Para quem não jogou a série antes do Grand Theft Auto III, pode parecer que ela sempre teve o estilo que a acompanha até hoje, com a ação acontecendo em vastos mundos abertos em três dimensões. Porém, o primeiro GTA foi idealizado como um jogo bastante diferente e para alguns profissionais que trabalharam na sua criação, havia até a desconfiança de que o jogo não faria muito sucesso.
Com o jogo criado pela DMA Design (hoje Rockstar North) completando 25 anos, a BBC convidou o programador Colin Macdonald para contar algumas histórias interessantes sobre o desenvolvimento e o sujeito não decepcionou.
Segundo ele, tudo começou como uma demo técnica proposta por Mike Dailly, que queria saber como prédios pareceriam num jogo com visão aérea. Para tornar a experiência mais divertida, o programador nos colocou no controle de um dinossauro que podia destruir a cidade e embora as pessoas que experimentavam aquela criação gostassem da ideia, ainda faltava algo.
O projeto só ganharia força e seguiria para uma direção bastante diferente após Dailly investir em tornar a cidade mais viva, adicionando carros ao jogo. Então, “alguém teve a brilhante ideia de ver como seria dirigir um daqueles carros ao invés do dinossauro e de repente aquilo mudou para um jogo de carro ao invés de um jogo de dinossauro,” revelou o entrevistado.
Macdonald afirma que durante muito tempo o jogo foi conhecido internamente como Race ‘n’ Chase, até que uma nova ideia proposta por outro funcionário do estúdio os fez repensar o desenvolvimento. Para a pessoa, seria legal se o jogador pudesse sair e entrar dos veículos quando bem entendesse, com aquele podendo ser considerado o ponto em que o GTA se aproximou da sua forma que acabamos conhecendo.
Mudanças conceituais durante a criação de um jogo é algo comum, mas talvez nem o mais pessimista dentro da DMA Design poderia imaginar para onde eles estavam indo. Segundo Macdonald, “você desenvolveu um código que não está mais fazendo o que deveria fazer originalmente, então há todo tipo de problemas — o jogo fica com muitos bugs e trava muito.”
Diante de tantos problemas e com a equipe percebendo que não estava mais criando o que originalmente lhe foi pedido, o impacto na motivação não demorou para ser sentido. Sendo impossível jogar mais do que alguns minutos do GTA sem que o título travasse, uma pesquisa interna mostrou que, dos sete jogos que o estúdio estava criando no momento, aquele era o que as pessoas menos acreditavam que faria sucesso.
No entanto, o cenário foi mudando conforme os erros eram corrigidos e aqueles profissionais passavam a entender o que realmente funcionava. “Eles também tiveram tempo para polir o jogo, então começaram a fazer coisas como adicionar marcas de derrapagens, sombras, belos efeitos sonoros e estações de rádio — todas essas coisas que realmente trouxeram vida ao mundo,” disse o programador.
E o resultado do progresso pôde ser visto no dia-a-dia. Após passar tanto tempo trabalhando na criação de um jogo, normalmente a última coisa que os profissionais envolvidos querem é vê-lo na sua frente. Mesmo assim, os funcionários da DMA Design estavam usando suas horas de almoço para jogar aquilo que estavam criando, uma clara demonstração de que o título era divertido e com potencial para conquistar o público.
“Sabíamos que tínhamos algo especial — o fato de a esquipe estar jogando no seu próprio tempo era um forte indicador disso — mas há inúmeros jogos lançados todos os anos que são criativa e tecnicamente brilhantes, mas que simplesmente não vendem bem, por qualquer motivo,” explicou Macdonald. “A maioria das pessoas nem ouve falar neles — eles não capturam o espírito do momento — e o Grand Theft Auto poderia facilmente ser outro desses. Tem sido uma grande surpresa ver que ele continua se saindo tão bem um quarto de século depois.”
E Colin Macdonald tem toda razão ao fazer tal afirmação. Com a franquia tendo vendido mais de 385 milhões de cópias desde então — sendo que dessas, 170 milhões foram apenas para o GTA V — ela se tornou uma das marcas mais poderosas da indústria. Além disso, o último capítulo da série se transformou numa verdadeira mina de ouro para a Rockstar, com a sua porção online tendo levado US$ 595 milhões ao s cofres da empresa apenas em 2019.
O que torna esses números mais impressionantes é o fato de estarmos falando de um jogo que foi lançado em 2013, originalmente com versões apenas para Xbox 360 e PlayStation 3. De lá para cá o Grand Theft Auto V apareceu no PC e foi repaginado nas duas gerações seguintes, sempre despertando um enorme interesse no público e consequentemente mantendo excelentes vendas.
Além disso, aventurar-se pelo GTA Online é exercer um nível de paciência digno dos monges tibetanos, afinal teremos que lidar com alguns bugs e uma enxurrada de trapaceiros. Mesmo assim, milhões de pessoas ao redor do mundo gastam horas e mais horas se divertindo no jogo, principalmente interpretando variados papéis nos servidores de GTA RP.
Hoje sabemos que nada disso seria possível se não tivesse sido as apostas feitas por alguns dos funcionários da DMA Design. Do sujeito que imaginou um dinossauro destruindo uma cidade até aqueles que ousaram desafiar a diretoria adicionando um tanque de guerra ao mapa do primeiro GTA, muito da anarquia que gostamos de viver na série está presente desde os primeiros momentos da sua criação.
Porém, aquela era uma época bem diferente, aonde grande parte dos desenvolvedores e estúdios estavam aproveitavam sua independência para se preocuparem mais em se divertir e menos em abarrotar os cofres de uma grande editora. Talvez por isso nunca vejamos um novo nascimento de algo como o Grand Theft Auto, mas enquanto houver um desenvolvedor trabalhando sem as amarras impostas por uma gigante, o espírito da resistência permanecerá prestes a iniciar outra revolução como aquela.
Fonte: terra.com.br/gameon