Se você é do time que não viaja para “dormir em euros”, este texto não é para você. Se você se identifica com o roteiro do turista maluco, que prefere carimbar dez vezes o passaporte numa viagem de 10 dias do que desbravar bem uma única região, tampouco. Este texto é para você que já perdeu a ansiedade de ter que encaixar o maior número de atrações num único dia para “não perder tempo”, que já não tem idade (e nem coluna) para dormir num trem ou ônibus noturno para economizar na hospedagem e “não perder tempo” e não tem necessidade absoluta de colocar o despertador para acordar a tempo – sempre ele – do vasto café da manhã do hotel.
Eu sempre gostei de viajar devagar, mas de uns tempos para cá eu desenvolvi um gosto especial por viajar MUITO devagar. Adoro voltar a lugares onde já fui feliz sem medo de ser menos feliz – apenas para poder me dar o direito de ler um livro debaixo de uma árvore se assim eu bem entender, chegar à praia no meio ou até no fim da tarde ou me demorar horas num café. Acolho minha preguiça com mais prazer e muito menos culpa do que alguns anos atrás. E felizmente a vida se encarregou de colocar as melhores companhias do ócio bem aproveitado ao meu lado.
Se antes eu escolheria fazer duas bases no Alentejo, na Provence ou na Toscana para conhecer bem as sutilezas de cada pedacinho, hoje prefiro uma só e já desencanei faz tempo do “cada pedacinho”. Eu adoro voltar no mesmo restaurante para comer o mesmo prato e recentemente desenvolvi um amor especial por jantar cedo (seria a sabedoria quem vem com os anos? Ahaha). Ah, também incorporei um prazer inenarrável por drinks – o que só aumenta o tempo dedicado ao dolce far niente.
E onde eu quero chegar?
Talvez a lugar nenhum, e isso pode ser apenas a divagação de um dia de mormaço de frente para o mar no Algarve sem nada na agenda, cercada de amigos queridos. Mas talvez ao raciocínio de que uma pausa numa viagem (e não só) pode deixá-la muito mais especial. Assim como dormir bem pode fazer render os dias seguintes, andar sem mapa na mão seguramente traz mais surpresas.
Recentemente eu fui passar a semana do meu aniversário em Barcelona. Já conheço bem a cidade e esse foi um dos motivos da escolha. Voltei ao Parque Guell que meu marido não conhecia, desbravei Gracia como nunca (que delícia de bairro!), fui duas vezes no mesmo restaurante, o Tapeo Gracia, comer o melhor fideuá negro de sepia dos últimos tempos e, no dia do aniversário mesmo, eu me dei aquele que talvez tenha sido o melhor auto-presente numa viagem: umas horas num spa de um dos melhores hotéis da cidade, o Mandarin Oriental. Comprei até maiô para a solenidade de fazer absolutamente nada de frente para a piscina (que bem que poderia estar mais quentinha naquela tarde do começo de dezembro). Gastei muito mais dinheiro do que eu deveria? Sem dúvida. Mas fui feliz demais da conta e os próximos dias foram deliciosos.
Três meses depois viajei pro Porto e entre um pastel de nata e um gin à tardinha uma placa de spa pulou na minha frente. E eu parei no Caudalíe do centro histórico e fui muito feliz de novo. Desde então, antes mesmo de viajar eu já procuro saber o que existe nos arredores para fazer parar. Viva! Finalmente eu aceitei que fazer nada é das melhores coisas que eu aprendi nas minhas décadas viajante profissional.
PS: neste momento eu interrompi meu momento de fazer nada na frente de uma piscina brilhante na minha pousada no Algarve (a Vila Luna, da qual vou falar mais em breve), xícara tripla de café em mãos, para publicar este texto aqui. Mas já estou voltando para a espreguiçadeira onde não sei bem se vou passar a próxima hora ou o dia inteiro.
Fonte: viagemeturismo