Em reação ao Supremo Tribunal Federal (STF), o plenário do Senado analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, que criminaliza qualquer porte e posse de drogas ilícitas. O texto coloca o Judiciário e o Legislativo em lados opostos e pode derrubar uma eventual decisão futura da Corte.
A PEC das Antidrogas , uma semana depois que o STF suspendeu o julgamento para consumo próprio. Falta apenas um voto para a Corte obter maioria em favor do tema.
Atualmente, a Lei de Drogas, sancionada pelo Congresso Nacional em 2006, estabelece que o usuário pode ser condenado a medidas socioeducativas por até dez meses. Já os traficantes possuem pena prevista de 15 anos de prisão.
A lei prevê oito circunstâncias para diferenciar o traficante do usuário de drogas, sendo: quantidade, natureza da substância apreendida, local e condições da ação delituosa, circunstâncias sociais, pessoais, conduta e antecedentes criminais. Não há uma quantidade estipulada.
De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a PEC criminaliza qualquer porte ou posse de drogas, trazendo a Lei de Drogas para a Constituição. A PEC também não estabelece uma quantidade de entorpecente para diferenciar o traficante do usuário. A ideia é que a decisão sobre a quantidade permaneça nas mãos da autoridade policial e judicial.
“A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, prevê a proposta em tramitação no Senado.
A mudança que o relator da PEC das Drogas, senador (União Brasil-PB), traz no relatório é que o texto dê ao usuário de entorpecentes alternativas de prestação de serviços à comunidade, e que a solução não seja o encarceramento. “A criminalização vai permanecer, mas separando o usuário”, contou, ao apresentar o texto.
Efraim acatou, até o momento, uma emenda do líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), no texto, que prevê que a distinção entre o crime e o uso seja feita por meio de “circunstâncias fáticas do caso concreto”. Assim, a PEC Antidrogas afasta a proposta do Supremo.
Atualmente, a PEC está em sua terceira sessão de discussão no plenário do Senado antes de ser votada em primeiro turno, ou seja, faltam apenas duas sessões. Se aprovada, ela segue para o segundo turno, onde deve ser discutida por mais três vezes antes de ser votada. Depois, caso aprovado, o texto segue para a Câmara dos Deputados. São necessários 49 votos favoráveis dos 81 senadores.
O Supremo julga um recurso de repercussão geral, que cria uma jurisprudência para outros casos, que pertence à Defensoria Pública de São Paulo. O órgão recebeu uma condenação de um homem de 50 anos que portava três gramas de maconha no Centro de Detenção Provisória de Diadema, na região do Grande ABC Paulista, em 2009.
A partir desse recurso, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, do STF, defendeu a necessidade de estabelecer uma quantidade mínima de maconha para determinar o que configura porte de drogas para consumo pessoal.
O caso não legaliza o tráfico de maconha, que continua sendo ilícito. Contudo, pode descriminalizar, em determinada quantidade, o uso pessoal. Os ministros favoráveis à descriminalização argumentam que o uso da pequena quantidade de maconha é um direito de cada indivíduo.
Além disso, entendem que o fato de não ter uma definição clara entre o que é tráfico e o que é porte aumenta o encarceramento de pessoas vulneráveis. Caso o julgamento tenha maioria, os ministros devem fixar uma quantidade para caracterizar a maconha para uso pessoal. A quantidade ficaria entre 25 e 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de Cannabis.
Se manifestaram com o relator o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber (já aposentada). Contra o voto do relator, votaram os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. O ministro Dias Toffoli foi quem pediu vistas, ou seja, mais tempo para analisar o processo.
Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak, doutor em Direito Constitucional, caso a PEC do Senado seja promulgada e o STF descriminalize a posse de maconha para uso pessoal, o que valerá será a mudança constitucional aprovada no Legislativo.
Isso porque o Congresso discute uma PEC, que entra na Constituição, não um projeto de lei. O STF julga os processos com base na Constituição, interpretando-a. Assim, independentemente de a Corte Suprema concluir o julgamento antes ou depois da aprovação da PEC, quando o texto for promulgado, passa valer o que o Legislativo prevê.
“O Senado não está discutindo uma lei, mas uma emenda constitucional”, destacou Beçak. “É um pouco mais difícil dizer que é inconstitucional, porque é o Congresso discutindo uma alteração constitucional, é a lei das leis. Teria que entrar um novo pedido de exame [no STF] e começar desde o início. O Senado pegou um caminho que é mais difícil o Supremo aplicar a inconstitucionalidade de cara.”
Conforme Beçak, o STF terá de esperar uma nova provocação, por meio de alguma ação movida na Corte. “O Supremo sozinho não pode dizer que a PEC é inconstitucional, pois, se virar emenda, está muito acima da lei”, continuou o especialista.
No caso, o Supremo poderia ser acionado por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Esse recurso questiona legislações que estão em desacordo com o propósito da Constituição, de assegurar direitos e definir a atuação das instituições democráticas, e não criminalizar condutas.
A Constituição prevê que uma ADI só pode ser proposta pelo presidente da República, pelos presidentes do Senado e da Câmara ou por uma Assembleia Legislativa. Além disso, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Procuradoria-Geral da República, um partido político com representação no Congresso Nacional e entidades sindicais de âmbito nacional também podem.
No entanto, o professor da USP destaca que arguir algo do tipo “não será tão fácil”. “Possa ser que alguém argua a inconstitucionalidade, aí eles vão examinar, de acordo com o espírito geral da Constituição de 1988, se agora esse texto constitucional aprovado, bate de frente com o espírito da Constituição”, contou. “Mas não sei se seria tão fácil de arguir isso. Hoje é fácil, mas, se altera a Constituição e deixa claro que a posse [e porte] de drogas é ilegal, como o Supremo vai dizer que é legal?”
Apesar de a PEC do Senado não definir uma quantidade para diferenciar o criminoso do usuário, Beçak destacou que as minúcias de uma emenda constitucional, uma vez aprovada, vêm por meio de leis. Desse modo, o Congresso, caso deseje, pode estabelecer esse critério após a promulgação da PEC.
“Quando se aprova uma emenda constitucional, a lei vem para disciplinar as minúcias”, disse. “Não é a Constituição que vai dizer sobre quantidade, é a lei. É perfeitamente possível imaginar que, vindo uma PEC, se ela for aprovada, venha uma alteração na Lei de Drogas para coadunar com isso. Essa alteração poderia perfeitamente fixar as quantidades toleradas e as não toleradas.”
Caso o Congresso não queira se debruçar sobre essa minúcia, o STF, se provocado, pode definir uma quantidade. “Ele [O STF] pode dizer: qual quantidade?”, concluiu Beçak.
Fonte: revistaoeste