“Não se alie ao PT”. Nos bastidores do poder ainda no período de pré-campanha para as eleições do ano passado, essa era a mensagem que pessoas próximas faziam questão de ecoar até aos ouvidos de Márcio França. O ex-governador de São Paulo, no entanto, não deu a devida atenção ao aviso. E deu no que deu. Menos de um ano depois de abrir mão de sua candidatura ao governo paulista, ele levou uma rasteira dos petistas. Deixou o imponente cargo de ministro de Portos e Aeroportos para, na prática, ser rebaixado. Viu-se obrigado a aceitar a ideia de assumir uma recém-criada pasta que, sem orçamento e relevância, só existe no papel.
Tido até por críticos como um político de bom trânsito com as mais diversas lideranças políticas brasileiras e como alguém de centro-esquerda, apesar de sempre ter sido filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), França ganhou vez no Executivo paulista a partir da eleição de 2014. Na ocasião, ele foi indicado ao cargo de vice-governador na coligação encabeçada pelo então tucano Geraldo Alckmin. A chapa deu certo e foi eleita no primeiro turno, com 57% dos votos válidos. Com a renúncia de Alckmin para se candidatar à Presidência da república, França tornou-se governador de São Paulo em abril de 2018.
Como governador durante meses, o integrante do PSB buscou a reeleição no pleito de 2018. Superou o emedebista Paulo Skaf por menos de 100 mil votos e, dessa forma, conquistou o direito de disputar o segundo turno contra João Doria, ex-prefeito da capital paulista e representante do PSDB na corrida eleitoral para o comando do Palácio dos Bandeirantes. Briga acirrada, mas que terminou com a vitória de Doria, por 51,75% a 48,25%.
Apesar da derrota, França deixou a disputa de 2018 tendo sido a escolha, no segundo turno, de mais de 10 milhões de eleitores paulistas. Ativo interessante para um político que até outubro daquele ano havia permanecido no cargo por apenas seis meses. Diante dos números e do fato de ter vencido Doria na cidade de São Paulo, o membro do PSB, que foi prefeito da litorânea São Vicente (SP) de 1997 a 2004, resolveu se candidatar à prefeitura da capital paulista em 2020.
Mas a tentativa de voltar a ocupar um cargo público dois anos depois de encerrar o mandato como governador não deu certo. França terminou a corrida pela Prefeitura de São Paulo na terceira colocação, com 13% dos votos válidos. Assim, viu o então prefeito Bruno Covas (PSDB) ser reeleito ao vencer Guilherme Boulos (Psol) no segundo turno.
Mais uma vez derrotado nas urnas, França divulgou mensagem aos dois candidatos que iriam disputar o segundo turno pelo comando do Executivo paulistano. “boa sorte para o Boulos e para o Bruno”, afirmou ele, por meio das redes sociais, depois do resultado do primeiro turno das eleições municipais de 2020. Além disso, o socialista indicou: já estava de olho no pleito seguinte. “Saúde para os dois, discernimento, paciência, e vamos para o segundo turno, que a democracia é assim: acaba uma eleição, começa outra.”
Márcio França: aliança com o PT e nova derrota eleitoral
Novamente sem mandato algum, Márcio França passou a atuar firmemente nos bastidores do poder. Presidente do diretório paulista do PSB, foi um dos responsáveis por Alckmin, que havia deixado o PSDB, se filiar à sigla, em março do ano passado. Também foi o responsável por aproximar o ex-tucano de Lula para, assim, ajudar a formar uma chapa que seria inimaginável durante décadas — mas que foi confirmada em maio de 2022.
Apesar de ter sido um dos responsáveis pela aliança entre Lula e Alckmin, França levou a primeira rasteira pública do PT durante a pré-campanha do ano passado. Sem esconder o interesse de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, ele foi convencido a abrir mão de uma nova candidatura a governador de São Paulo para, no fim das contas, dar espaço a Fernando Haddad (PT). Movimento que se deu apesar de o socialista ter recebido mais de 10 milhões de votos no segundo turno de 2018 e da histórica rejeição do eleitorado paulista a candidatos petistas.
