Como uma resposta à pressão das esferas política e judiciária, a Meta decidiu mudar a forma de distribuição de conteúdo sobre temas políticos nas plataformas Instagram, Facebook e Threads. O Google seguiu na mesma linha ao proibir anúncios políticos no YouTube e nos resultados de buscas. A medida pode reforçar a bolha ideológica e dificultar a visibilidade de candidatos novatos, em um contexto já marcado pela polarização política.
Na prática, os usuários deixarão automaticamente de ter acesso a conteúdo político nas abas como explorar, reels, recomendações no feed e usuários sugeridos. Em relação aos perfis de figuras políticas já seguidas, as big techs não devem influenciar na entrega das publicações. Bolsonaro e o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que possuem grande expressividade nas redes sociais, publicaram um tutorial para que os seus usuários desabilitem a função (veja abaixo como retirar o filtro político).
Uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), publicada em fevereiro, passou a responsabilizar as plataformas que não tomem medidas contra a disseminação de “desinformação” durante as eleições. Um dos dispositivos da resolução classifica de “abuso do poder político” e “uso indevido dos meios de comunicação social” a distribuição de propaganda política que difunda fatos considerados pelo tribunal como “notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral”. Entre os problemas do documento está a falta de definição objetiva de termos importantes como “desinformação” e “notoriamente inverídicos ou descontextualizados”.
Dificuldade de acesso a informações e risco de censura
A decisão das big techs de dificultar a circulação de conteúdos de políticos para tentar evitar problemas jurídicos, diante de medidas como a resolução do TSE, pode impactar a liberdade de expressão, afirma Jamil Assis, diretor de relações institucionais do Sivis, um think thank que atua na promoção da democracia. “O momento das eleições é o momento de se expor a opiniões diferentes, a variadas propostas de candidatos e não de sermos privados desse tipo de informação”, avalia.
A decisão do Google de não aceitar anúncios políticos no YouTube, nem nos resultados de busca do site, impactará na circulação de propostas durante o período de campanha das eleições municipais, diz a consultora de marketing e comunicação política Gisele Meter.
“No contexto de uma eleição, essas medidas dificultam a apresentação de propostas dos candidatos. Na minha visão, as big techs acabam se contradizendo quando defendem a liberdade de expressão – com responsabilidade – enquanto adotam medidas que impactam um momento tão importante como o da escolha do candidato pelo eleitor”, defende Meter. Procurada pela Gazeta do Povo, a Meta não se manifestou sobre a medida.
Marco Antônio Sabino, doutor em Direito pela USP e pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, por outro lado, acredita que a medida dá mais autonomia aos usuários das plataformas. “Quando essas empresas tiram o poder deles e colocam na esfera de autonomia do indivíduo, permitem que o usuário escolha receber determinado conteúdo. Isso impede de que a big tech seja acusada de que o algoritmo dela está beneficiando o conteúdo de determinado candidato”, explica.
Candidatos novatos não poderão contar com as redes sociais
Com o conteúdo limitado apenas aos seguidores, quem está começando na política e quer usar as plataformas digitais para dialogar com possíveis eleitores enfrentará mais desafios. Diante do posicionamento adotado pelas big techs, esses candidatos com menor expressividade dependerão muito da verba do partido para anúncios políticos tradicionais.
“Esse é um risco relevante porque as eleições são um momento de alternância de poder, de encontrar alternativas para ações municipais que achamos que não estão funcionando. Se dificultamos a entrada de novos candidatos, também dificultamos essa renovação”, analisa Assis.
Reforço a bolhas ideológicas
Assis relembra que a estratégia das redes socias de apresentar publicações de assuntos nos quais os usuários já se identificam não é nova. No contexto do debate público, esse reforço positivo de opiniões pode ampliar a polarização. “A gente acaba tendo menos força na defesa dos nossos argumentos quando não os expomos a opiniões contrárias. Além de definir uma proposta que acreditamos, precisamos fortalecê-la com motivos claros e racionais, o que não acontece quando falamos apenas com quem concorda conosco”, sugere.
Outro efeito negativo da “bolha ideológica” é falta de empatia com quem tem opiniões divergentes. “Quando pensamos que é normal ou esperado que todo mundo concorde conosco, temos dificuldade de rebater ou nos envolver em uma conversa com quem pensa diferente, especialmente ao tolerar a diferença e saber conviver com essas pessoas”, aponta Assis.
Gisele Meter explica que a própria polarização impactará as campanhas eleitorais, refletindo o contexto atual do país. Segundo ela, atualmente, o próprio eleitor exige posicionamentos claros de seus candidatos político baseados em convicções ideológicas. “A polarização não pode ser desconsiderada quando balizamos as estratégias de uma campanha. É algo que vem de fora, não de dentro”, afirma.
O que fazer para retirar o “filtro político”
Para retirar o filtro político no Instagram, o usuário precisa acessar a página do próprio perfil. Posteriormente, clicar no ícone com três traços na horizontal, localizado no canto superior direito, que dará acesso à área de configuração e privacidade. Em seguida, é preciso clicar em “sugestão de conteúdo”. Entre as opções apresentadas, haverá uma que consta “conteúdo político”. Após clicar em “conteúdo político”, aparecerá na tela a opção “não limitar conteúdo político de pessoas que você não segue”, que deve ser selecionada. Dessa forma, o usuário passará a receber sugestões de conteúdos de perfis de políticos na plataforma.
Fonte: gazetadopovo