A Polícia Federal (PF) diz ter um vídeo, apreendido no computador do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, que registrou a íntegra de uma reunião realizada em 5 de julho de 2022, no Palácio do Planalto.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, do supremo tribunal federal (STF), a descrição do encontro revela o “arranjo de dinâmica golpista no âmbito da alta cúpula do governo” Bolsonaro. A reunião tratou de uma suposta estratégia de ataque ao Tribunal Superior eleitoral (TSE) e às urnas eletrônicas.
Além de Bolsonaro, estavam na reunião os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (GSI), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Mário Fernandes (substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República) e Walter Braga Netto (Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro).
A descrição dos diálogos consta na decisão do ministro Moraes, que deu base a uma operação da PF, deflagrada na manhã desta quinta-feira, 8, contra o ex-presidente e aliados.
O encontro, segundo as investigações, mostrou que Bolsonaro estava “exaltado” com a possibilidade de perder a eleição para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e queria que os ministros tomassem providências com relação ao TSE.
“Hoje me reuni com o pessoal do WhatsApp, e outras também mídias do Brasil”, teria dito Bolsonaro, no início da reunião. “Conversei com eles. Tem acordo ou não tem com o TSE? Se tem acordo, que acordo é esse que está passando por cima da Constituição? Vou entrar em campo usando o meu Exército, meus 23 ministros.”
“E tenho falado com os meus 23 ministros”, teria continuado Bolsonaro. “Não podemos esperar chegar 2023, olhar para trás e falar: o que que não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia? Temos de nos expor. Cada um de nós. Não podemos esperar que outro façam por nós. Não podemos nos omitir. Nos calar. Nos esconder. Nos acomodar. Não posso fazer nada sem vocês.”
“E vocês também patinam sem o Executivo”, teria dito o então presidente. “Os Poderes são independentes, mas nós dois somos irmãos. Temos um primo do outro lado da rua, que tem que ser respeitado também. Mas todo mundo que quer ser respeitado tem de respeitar em primeiro lugar. E não abrimos mão disso.”
Em seguida, Bolsonaro teria dito aos participantes que a Câmara dos Deputados votaria a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Bondade. A proposta ampliava programas sociais e criava novos benefícios. “Depois dessa PEC da Bondade, a gente…a gente não tá pensando nisso, manter 70% dos votos, ok? Mas a gente vai ter 49% dos votos, vou explicar por que, né?”, interpelou aos demais.
Depois, , a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner e o ex-presidente da Bolívia Evo Morales teriam sido “abastecidos” com o “dinheiro do narcotráfico”.
Então, Bolsonaro teria citado pesquisas eleitorais, como as do Data Folha. “E a gente vê que o Data Folha continua mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno”, disse. “Acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE. Né? E tenho de ter bastante calma, tranquilidade, e vou entrar em detalhes com vocês daqui a pouco.”
Bolsonaro pergunta aos ministros: “Vamos esperar chegar 2023, 2024, para se f*d*r? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá atrás? E não é providência de força, não, c*r*lh*! Não é dar tiro. Ô Paulo Sérgio, vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, p*rr*!”
Segundo a PF, depois, Bolsonaro “exige” que os ministros “promovam e repliquem” “desinformações e notícias fraudulentas” sobre as eleições, “com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público”.
“Daqui para frente quero que todo ministro fale o que vou falar aqui, e vou mostrar”, teria declarado Bolsonaro. “Se o ministro não quiser falar, vai vir falar para mim porque não quer falar. Se apresentar onde estou errado, topo. Agora, se não tiver argumento para me ti… demover do que vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro.”
“Porque os caras estão preparando tudo, pô!”, teria continuado. “Para o Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e por quê. Alguém acredita aqui em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes? Alguém acredita? Se acreditar, levanta o braço! Acredita que eles são pessoas isentas, tão preocupado em fazer justiça, seguir a Constituição?” O ex-presidente falava em referência aos ministros do STF que presidiram o TSE ao longo de 2022.
Na gravação obtida pela PF, o então ministro da Justiça mostra “total adesão” a Bolsonaro, conforme o relatório. Em janeiro de 2023, a PF encontrou na casa de Torres uma “minuta” que previa a intervenção em outros Poderes.
“Tem muitos aqui que não sei nem se tem estrutura pra ouvir o que a gente tá falando aqui”, disse o então ministro. “Com todo o respeito a todos. Mas queria começar por uma frase que o presidente colocou aqui, que acho muito verdadeira. E o exemplo da Bolívia é o grande exemplo para todos nós. Senhores, todos vão se f…..! Quero deixar bem claro isso. Porque se … não estou dizendo que… quero que cada um pense no que pode fazer, previamente porque todos vão se f….”
Durante o encontro, Torres diz que a PF já teria feito várias sugestões para aperfeiçoar o sistema de votação, que não teriam sido acatadas pelo TSE. A Corte Eleitoral montou uma comissão de transparência eleitoral, com membros da sociedade civil, especialistas de universidades, Congresso Nacional e as Forças Armadas.
“Agora vêm as Forças Armadas fazem uma série de observações”, declarou Torres. “A PF continua fazendo observação. É claro que da nossa parte não vamos botar a arma na cabeça dos caras e falar ‘coloquem isso’. Mas a gente tá aí há seis anos fazendo. O outro lado joga muito pesado, senhores. Acho que essa consciência todos aqui devem ter.”
Fonte: revistaoeste