Quando se trata de Beat ’em ups (ou jogos de briga de rua), nós nos acostumamos a ter como inimigos uma gangue de marginais, uma ameaça alienígena ou algum vilão megalomaníaco. Mas e se um título do gênero nos colocasse para lutar contra cidadãos comuns, pessoas que enfrentaram a pandemia de COVID-19 refutando tudo o que a ciência disse para fazermos? Pois essa é a proposta do jogo brasileiro Punhos de Repúdio.
Projeto de estreia do estúdio BrainDead Broccoli, ele buscou seu financiamento através do Catarse, conseguindo mais de dez vezes o valor inicial pretendido. Entre os motivos para tamanho sucesso estava a maneira bem-humorada usada como forma de crítica, além dos belos gráficos, que mais pareciam terem saído de um desenho animado.
Com o tempo o Punhos de Repúdio começou a ganhar algum destaque nas redes sociais e a cada vídeo divulgado pelos desenvolvedores, mais promissor parecia aquele Beat ’em up. Como um grande apaixonado pelo gênero, fiquei obviamente interessado pelo jogo, mas também em conhecer um pouco sobre as pessoas que o criaram.
Assim, convidei a equipe do BrainDead Broccoli para uma conversa e a seguir você saberá o que me disseram Kainã Lacerda (Roteirista e Ilustrador), Ulisses D’Ávila (Produtor e Programador), Luiza Bartolette (Social Media), João Matheus (Trilha Sonora), Filipe Lima (Programador Assistente e Technical Artist) e Vitor Miyai (Efeitos Sonoros e Mixagem de Som).
Meio Bit Games: Primeiro, eu gostaria de saber como surgiu a ideia para a criação do Punhos de Repúdio e porque desenvolver o jogo como um Beat ’em up?
BrainDead Broccoli: A ideia do jogo veio em meados de 2020, inicialmente, o projeto era só um meio de os desenvolvedores praticarem criação de jogos e se dedicarem a algo feito de forma completamente independente. Conforme mais pessoas foram entrando no projeto, o jogo começou a tomar uma forma mais profissional até chegar no resultado que é hoje. A ideia de fazer um Beat ’em up existiu desde o primeiro momento que o jogo foi concebido, ele nunca foi pensado para ser outra coisa além disso.
MBG: O cinema, as séries e os programas de TV sempre utilizaram o humor como uma forma de tecer críticas sociais, mas isso não é tão comum nos games. Na opinião de vocês, por que o mesmo não costuma acontecer nos videogames?
BDB: Existem algumas razões interessantes. Uma das que nos chama atenção é o tempo de desenvolvimento necessário. O South Park, por exemplo, conseguia fazer críticas muito acertadas porque eles conseguiam fazer um episódio por semana e transmiti-lo na mesma semana, sempre conseguindo atacar um assunto que estava em voga ou que ressoava melhor com o público naquele momento. Seria muito difícil um videogame conseguir fazer isso enquanto mantêm uma alta qualidade porque jogos minimamente bons precisam de pelo menos meses de produção para ficarem prontos (mesmo com conteúdo mínimo).
Uma outra razão para isso é a comunicação através da interatividade, onde o jogador faz parte da narrativa lúdica sendo contada. Por haver esse “risco”, digamos assim, toda experiência em um jogo é diferente das demais experiências naquele mesmo jogo, e gerar um conteúdo politicamente crítico e relevante enquanto o real controle narrativo está nas mãos do jogador é simplesmente algo que ainda estamos descobrindo como fazer.
MBG: Algumas pessoas defendem que a política e os games não deveriam se misturar. Vocês obviamente não concordam com isso, mas como abordá-la nos jogos eletrônicos e não passar a sensação de que estão apenas tentando lucrar com o tema?
