostamente ideal pode levar à automutilação e aos transtornos alimentares (TCA).
Como respeitar seu corpo a partir de hoje
Sabemos que ninguém nasce odiando o corpo, que a sociedade, a educação e a cultura nos fazem acreditar que somos imperfeitos. Também temos claro que odiar aquela imagem que nosso espelho reflete significa odiar a nós mesmos como pessoas, nos invalidar, pensar que não merecemos certas coisas. É como viver em uma casa desconfortável e desagradável.
Mas seu corpo é sua casa e você deve cuidar dele e respeitá-lo para se sentir mentalmente forte. A sociedade já é inóspita, crítica e cruel o suficiente para que nos abandonemos e validemos as mensagens nocivas que nos envia. Devemos criar uma boa aliança conosco para seguir em frente com segurança, sentindo-nos merecedores de cada sonho e propósito de vida.
Vamos ver como iniciar esse processo de aceitação.
Para amar seu corpo, comece respeitando-o
Todos nós temos defeitos e nuances que não gostamos em nosso corpo, mas não devemos nos rejeitar por isso. Tudo bem se não gostamos daquelas orelhas muito salientes ou daquela celulite nas coxas. Por que não apenas aceitá-las? Assumir que nosso corpo não é perfeito reduz o estresse e a autocrítica.
Você já percebeu tudo o que pode fazer com seu corpo?
Pare por um momento e reflita sobre um detalhe. Você sabe quantas coisas você pode fazer com seu corpo? Você pode caminhar e chegar onde quiser. O seu corpo permite que você dance, abrace, acaricie, viaje, trabalhe, sinta… A vida não seria possível sem esse invólucro físico que nos permite desfrutar e realizar infinitas tarefas.
Pratique o autocuidado e presenteie-se com momentos de bem-estar
Pode ser que você não se divirta há muito tempo, sem se dar momentos de bem-estar graças ao seu corpo. Faça uma caminhada na sua própria companhia, vá às compras, coloque um vestido que realce sua beleza, relaxe… Seu corpo não está aí só para você se deixar levar por ele, ele está aí para você aproveitar a vida.
Escolha bem com quem você se relaciona e pratique o pensamento crítico
As pessoas ao nosso redor devem nos dar modelos saudáveis de imagem corporal. Evite pessoas que são obcecadas por seu físico, aquelas que julgam você pelo seu e aquelas que defendem ideais de beleza distorcidos. É preciso desenvolver um pensamento crítico capaz de entender que nem tudo que aparece nas redes sociais corresponde à realidade.
Devemos entender que o universo digital é movido por algoritmos, não por princípios éticos e valores saudáveis. Ninguém nasce odiando seu corpo, mas crescemos envergonhados e inseguros com nossa aparência física. Há algo que estamos fazendo de errado como sociedade e que devemos corrigir.
Fonte: amenteemaravilhosa