A proximidade entre os videogames e os quadrinhos sempre foi muito grande, com as desenvolvedoras levando para as telas vários heróis e vilões das revistas. Porém, o mérito de conseguir recriar como seria estarmos numa HQ caberia a um jogo que não se baseava numa franquia famosa. Com uma fascinante história de desenvolvimento, Comix Zone foi uma das últimas obras de arte a aparecerem no Mega Drive.
Mas para entendermos como um jogo tão diferente nasceu, antes precisamos conhecer o fantástico estúdio em que ele foi produzido, o lendário Sega Technical Institute. Localizado na cidade de Palo Alto, Califórnia, o STI foi fundado em 1990 por Mark Cerny, game designer que teria uma forte ligação com a Sony e seria um dos responsáveis pela formação de estúdios como o Naughty Dog e Insomniac Games. Anos depois ele até lideraria a criação do PlayStation 4.
Visando misturar a criatividade dos desenvolvedores japoneses, com o talento de profissionais norte-americanos que estavam surgindo, o STI funcionaria como uma grande incubadora de ideias, além de ajudar outros estúdios da Sega. Tendo a inovação como foco, a desenvolvedora reuniria nomes consagrados, como Yutaka Sugano (Shinobi), Yuji Naka (Sonic the Hedgehog) e Stieg Hedlund (Diablo II), mas uma das suas criações mais impressionantes seria proposta por um desconhecido.
Assim como muitos dos seus colegas de trabalho, Peter Morawiec era um apaixonado por histórias em quadrinhos e visitar lojas especializadas era algo que ele fazia com frequência. E foi em um desses passeios que o sujeito teve uma ideia: um jogo em que o protagonista seria transportado para uma revista que estava criando.
Tendo como inspiração o videoclip de Take On Me, da banda norueguesa A-ha, mas optando por uma abordagem mais distópica para a sua história, Morawiec começou a trabalhar numa demo usando o seu Commodore Amiga.
Intitulado Joe Pencil Trapped in the Comix Zone, o vídeo seria apresentado ao chefe do STI em dezembro de 1992, conseguindo impressionar Roger Hector imediatamente. O executivo então incentivou o criador a levar o conceito até o CEO da Sega of America, Tom Kalinske, que também gostou bastante do que viu.
Porém, mesmo com a proposta sendo bem recebida pelo alto escalão da empresa, outro projeto impediria Morawiec de levar seu sonho adiante. Segundo ele, “quando o [Sonic] Spinball se tornou uma prioridade, o conceito para o Comix Zone foi colocado ’em espera’, o que no negócio dos games significa ‘cancelado’.”
Sem muitas opções, o artista passou a se dedicar ao desenvolvimento do spin-off da principal franquia da Sega e sua sorte só mudaria após o término daquele projeto. Chegava a hora do STI apresentar algumas propostas aos executivos e entre elas estava a ideia de Morawiec. Na ocasião, Kalinske lembrou do jogo que nos levava para uma HQ e pediu que o estúdio prosseguisse com a sua criação.
Contando com apenas outras duas pessoas na equipe, sendo elas o programador Adrian Stephens e o produtor Dean Lester, o desenvolvimento do Comix Zone começou lento. Só após alguns meses o título se tornaria prioridade dentro do Sega Technical Institute, com vários outros profissionais entrando para o projeto.
E conforme o trabalho avançava, algumas ideias de Morawiec acabariam sendo alteradas. Entre elas estava o protagonista que, a pedido do departamento de marketing da editora, teria que deixar de ser um moleque nerd que se transformaria num super-herói. Fã de Smashing Pumpkins e outras bandas grunge, o criador então reimaginou o personagem como um roqueiro.
O autor também foi incumbido de criar um ajudante para Joe Pencil — que a essa altura já tinha sido renomeado como Sketch Turner — mas sem querer outro humano ou um animal assustador, ele chegou a uma das marcas registrada do jogo, o rato Roadkill. Mesmo com o pessoal do marketing não gostando muito de ter um roedor como parceiro do protagonista, eles foram convencidos pelo produtor Dean Lester.
