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Nosso gosto pessoal é moldado pela soma de todos os produtos que consumimos. Por isso, não é incomum descobrirmos que algo relevante no nosso passado não nos parece mais tão legal hoje em dia. Por isso, o desafio aceitado pelo pessoal da Striking Distance ao iniciar o desenvolvimento de The Callisto Protocol era imenso! Afinal, o jogo se propõe a ser um sucessor espiritual do saudoso Dead Space.
Mesmo assim, a ideia de revitalizar uma experiência de mais de 10 anos não é uma tarefa fácil. Dead Space está muito mais próximo ao lançamento de Resident Evil 4 – jogo do qual absorveu algumas mecânicas importantes, do que de qualquer lançamento atual. E naturalmente, alguns aspectos gerais de seu funcionamento não devem ter envelhecido muito bem.
Contudo, é impressionante como a releitura realizada pela Striking Distance conseguiu tornar The Calisto Protocol em um produto relevante e apelativo. Apelo este que tem feito consumidores do mundo todo aguardarem ansiosamente pelo lançamento de The Callisto Protocol.
Logo no começo do jogo percebemos que apesar das similaridades, nem tudo segue o mesmo roteiro de Dead Space. O enredo, por exemplo, toma alguns caminhos diferentes no que diz respeito à introdução, e a mudança nesta dinâmica se mostra interessante e de certa forma, fascinante.
Fascinante porque não se segue aquela mesma premissa “batida” de casualmente encontrar uma nave/estação espacial – ou o que quer que seja – abandonada à própria sorte sem maiores explicações. Em The Callisto Protocol, você é preso e começa o jogo como um detento precisando descobrir o que aconteceu, porque foi preso e por que a prisão tornou um caos completo muito rapidamente.
Este primeiro aspecto do enredo surge como uma novidade refrescante, que empolga e mantém o interesse, mesmo sabendo que, provavelmente, todo resto do enredo vá ser extremamente parecido com algo que já vimos antes. A questão é como as novas peças se encaixam nessa nova narrativa, e nesse ponto a Striking Distance acertou precisamente.
A movimentação do personagem pelo cenário é bem parecida com Dead Space. Na verdade, andar pelo cenário e controlar a mira de suas armas é um tanto quanto lento e pesado – bem parecido com as mecânicas que consagraram Resident Evil 4. Num primeiro momento, questiona-se se esta foi uma boa decisão, afinal de contas uma movimentação mais truncada deixa o jogo menos dinâmico e os controles gerais menos ágeis. Será que esse tipo de abordagem funciona numa geração que gaba-se por priorizar controles precisos e descomplicados? A resposta, por incrível que pareça, é sim.
Por mais que a movimentação truncada dificulte a batalha com vários inimigos simultaneamente, ela torna todo o resto do jogo um pouco mais familiar e desafiador. É como se The Callisto Protocol estivesse tentando compensar a realidade de alguma forma, adotando um sistema de movimentação truncado para compensar o próprio cansaço e falta de preparo do protagonista, que durante todo o jogo passa por todo tipo de lamúria e situação degradante.
Talvez o ponto que mais mereça destaque no que diz respeito aos controles e movimentação seja justamente o fato de que a Striking Distance conseguiu fazer com que essa lentidão e peso na movimentação não soassem como datados ou desnecessários. Obviamente que isso adiciona uma camada extra de dificuldade à The Callisto Protocol, mas ainda assim é algo que não se torna cansativo – pelo menos não na maioria das ocasiões.
Além da movimentação, o sistema de combate também traz algumas novidades interessantes à The Callisto Protocol. Diferente da maioria dos jogos que conhecemos, The Callisto Protocol permite que você derrube inimigos com armas de fogo ou no combate corpo a corpo. É difícil dizer que o combate não lembra um pouco o gênero soul-like, principalmente pelo fato de que o jogador precisará estar sempre atento à sua posição em relação ao inimigo e se poderá encaixar um novo golpe antes de ser acertado novamente.
É quase como uma dança, se você fizer os passos certos nos momentos corretos, conseguirá vencer a maioria dos oponentes. O sistema é simples de entender, mas um tanto complicado de dominar – principalmente quando se tem mais de um inimigo na tela!
