Com resolução de 2200 x 1300 pixels e 17″, o Model S da Tesla possui uma bela tela sensível ao toque bem no meio do seu painel. Com ela é possível definir várias configurações do carro, mas numa tentativa de tornar o veículo mais “descolado”, a empresa decidiu encher o acessório de easter eggs e até mesmo permitir que jogos eletrônicos fossem aproveitados nela.
A companhia fundada por Elon Musk ficou tão empolgada com o recurso que em 2020 chegou a montar uma equipe na cidade de Austin, Texas, com o intuito de desenvolver uma plataforma de jogos. Na descrição das vagas, ela dizia que “a Tesla se esforça para tornar seus carros os mais divertidos possíveis; trazer experiências de videogames para o carro ajuda a aumentar essa diversão.”
O problema é que qualquer pessoa em sã consciência sabe que um jogo teria um enorme potencial para tirar a atenção do motorista e não demorou para que a ideia de oferecer tamanha distração fosse criticada. Inicialmente os jogos só podiam ser aproveitados quando o carro estivesse parado, mas isso mudou com a chegada de um recurso chamado Passenger Play.
Com ele as pessoas poderiam se divertir mesmo com o carro em movimento, bastando que o jogador confirmasse ser apenas um passageiro. Isso obviamente não impedia que o motorista simplesmente mentisse na hora da verificação e percebendo o problema que estaria por vir, a agência de Administração Nacional de Segurança no Trânsito Rodoviário (NHTSA, na sigla em inglês) resolveu intervir.
Então, após uma investigação, o órgão que é uma divisão do departamento de Transportes dos Estados Unidos concluiu o óbvio, afirmando que aquilo “poderia distrair o motorista e aumentar o risco de um acidente.” A solução foi a tesla desativar o Passenger Play, com ele tendo funcionado por apenas um ano.
Um passarinho (azul) me contou
O que poucos sabiam, no entanto, é que essa tentativa da Tesla de oferecer jogos eletrônicos em seus veículos se valeu de uma das estratégias mais rasteiras adotadas por aqueles que controlam o dinheiro. E curiosamente, o público só tomou conhecimento disso devido a um rumor que tem circulado em relação ao futuro do Twitter.
Tudo começou no domingo (30), quando o The Verge publicou um artigo dizendo que o novo dono da plataforma, Elon Musk, estaria exigindo que seus funcionários implementem uma função para que os selos de verificação de contas passe a ser cobrado. Se as informações obtidas pelo site estiverem corretas, qualquer pessoa ou empresa que quiser exibir tal selo será obrigada a pagar uma mensalidade de US$ 20 e aqueles que já o possuem terão 90 dias para aderir ao novo modelo, caso contrário perderão o símbolo azul ao lado de seus nomes.
A novidade não tem agradado algumas pessoas que já possuem uma conta verificada, com figuras como o escritor Stephen King tendo afirmado que, na verdade, era o Twitter que deveria lhe pagar para continuar por lá. Já a Devolver Digital disse que não devemos confiar menos na marca quando eles perderem o status de verificados.
Outro que também parece não estar gostando muito das mudanças que Musk e sua equipe supostamente implementarão é Sam Barlow. Já podendo ser considerado um veterano da indústria de games, ele trabalhou como designer e roteirista no Silent Hill: Origins e no Silent Hill: Shattered Memories, mas a fama veio mesmo em 2015, quando lançou seu primeiro trabalho independente, o fantástico jogo Her Story.
Nele tínhamos que vasculhar um banco de dados repleto de vídeos feitos num interrogatório policial, para assim tentarmos solucionar o desaparecimento de um homem. Contando com imagens de atores reais, a imersão proporcionada pelo Her Story era fantástica e o ótimo roteiro fez com que o jogo se destacasse.
Com um nível de qualidade alto e entregando uma proposta bem diferente do que tínhamos no mercado, o jogo foi premiado em diversos eventos, incluindo o The Game Awards, o Game Developers Choice Awards, o Golden Joystick Awards e o British Academy Games Awards. Depois Barlow nos deu o também ótimo Telling Lies, consolidando seu nome na indústria, mas aparentemente nada disso era suficiente para a fabricante do Model S.
Usando sua conta no Twitter, o game designer contou sobre a vez em que representantes da empresa o procuraram: “A Tesla certa vez me pediu para colocar o Her Story em um carro. Perguntei quanto eles poderiam pagar pela licença e para cobrir o trabalho de engenharia — eles sugeriram zero, que eu considerasse a exposição que poderia receber.” Barlow então concluiu afirmando que “[ter] o Her Story em um carro continua sendo uma das ideias mais bobas que ouvi.”
O interessante é que o Her Story não parece ter sido o único título que poderia ter sido adicionado gratuitamente ao catálogo dos carros da Tesla. Segundo um funcionário da editora Panic, eles também teriam sido procurados pela empresa, com o intuito de adicionar o Untitled Goose Game aos veículos elétricos. Sobre isso, Barlow chegou a brincar, imaginando uma manchete para os jornais: “Horrível acidente de veículo autônomo. A polícia suspeita de ganso travesso.” Quem já jogou o divertido game da ave sabe do que ele está falando.
Por se tratar do tipo de proposta de qualquer pessoa que tenha trabalho com criação já recebeu, é inevitável não sentir uma pontada de indignação misturada com vergonha ao saber que até uma gigante como a Tesla recorre a esse tipo de muquiranice.
No caso de um Model S, estamos falando de um carro cujo preço de venda parte de quase US$ 105 mil e mesmo se considerarmos o Model Y, o comprador precisará desembolsar quase US$ 66 mil. Ainda assim, a empresa que os fabrica não vê problema em propor a um desenvolvedor renomado uma parceria em que ele só terá como retorno uma suposta visibilidade e como não estamos falando de veículos voltados para a massa, talvez eles estivessem se referindo apenas a divulgação por parte da imprensa.
Enfim, bem que essa revelação feita por Sam Barlow poderia trazer à tona outras dessas propostas feitas pelos comandados de Musk, para que assim saibamos quais desenvolvedores quiseram/puderam recusar algo que beira a indecência. No estágio em que a indústria de games se encontra, não acredito que ainda haja espaço para um tipo de parceria que, no fim das contas, acabaria beneficiando apenas quem já está com os cofres abarrotados.
Fonte: Rock, Paper, Shotgun
Fonte: terra.com.br/gameon