Convencida de que a estética dos quadrinhos seria um dos principais diferenciais do jogo, a Sega pediu para o artista Tony DeZuniga fazer as sequências de abertura e encerramento do Comix Zone. No entanto, a ideia de situar um jogo dentro de uma HQ não era inédita, com o Batman: The Caped Crusader tendo feito isso em 1988. Então, para evitar maiores dores de cabeça, a Sega chegou a patentear o estilo.
Tirando alguns problemas com a parte da programação, o desenvolvimento do jogo seguiu de forma relativamente tranquila e quando o STI enviou uma versão quase terminada para a avaliação da Sega of Japan, o que eles receberem demonstrava a guerra de egos que acontecia entre as divisões da empresa. Segundo Stieg Hedlund, os japoneses disseram que o título “incorporava tudo de errado com a cultura americana.”
No entanto, aquilo que poderia ter caído como uma bomba sobre a equipe acabou sendo visto como um grande elogio. Além disso, como aqueles que estavam do outro lado do planeta não tinham poder de veto, eles se limitaram a fazer algumas recomendações.
Sendo assim, com o Comix Zone o Mega Drive estava perto de receber um dos seus maiores sucesso, certo? Infelizmente não. Com a equipe querendo adicionar cada vez mais recursos ao jogo, o seu lançamento foi adiado diversas vezes e quando em agosto de 1995 ele chegou às lojas, o ciclo de vida do console já estava no fim. Com o PlayStation prestes a estrear nos Estados Unidos e o Sega Saturn nas lojas há alguns meses, o público estava de olho na nova geração e não foi apenas isso que atrapalhou as vendas.
Graças a um pedido de última hora feito por aqueles que vinham testando o título, Comix Zone teve o seu nível de dificuldade elevado consideravelmente, fazendo com que chegar ao seu final fosse uma tarefa para poucos. Além disso, para cumprir o prazo a equipe teve que cortar várias partes da aventura, fazendo com que o enredo ficasse um tanto desconexo, algo fatal numa história em quadrinhos (mesmo que interativa).
Foi só com o passar dos anos que aquele título ganhou a atenção devida, com o público passando a reconhecer como ele levava o antigo console ao limite. Isso podia até ser visto, ou melhor, ouvido em sua trilha sonora, composta por Howard Drossin. Disposto a mostrar que o Mega Drive podia entregar mais do que chiptunes, ele usou o rock para embalar o Comix Zone, entregando músicas incríveis.
O detalhe é que na tentativa de mostrar como o jogo parecia descolado, a Sega incluiu em cada cópia um CD trazendo músicas de diversas bandas da época, como Danzig, Love and Rockets e Jesus and Mary Chain. Porém, a proposta do STI era que o disco trouxesse versões cantadas das músicas do jogo que seriam gravadas pela banda grunge em que Drossin tocava, o que revoltou o músico.
Com estilo bastante parecido com a do Nirvana, felizmente o CD chegou a ser produzido e depois distribuído através de uma revista. Hoje ele pode ser encontrado na internet e algumas pessoas já tentaram imaginar como o jogo ficaria se contasse com essas versões.
Figurando em diversas coletâneas do Mega Drive, ainda hoje o Comix Zone é um jogo muito divertido e desafiador. Misturando beat ’em up com quebra-cabeças, chega a ser surpreendente seu estilo não ter dado origem a diversos clones, mesmo numa época em que os estúdios independentes têm resgatado tantos jogos e gêneros que estavam perdidos no passado.
Também chama a atenção o fato de recentemente a Sega ter escolhido ele para ser transformado em um filme. A expectativa agora é para que a adaptação seja bem-feita, respeitando o material original e apresentando esta maravilha a um público maior. Quanto a uma continuação, embora ela sempre tenha sido pedida pelos fãs, os detentores da marca não demonstraram uma real intenção de produzi-la.
Contudo, mesmo que um dia possamos conhecer uma nova aventura estrelada por Sketch Turner e Roadkill, dificilmente ela terá o mesmo impacto causado pelo Comix Zone original, um jogo que mostrou do que o Mega Drive era capaz e que, mas do que qualquer outro, nos fez sentir como seria estar numa revista em quadrinho.