Quando começaram a surgir rumores de que a Electronic Arts estava encerrando sua parceria com a entidade máxima do futebol, alguns mais otimistas viram um lado positivo naquilo. Para a editora, ela se livraria das amarras impostas pela FIFA; já a organização teria a oportunidade de novos acordos; quanto aos jogadores, esses se beneficiariam de uma maior variedade. Pois agora está na hora de vermos o lado meio vazio deste copo.
Com a Copa do Mundo Catar 2022 cada vez mais próxima, a FIFA aproveitou os holofotes para divulgar como pretende explorar o mercado de videogames nos próximos anos e para aqueles que tem repulsa pelos termos blockchain e web 3.0, as notícias não são nada boas.
De acordo com o comunicado emitido pela entidade, “os jogos e os eSports são algumas das oportunidades de crescimento mais rápido para a FIFA, conforme [ela] continua a se expandir para novos espaços digitais, plataformas e games que já estão recebendo fãs do futebol.” E para atingir esse objetivo, eles não lançarão apenas um, mas quatro “jogos”! São eles:
- AI League: FIFA World Cup Qatar 2022 Edition: desenvolvido pela Altered State Machine, este jogo casual em que as partidas acontecerão em quadras de rua colocará times formados por quatro “atletas” para se enfrentarem, com eles sendo controlado pelo computador. Ao jogador caberá atuar como treinador, lhes dando ordens em momentos específicos. Com o tempo poderemos colecionar personagens e trocá-los, para assim montarmos a equipe mais forte possível.
- FIFA World Cup Qatar 2022 in the Upland Metaverse: criação da Uplandme, aqui poderemos colecionar itens digitais oficiais da Copa do Mundo FIFA, incluindo vídeos com momentos marcantes dos torneios. Por se tratar de um metaverso que visa reproduzir todo o planeta, poderemos visitar os estádios onde acontecerão jogos no Catar 2022, comprar itens para decorar nossas casas virtuais e trocá-los com amigos.
- Matchday Challenge: FIFA World Cup Qatar 2022 Edition: neste título da Matchday o objetivo será participarmos de um jogo de previsão, o que em bom português pode ser descrito como, um bolão. Competindo com outros jogadores, aqueles que acertarem mais resultados serão sagrados os grandes vencedores.
- FIFA World Cup Qatar 2022 on Phygtl: aqui temos o que foi descrito como “um aplicativo mobile de engajamento de fãs que leva o fandom a uma nova dimensão. Uma experiência imersiva em que os torcedores unem forças com a missão de cocriar a primeira recompensa digital para os fãs globais.” A nota fala também em levar uma bola dourada do mundo virtual para o real e de possuirmos um pedaço dela para podermos anexar fotos e vídeos da Copa do Mundo. Achou confuso? Eu também.
“Este é um grupo extremamente empolgante de parcerias que firmamos quando abraçamos os novos fãs de futebol digitalmente nativos e nos envolvemos com eles em espaços que sabemos que já estão ativos,” defendeu o diretor comercial da FIFA, Romy Gai. “Conforme continuarmos a construir nossa longa estratégia no futuro, é certo que a web 3.0 desempenhará um papel importante e isso marca o início da nossa jornada.”
Feitas as explicações, a pergunta que venho me fazendo desde que soube do anúncio é: será que alguém ficou empolgado com esses “jogos”? Na verdade, a impressão é de que esses títulos podem ser tratados como qualquer coisa, menos como games.
Sem querer atacar os estúdios que aceitaram entrar nessa e principalmente, os profissionais que estão trabalhando em tais projetos, mas parece que eles se preocuparam com tudo, menos em entregar game designs minimamente interessantes. Talvez eles nem sejam tão culpados por isso, afinal é provável que o briefing que lhes foi passado trazia (possivelmente em letra garrafais) para apenas criarem um caça-níqueis que ajudasse a encher ainda mais os cofres da FIFA.
O pior de tudo é que em se tratando da entidade em questão, essa busca ensandecida por mais alguns dólares nem chega a surpreender. Ora, estamos falando de uma empresa em que os escândalos de corrupção vivem sendo varridos para debaixo do tapete e que, por exemplo, não vê o menor problema em vender seu principal torneio para uma nação controlada por um governo opressor, onde as condições de trabalho para a construção dos estádios foram sub-humanas.
A verdade é que por mais que a Electronic Arts possa (e deva) ser criticada por algumas das suas práticas, incluindo aí a busca feroz por monetização, ainda estamos falando de uma editora com larga história na indústria. Querendo ou não, se trata de uma companhia que nasceu para criar jogos e não meros sistemas baseados em “novidades revolucionárias” como blockchain, web 3.0 ou qualquer coisa que o valha.
Ou seja, apesar de o fim da parceria de quase 30 anos com a EA poder ter sido a oportunidade para a Federação Internacional de Futebol procurar outras desenvolvedoras com experiência em jogos de esporte, como a Konami ou a 2K Games, eles preferiram se render ao canto da sereia, a uma suposta facilidade de faturar rapidamente com a venda de itens virtuais.
Pode ser que a investida não dê o retorno que eles esperam e no futuro a FIFA perceba que o melhor para sua imagem é apostar na criação de um jogo de verdade. Porém, eu devo estar sendo inocente aqui, pois se tem uma coisa que muitas pessoas envolvidas com esse esporte não parecem se preocupar, é em sujar sua reputação.
Fonte: terra.com.br/gameon