Durante muito tempo eu defendi que o grande diferencial na hora de comprar um console eram os jogos exclusivos lançados para ele. Porém, mesmo acreditando que esses títulos ainda tenham uma grande influência nas nossas escolhas, esse é um cenário que poderá ser bem diferente no futuro.
Das fabricantes de consoles, a primeira a demonstrar um maior interesse em lucrar também em outras plataformas foi a Microsoft. No momento em que a gigante de Redmond comprou a Mojang e permitiu que o Minecraft continuasse sendo vendido fora do Xbox, tivemos o indício de que a política da empresa estava mudando.
Até a dupla Banjo-Kazooie foi liberada para se tornar parte do vasto elenco do Super Smash Bros. Ultimate, mas o verdadeiro ponto de virada aconteceria com o lançamento do Game Pass. Foi com o seu serviço de assinatura que a Microsoft passou a deixar claro que apostaria mais na criação de um ecossistema do que na venda de consoles.
Muito graças a maneira como Phil Spencer enxerga o mercado, a empresa decidiu disponibilizar os lançamentos dos seus estúdios a todos os assinantes do Game Pass, assim como levar suas marcas para o PC. Se antes os interessados precisavam comprar um Xbox para experimentar um novo Halo, Gears of War ou Forza, com a nova política bastaria pagar uma pequena mensalidade e usufruir das famosas franquias num computador.
Porém, essa investida da Microsoft no PC foi vista como fruto da familiaridade da empresa com a plataforma, algo que nunca seria repetido nas concorrentes. Ledo engano. Bastaram alguns anos para que a Sony seguisse — ainda que em um ritmo mais lento — pelo mesmo caminho e também arriscasse derrubar seus muros.
A chegada do Horizon Zero Dawn aos computadores em agosto de 2020 indicou que a Sony Interactive Entertainment também queria uma fatia desse mercado e desde então tivemos outras conversões que antes pareciam impossíveis. Days Gone, Marvel’s Spider-Man Remastered e até mesmo o queridinho God of War deixariam de ser exclusivos, com o The Last of Us e Uncharted sendo os próximos a se desvencilharem das amarras das plataformas PlayStation.
Na verdade, vários jogos exclusivos da Sony já podiam ser aproveitados no PC graças ao serviço de streaming PlayStation Now. No entanto, foram as versões nativas que facilitaram muito o acesso, principalmente em países como o Brasil, onde os jogos pela nuvem oferecidos pela empresa ainda não chegaram.
Agora, o que se especula é que a Sony estaria preparando uma aposta ainda maior nos computadores, com um launcher servindo como forma de distribuição de seus jogos. Os indícios para isso foram encontrados na versão do jogo do Homem-Aranha que recém chegou à plataforma, o que colocaria a empresa ao lado de editoras como Ubisoft, Electronic Arts e Activision.
Tal aplicativo seria um forte indicativo de que a fabricante estaria planejando acabar com a exclusividade de vários jogos e já posso ouvir as súplicas por um Gran Turismo 7. Quem sabe eles até nos ofereçam recursos como cross-save e cross-buy, o que se acontecer, seria a realização do sonho de muita gente.
Já a Nintendo continua como aquela que mais resiste em abrir mãos dos seus jogos exclusivos. Apesar de algumas das suas franquias terem aparecido nos dispositivos mobile e até conseguido ótimos desempenhos comerciais, os japoneses não parecem dispostos a irem muito além do seu jardim murado.
Por sinal, quando se trata de encarar os jogos exclusivos como motivo de venda, nenhuma empresa parece apostar tanto nisso. Isso fez com que os consumidores tivessem a real noção de que se eles quiserem jogar um The legendo of Zelda, um Metroid ou um Super Mario, terão que investir na compra de um videogame da Nintendo e até mesmo se submeter às (muitas vezes draconianas) políticas da companhia.
E esse é um círculo vicioso que será difícil de ser quebrado. Enquanto as vendas continuarem boas para a Nintendo, ela seguirá usando suas franquias como um grande diferencial, o que por sua vez garantirá mais vendas — e pessoas criticando tal comportamento.
Mas voltando àquela que abriu as comportas e tem tentado mudar a maneira como os jogos exclusivos sempre foram tratados, essa postura acaba de ser defendida pelo homem que comanda a divisão Xbox, Phil Spencer.
Ao conceder uma entrevista ao Bloomberg, o executivo afirmou que títulos presos a apenas uma plataforma é algo que deveremos ver cada vez menos e para ilustrar porque isso será positivo, ele disse:
“Talvez em sua casa você compre um Xbox e eu compre um PlayStation e nossos filhos queiram jogar junto e eles não possam porque compramos o pedaço de plástico errado para ligarmos em nossas televisões.
Nós realmente adoramos poder trazer mais jogadores ao reduzir o atrito, fazendo com que as pessoas se sintam seguras quando estão jogando, permitindo-as encontrar seus amigos, jogar com amigos independentemente do dispositivo — penso que a longo prazo, isso é bom para a indústria.”
Para Phil Spencer, pode até ser que no curto prazo existam alguns profissionais que não gostem da ideia, mas que isso deverá diminuir com o tempo e assim a indústria de games continuará crescendo.
A fala do chefe da divisão Xbox tem sido criticada por algumas pessoas, sob o argumento de que alguém que tem adquirido tantos estúdios de peso não deveria estar advogando contra os jogos exclusivos. Outra alegação seria de que Spencer está apenas tentando limpar a barra da Microsoft e assim garantir que a compra da Activision Blizzard por US$ 68,7 bilhões seja aprovada pelos órgãos reguladores.
Porém, enquanto empresas como a Sony reclamam da possibilidade do Call of Duty sumir das plataformas PlayStation, Phil Spencer tem criticado os jogos exclusivos há um bom tempo, com ele chegando a dizer não gostar “da ideia ou da prática de pagar para que outras plataformas não possam jogar ou usar uma certa arma em um jogo.” Ele até afirmou que adoraria ver um Mario ou Pokémon no Xbox.
Mas se na teoria o executivo defende que os jogos estejam disponíveis na maior quantidade possível de plataformas, na prática, não é exatamente o que temos visto. Com o Starfield já confirmado como exclusivo (nos consoles) do Xbox Series e o mesmo acontecendo com o The Elder Scrolls VI, alguém ficará surpreso se esse tratamento for dado a outras das muitas franquias que a Microsoft passou a controlar?
O fato é que com o desenvolvimento dos jogos se tornando cada vez mais caro, limitar o número de consumidores a apenas uma plataforma “não fará sentido no futuro”, como explica Mat Piscatella. Para o diretor-executivo do NPD Group, “mesmo que hoje algumas fabricantes se mantenham focadas em exclusivos para um dispositivo, elas eventualmente mudarão.”
Do lado de cá da indústria, todo mundo que gosta de videogames já se viu privado de experimentar algum título por ele não estar disponível no aparelho que possui e por isso não há como gostar da existência de jogos exclusivos. Servindo muito mais como arma para quem irracionalmente briga para nos convencer de que o seu console é melhor que o nosso, apenas esse grupo consegue lamentar um título se tornar mais acessível. Pura estupidez.
Infelizmente, enquanto não chegar o dia em que teremos acesso a tudo em qualquer lugar (e talvez esse dia nunca chegue), continuarei considerando os jogos exclusivos antes de comprar um console. Contudo, tomara que esse fator realmente se torne cada vez menos importante.