BDB: Não vemos problema em “lucrar com o tema”. O Kandidatos provavelmente está indo bem, não tem conteúdo crítico nenhum, embora se misture com a política, e a gente deseja sorte a eles. Buscar o lucro é naturalíssimo e, no caso de desenvolvimento de jogos no Brasil, trata-se de uma questão de sobrevivência básica.
Sobre como abordar política nos jogos, nosso entendimento é de que jogos são naturalmente políticos pela sua forma, como já muito explorado por jornalistas, ludólogos e demais especialistas, como neste artigo do Pablo Miyazawa na IGN Brasil. Tratamos como um aspecto natural e intrínseco da arte, assim como outras formas de arte abordam temas políticos e sociais.
MBG: Atualmente, com a polarização contaminando todas as discussões, vocês não temem ser perseguidos ou atacados por criarem um jogo que crítica abertamente um determinado grupo de pessoas?
BDB: Não.
MBG: No momento em que realizamos essa entrevista o jogo estava com 98% de aprovação no Steam. Vocês esperavam esse nível de aceitação ou temiam um review bomb por parte dos negacionistas?
BDB: Principalmente pela comunidade grande que vínhamos montando desde o início do projeto e todo o hype que os fãs vinham levantando até o lançamento, a gente até esperava ter notas altas, mas ainda assim o resultado nos surpreendeu positivamente. Muita gente joga e se apaixona pelo jogo muito rapidamente, o que leva o pessoal a fazer bastante review na Steam. Os playtests e todo nosso processo de controle de qualidade nos mantiveram otimistas. Sobre review bombs, felizmente a Steam está cada vez mais protegida contra isso e não tivemos nenhum problema.
MBG: Mesmo com o negacionismo em relação à pandemia de COVID-19 sendo um fenômeno global, o jogo de vocês trata especificamente do cenário brasileiro. Sendo assim, como está a aceitação lá fora? O título tem conseguido chamar a atenção de estrangeiros?
BDB: Muitos estrangeiros comentam que o que aconteceu no Brasil teve paralelos em muitos outros países e muita gente ainda pede para a gente fazer uma “skin” com símbolos norte-americanos (como se fosse fácil!)
Dessa forma, o pessoal estrangeiro até entende bem a narrativa e a crítica que estamos oferecendo, mas de forma limitada: eles não entendem grande parte do humor, referências e também perdem as piadinhas que estão no cenário (que não traduzimos para o inglês, pois são excessivamente carregadas pela cultura brasileira).
Assim, 90% do nosso público é brasileiro. Estamos conseguindo atrair um público estrangeiro desde o lançamento inicial do jogo, mas ele cresce de forma bem desacelerada comparado ao público local. Um aspecto que ajuda é o fato de o jogo ser um Beat ’em up bem redondinho, com inimigos variados, jogabilidade gostosa e mecânicas interessantes, então a gente consegue muita visibilidade dentro desse nicho.
MBG: E quanto ao fato de estarmos as vésperas da eleição presidencial? Vocês acham que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode ver o Punhos de Repúdio como uma espécie de “campanha antigoverno”? Tiveram que remover algum conteúdo por temerem alguma ação judicial?
BDB: Não achamos. Jamais censuramos qualquer conteúdo do jogo.
MBG: Já existem planos para futuros projetos? Com quais outros gêneros vocês gostariam de trabalhar?
BDB: Todo nosso foco está nessa janela de lançamento do Punhos. Sendo uma equipe super pequena, e ainda tendo as versões de consoles para produzir, ainda não fez sentido pra gente conversar ou decidir muitas coisas para após o lançamento.
MBG: Por favor, vocês poderiam explicar por que as pessoas usam máscaras deixando o nariz para fora (risos)?
BDB: Porque a pessoa está gripada e o nariz está entupido! Daí a pessoa está respirando pela boca e não precisa cobrir o nariz. Dãããã!
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Punhos de Repúdio já está disponível no Steam (incluindo uma demo), com versões para consoles estando nos planos do pessoal da BrainDead Broccoli.