Anos atrás, escrevi um pequeno livro intitulado . Hoje está na 4ª edição, veiculado pela Editora Resistência Cultural, que se notabilizou pela primorosa apresentação gráfica de suas edições. As edições anteriores foram prefaciadas por dois saudosos amigos: Ney Prado, confrade e ex-presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, e Antonio Paim, confrade da Academia Brasileira de Filosofia. A atual tem como prefaciador o ex-presidente da República e confrade da Academia Brasileira de Direito Constitucional .
Chamo-a de “breve teoria” por dedicar-me mais à figura do detentor do poder, muito embora mencione as diversas correntes filosóficas que analisaram a ânsia de governar, através da história. Chamar um estudo de “breve” é comum. Já é mais complicado chamar uma teoria de breve. As teorias ou são teorias ou não são. Nenhuma teoria é “breve” ou “longa”, mas apenas teoria.
Ocorre que como me dediquei fundamentalmente à figura do detentor do poder, e não a todos os aspectos do poder, decidi, contra a lógica, chamá-la de “breve teoria”.
Desenvolvi no opúsculo a “teoria da sobrevivência”. Quem almeja o poder luta, por todos os meios, para consegui-lo. E como a história demonstra, quase sempre sem ética e sem escrúpulos. Não sem razão, Lord Acton dizia, no século 19, que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Ocorre que, no momento que o poder é alcançado, quem o detém luta para mantê-lo por meio da construção de narrativas, cada vez tornando-se menos ético e mais engenhoso, até ser afastado. As narrativas são sempre de mais fácil construção nas ditaduras, mas são comuns nas democracias e tendem a crescer quando elas começam a morrer.
“Nas democracias, a luta pelo poder é mais controlada, pois as oposições desfazem narrativas, e os Poderes Judiciários neutros permitem que correções de rumo ocorram”
Ives Gandra Martins
A característica maior da narrativa é transformar uma mentira numa verdade e torná-la para o povo um fato inconteste. Ora valorizando fatos irrelevantes, ora, com criatividade, forjando fatos como, aliás, conseguiu com a juventude alemã com a célebre frase: “O amanhã pertence a nós”.
Nas democracias, a luta pelo poder é mais controlada, pois as oposições desfazem narrativas, e os Poderes Judiciários neutros permitem que correções de rumo ocorram. Mesmo assim, as campanhas para conquistar o poder são destinadas, não a debater ideias, mas a — literalmente — destruir os adversários. Quando Levitsky e Ziblatti escreveram , embora com um viés nitidamente a favor do Partido Democrata, desventraram que as mais estáveis democracias do mundo também correm risco.
O certo é que, através da história, os que lutam pelo poder e os que querem mantê-lo, à luz da teoria da sobrevivência, necessitam de narrativas e não da verdade dos fatos, manipulando-as à sua maneira e semelhança. Dão interpretações pro domo sua das leis, reescrevendo-as e impondo-as, quanto mais força tem sobre os órgãos públicos, mesmo nas democracias. Também reduzem a única arma válida numa democracia, que é a palavra, a sua expressão menor, quando não a suprimindo.
É que, infelizmente, há uma escassez monumental de estadistas no mundo e um espantoso excesso de políticos cujo único objetivo é ter o poder e, quando atingem seu objetivo, terminam servindo-se mais do que servindo ao povo. Pois servir ao povo é apenas um efeito colateral e não obrigatoriamente necessário.
Os ciclos históricos demonstram, todavia, que quando, pela teoria da sobrevivência os limites do razoável são superados, as reações fazem-se notar, não havendo “sobrevivência permanente no poder”. As verdades, no tempo, aparecem e, perante a história, as narrativas desaparecem e surge “a realidade nua dos fatos”.
Fonte: revistaoeste