De resto, quase tudo é igual ao que já conhecemos. Armas de fogo são úteis para enfrentar hordas de inimigos e, apesar do jogo não deixar isso claro em momento algum, acertar certas partes do corpo dos oponentes comprometerá sua movimentação e perigo. Não é nada como a festa límbica de arrancar membros o tempo todo com o Cortador, como em Dead Space, mas funciona bem mesmo com armas diferentes.
O sistema de progressão também está lá, vinculado principalmente a uma impressora 3D. Ao jogador, cabe coletar recursos e manejar seu próprio inventário, de forma que possa juntar dinheiro suficiente para comprar atualizações para suas armas. Uma tarefa complicada, principalmente em níveis de dificuldade mais altos, já que a maioria dos recursos é obtida dos corpos caídos dos seus inimigos.
Apesar de toda dificuldade do combate, também é possível tentar evitá-lo com uma abordagem mais furtiva. A novidade é interessante e dá uma dinâmica diferente à The Callisto Protocol, mas não é tão empolgante ou funcional. Esconder-se dos inimigos é uma tarefa realmente complicada, tanto pela velocidade de movimento enquanto se agacha, quando pelos sentidos aguçados dos monstros, que vão te detectar facilmente se você der bobeira. Apesar de ser um entusiasta de jogos furtivos, The Callisto Protocol me fez passar a maior parte dos níveis em modo combate, já que quase nunca conseguia passar por todos os monstros sem ser detectado.
Enquanto você se mata para avançar em The Callisto Protocol, vai conhecendo alguns companheiros que vão lhe ajudar na sua jornada e, quase sempre, passar a tarefa mais difícil de ser realizada para você. A jornada pelo prédio da prisão não é fácil, mas intriga e mantém o interesse pela excelente ambientação dos cenários. Falo com tranquilidade que The Callisto Protocol talvez seja um dos games mais bonitos e bem ambientados que já joguei na vida.
E conforme você avança por laboratórios, minas antigas e celas desoladas, acaba descobrindo também que tudo naquele lugar fede à conspiração. Com o tempo, é explicado qual a verdadeira razão da existência daquela prisão e qual a relação dos personagens com o aparente apocalipse que se instalou em Calisto.
O protagonista não é nenhum modelo de carisma. Na verdade, não senti nenhum tipo de apreço ou empatia por ele na maior parte do tempo. Não sei dizer se isso foi desleixo da Striking Distance durante o desenvolvimento dos personagens, ou proposital, uma vez que você percebe que Lee é uma pessoa com altos e baixos, acertos e falhas como qualquer um. Tudo que ele faz em Calisto é para sua própria sobrevivência, custe o que custar.
Existem outros personagens que não apresentam um desenvolvimento muito aprimorado. Os coadjuvantes também poderiam apresentar um desempenho melhor, mas o antagonista principal é de longe, o mais fraco de todos.
Sem tentar revelar nada sobre ele – afinal sua jornada no enredo também faz parte do mistério, é possível dizer que sua ascensão à antagonista é um tanto quanto acelerada. Nada explica o ódio que ele passa a ter por Lee – o protagonista, nos momentos finais do jogo. Afinal, ao que tudo indica, eles se conheceram em Calisto e suas ações um contra o outro não foram necessariamente motivadas por rusgas pessoais.
The Callisto Protocol também consegue manter o interesse do jogador por saber cadenciar as novidades. Até os momentos finais do jogo, você perceberá a adição de novas armas e atualizações à impressora 3D. Isso, além de aumentar o senso de progressão, também estimula o jogador a realizar uma exploração minuciosa no cenário atrás de blueprints ou itens de alto valor. Apesar de não contar com quests secundárias, The Callisto Protocol é cheio de caminhos alternativos que geralmente vão te levar a alguns lugares bem interessantes.
Os monstros enfrentados também são um caso a parte. Apesar de parecerem todos iguais e não possuírem uma grande variação de modelos, os oponentes se mostram suficientes para a jornada do jogo. Cada um possui um ponto fraco que, após ser descoberto, facilita o combate. Mas o jogo também sabe escalar a dificuldade adicionando algumas variantes e inimigos realmente fortes mais para o final. Portanto, não se preocupe, que desafio não vai faltar.
