Comunidades tóxicas, práticas de monetização extremamente predatórias, falta de originalidade… A indústria de games costuma conviver com os mais variados problemas, mas vez ou outra somos apresentados a histórias que comprovam que ainda há humanos atuando do lado de lá deste balcão e a mais recente delas envolve o jogo Marvel’s Midnight Suns e um fã apaixonado.
Há pouco mais de uma década, quando tinha apenas 14 anos, Luke Wiltshire recebeu uma péssima notícia. Diagnosticado com neuroblastoma, o garoto teria que enfrentar a luta contra um violento tipo de câncer e enquanto tentava os mais variados tipos de tratamento, ele recorreu aos games como válvula de escape.
Foi graças aos jogos eletrônicos que o adolescente inglês pôde ter várias experiências que a doença não permitia, sendo um dos seus principais companheiros pelo árduo caminho que enfrentou. Porém, em 2021 os médicos disseram o que ninguém gostaria de ouvir: as opções de tratamento haviam terminado e a partir daquele momento ele receberia apenas tratamento paliativo.
Ciente de que não lhe restava muito tempo, Luke elaborou uma lista de desejos e ela trazia apenas três itens. O primeiro deles falava sobre ter um cachorrinho, que ficaria para sua mãe após ele morrer. Já o segundo era ainda mais fácil de realizar, afinal o rapaz queria comer um porco assado. Porém, o terceiro pedido de Luke era jogar o Marvel’s Midnight Suns.
O problema é que o jogo ainda estava em desenvolvimento e sem saber como seria possível ter acesso ao jogo, a irmã do garoto procurou a Solving Kids’ Cancer. Especializada em ajudar crianças com câncer, a organização também não sabia muito bem a quem recorrer e a responsável resolveu publicar o caso no Linkedin, não demorando para que a história se espalhasse.
Graças ao compartilhamento feito pelas pessoas, diversas empresas entraram em contato com a CEO da entidade, Gail Jackson, incluindo um representante da Disney e outro da 2K Games, que estavam produzindo o jogo. Dispostos a ajudar, o improvável sonho de Luke Wiltshire parecia mais perto de se realizar.
No entanto, restava pouco tempo a ele e sem que houvesse uma versão jogável do Marvel’s Midnight Suns, a equipe responsável pelo título fez o impensável. Em apenas 24 horas, o pessoal da 2K, da Fireaxis e da Marvel conseguiram uma espécie de demo para ser apresentada a Luke e caberia ao gerente de mídias sociais da editora, Asim Tanvir, a missão de ir à casa do fã para lhe mostrar como o jogo estava ficando.
Tendo a oportunidade de jogar em primeira mão o ato inicial da campanha, o resultado daquela visita foi o Luke cair em lágrimas e ele ainda teria outras surpresas. Nomeado consultor de game design, o rapaz teve seu nome adicionado aos créditos do jogo e ele ainda descobriu que no lugar que nos serve como quartel-general existiria uma árvore em que podemos ver encravado no tronco a frase “Luke esteve aqui.” Sim, o garoto estava imortalizado no Marvel’s Midnight Suns.
“A 2K, a Fireaxis e a Marvel não fizeram tudo aquilo pela publicidade, por qualquer crédito ou por ganho pessoal,” defendeu Gail Jackson. “O foco deles foi o Luke e apenas ele. Eles fizeram aquilo apenas pela pureza no coração que impulsiona a humanidade. Eles colocaram toda carga de trabalho e planos pessoais de lado e trabalharam solidamente durante aquele período para alcançar o que deveria ser inatingível, em nome de um completo estranho.”
Segundo a responsável pela Solving Kids’ Cancer, aquela foi uma experiência que a mudou, pois pôde testemunhar atitudes de pessoas boas que levaram “alegria absoluta, reconhecimento e validação para alguém que se sentiu tão invisível durante a maior parte da sua vida.”
Esse é um detalhe importante, pois sempre que uma desenvolvedora realiza ações como essa vejo pessoas as atacando, com o argumento de que tudo não passa de uma forma barata (e desonesta) de publicidade. Eu nunca descartei totalmente essa possibilidade, mas quero acreditar na bondade desses profissionais e na ideia de que mesmo que o estúdio tenha se beneficiando da história, ao menos um fã teve a oportunidade de ter seu sofrimento deixado de lado por alguns instantes.
Além disso, no caso de Luke Wiltshire, seu legado ainda poderá ajudar outras crianças, já que graças a ele a Solving Kids’ Cancer agora é conhecida pela indústria de games, o que consequentemente poderá lhes trazer apoio no futuro. Também foi criado um fundo de ajuda em homenagem ao rapaz, que infelizmente faleceu em 12 de novembro de 2021, poucas semanas após ter a oportunidade de realizar o sonho de jogar o Marvel’s Midnight Suns.
“Nos sentimos vazios. Sentimos falta de sua voz, sua risada e seus bons conselhos, mas o legado de Luke viverá e ele será reconhecido como gostaria de ser,” declarou a irmã de Luke, Claire. “Isso é mais do que poderíamos ter desejado e nos consolamos com isso. Sua força, mentalidade positiva, sorriso lindo e hilário senso de humor mantêm nossa família seguindo.”
Respeito quem pensa o contrário, mas para mim, histórias como essa são um ótimo lembrete que videogame não se trata apenas de diversão. Obrigado Luke, obrigado Fireaxis/2K Games/Marvel!
Fonte: TheGamer
Fonte: terra.com.br/gameon