Todo mundo que acompanha meu trabalho sabe que tenho buscado defender os valores de um Estado cada vez mais sem valor. Nessa toada, tenho criticado os tribunais superiores, em especial o e feito uma defesa intransigente do Direito. Por óbvio, jamais passarei pano para planejamentos de golpe de Estado, mas não posso passar pano para um Estado que reage golpeando o Direito.
O ponto-chave é que não apenas deveria estar em debate o plano de golpe, mas também que pessoas estão sendo acusadas de um plano que, embora desbaratado apenas agora, é de dois anos atrás e, obviamente, não teve consequências, não podendo ser tratado como se trouxesse um risco atual, como se justificasse as prisões preventivas e medidas urgentes a que temos assistido.
“Não se pode permitir o uso do Direito para fazer política”
Andre Marsiglia
E essa movimentação toda, não sejamos ingênuos, está servindo para justificar a inviabilização da discussão do projeto de anistia que acabaria devolvendo o ex-presidente à elegibilidade em 2026. Servindo também para garantir adesão pública a uma regulação agressiva das redes sociais, que responsabilizará plataformas pelos conteúdos de seus usuários.
Se politicamente é lamentável a possibilidade de se ter planejado um golpe de Estado no Brasil, não importa se mequetrefe ou não, lamentável também que politicamente esses mesmos fatos sejam usados para inviabilizar a oposição. Não se pode permitir o uso do Direito para inocentar culpados, não se pode permitir o uso do Direito para fazer política. Uma nação madura reage a seus problemas de forma sóbria.
Um colega professor, que também é defensor público, me disse na semana: “Você acaba com sua carreira defendendo publicamente essa gente”. Curioso pensar que meu colega deve ouvir que o público defendido por ele é também uma “gente” que não merece ser defendida.
No Brasil, a politização fez com que o Direito se tornasse destinatário apenas dos que pertencem a certo círculo de afinidades econômicas, políticas e ideológicas. Os outros, “essa gente”, que se danem.
Com uma que só reproduz versões oficiais, com o debate público sob a lupa de uma Justiça degenerada, com a classe jurídica preocupada apenas com os seus, o Brasil colapsou. Esse é o verdadeiro golpe. O país está entregue, em razão das instituições terem sido completamente corroídas pelos malabarismos jurídicos dos que se dizem seus defensores.
é advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão. Professor de Direito Constitucional e doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista do
Fonte: revistaoeste