The Callisto Protocol também conta com alguns pontos negativos que me chamaram atenção negativamente em relevâncias diferentes. O primeiro e mais simples deles se refere à armadura – que Lee ganha logo após o primeiro ato. Ela aumenta sua vida e resistência, mas infelizmente não permite nenhum tipo de atualização como em Dead Space. Pode até parece algo trivial, mas a armadura de Isaac em Dead Space era parte crucial do jogo, e ver que o mesmo não foi feito em The Callisto Protocol é um tanto decepcionante.
Porém o ponto que mais me irritou e fez The Callisto Protocol cair no meu conceito é o sistema de troca de armas. Como já mencionado acima, a movimentação do personagem é lenta e truncada, e isso não faz diferença negativa ao jogo no final das contas. Porém, a troca de armas é excessivamente complicada. Não pelo fato de ser lenta, mas pelo fato de exigir que você acesse o menu rápido, escolha a arma e aperte o botão de confirmação. Talvez pareça simples o suficiente, mas escolher outra arma com o analógico enquanto foge de uma horda de inimigos mais rápidos do que você é angustiante e irritante. Principalmente quando você percebe que continua com a arma anterior porque não apertou o botão de confirmação, ou porque foi interrompido por algo ou alguma coisa no meio do processo.
Esse talvez tenha sido meu principal inimigo durante todo The Callisto Protocol. Perdi as contas de quantas vezes morri porque precisei trocar de arma e Lee foi limitado pelo sistema do jogo.
Também não poderia deixar de comentar algo muito específico, que não terá impacto nesta análise, mas que precisa ser mencionado: as animações de morte! Você provavelmente lembra que Isaac morria das formas mais brutais e impressionantes em Dead Space 1 e 2. O mesmo ‘deveria’ acontecer aqui, mas não é o caso.
Ninguém gosta de morrer, mas vamos concordar que animações de morte tornam o processo um pouco mais interessante – quase como se estivéssemos recebendo um ‘fatality’. Pois bem, o problema é que The Callisto Protocol conta com uma quantidade mínima de animações de morte. A maioria não é tão interessante, mas o ponto mais importante é que depois de algum tempo, a repetição destas mesmas animações te faz perceber como elas são lentas e não podem ser puladas! Algo que quebra o ritmo e irrita em alguns momentos.
Um botão de pular seria o ideal. Mas isso talvez tirasse o apelo da maioria das animações de morte e possivelmente frustraria o pessoal da Striking Distance, que já preparou um pacote extra destas animações a ser oferecido por DLC, custando cerca de 20 dólares.
Mesmo assim, Callisto Protocol é um jogo incrível que consegue te manter entretido numa temática de terror mais ligth, sem jumpscares desnecessários, e muito bem compassado com momentos de ação e exploração. É muito provável que a história principal continue através de DLC’s, o que só me faz aumentar a expectativa para voltar à Calisto e resolver alguns mistérios que não foram totalmente esclarecidos durante a campanha principal.
Resumo para os preguiçosos
The Callisto Protocol surge como um dos melhores jogos de 2022 e faz jus ao legado de Dead Space, principalmente ao seu considerado por muitos como o sucessor espiritual do lendário jogo da EA. Com mecânicas que apresenta muita similaridade ao que já vimos antes, The Callisto Protocol também consegue apresentar inovação no gênero ao trazer um interessante sistema de combate e um enredo interessante que prenderá sua atenção do começo ao fim. O principal inimigo do jogo, porém, talvez fique por conta do controle e troca de armas, que não é lá muito preciso.
Prós
- Excelente enredo e ambientação dos cenários;
- Sistema de combate interessante e dinâmico;
- Capítulos bem dimensionados e que não soam repetitivos;
- Sistema de progressão recompensador.
Contras
- Alguns pequenos problemas com os controles, tanto na movimentação e principalmente na troca de armas;
- Animações de morte são repetitivas, demoradas e não podem ser puladas.
Fonte: terra.com.br/gameon