Sem vez para tentar voltar ao comando do Executivo paulista, coube ao político do PSB se lançar candidato ao Senado
“Prometi, foi muito difícil, mas eu me comprometi que quem estivesse à frente nas pesquisas poderia ser o candidato do nosso campo político”, disse França, ao desistir de se candidatar ao governo de São Paulo no ano passado. “E aqui tem palavra, você sabe disso. É por isso que eu decidi apoiar agora a candidatura do Fernando Haddad para governador.”
A contragosto, França deixou claro que estava cumprindo sua palavra para apoiar o PT naquele momento. Sem vez para tentar voltar ao comando do Executivo paulista, coube ao político do PSB se lançar candidato ao Senado — além de emplacar a mulher, Lúcia França, que nunca havia disputado cargo eleitoral algum, como candidata a vice na chapa encabeçada por Haddad.
Dessa forma, ao se aliar formalmente ao PT, pode-se dizer que França sofreu três derrotas na campanha eleitoral de 2022. A primeira foi a de ser praticamente obrigado a abrir mão da candidatura ao governo paulista. Jogado para disputar o Senado, perdeu a batalha contra o astronauta e ex-ministro Marcos Pontes — apesar dos chamados institutos de pesquisa darem como certa a sua vitória um dia antes da votação. Por fim, viu a chapa liderada por Haddad e que teve a sua mulher como vice ser derrotada por ampla margem — 11 pontos percentuais de diferença — por Tarcísio de Freitas (Republicanos) no segundo turno na briga pelo comando do Palácio dos Bandeirantes.
De governador de São Paulo a “micro” ministro de Lula
Com três derrotas consecutivas em eleições — tentativa de se reeleger governador, busca pela prefeitura da capital paulista e candidatura ao Senado —, França seguiu como aliado do PT. Diante da apertada vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro no segundo turno para a presidência da república, ele voltou a ter status de autoridade. Isso porque, na cota reservada ao PSB, acabou nomeado para o Ministério de Portos e Aeroportos.
O cargo que poderia voltar a dar a França uma visibilidade política dentro do Estado do qual foi governador, uma vez que São Paulo tem o maior aeroporto internacional (Guarulhos) e o maior porto (Santos) do país, acabou por mostrar o que aliados mais próximos diziam desde o início do ano passado: não se pode confiar no PT. Em março, Márcio França foi desautorizado publicamente por Lula ao falar do plano de ter passagens aéreas a R$ 200. Além disso, tornou-se um ministro meramente figurativo. Durante todo o primeiro semestre de 2023, ele teve apenas uma única reunião a sós com o presidente da República. Virou um ministro figurante na Esplanada.
Ao idealizador da chapa Lula-Alckmin restou apenas o recém-criado — e um tanto quanto fictício — Ministério do Empreendedorismo, da microempresa e da Empresa de Pequeno Porte
O que já era ruim ficou ainda pior para Márcio França. Mesmo ignorado por Lula, ele poderia usar a função de ministro de Portos e Aeroportos para travar embate com o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que é defensor da privatização do Porto de Santos, e, quem sabe, voltar a se cacifar para ser novamente candidato ao governo do Estado. Poderia, no passado. Até isso o PT tirou dele. No início de setembro, para acomodar o centrão na Esplanada dos Ministérios, o presidente Lula humilhou publicamente França ao rebaixá-lo de função.
De ministro responsável pela autoridade portuária de Santos, França foi demitido do cargo, que passou a ser ocupado pelo deputado federal Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Ao idealizador da chapa Lula-Alckmin restou apenas o recém-criado — e um tanto quanto fictício — Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Sem verbas estrondosas, a pasta criada a partir de medida provisória não tem nem endereço próprio na Esplanada e, no dia a dia, funciona como um “puxadinho” do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, chefiado pelo vice-presidente Alckmin.
Apesar de “empreendedorismo” surgir de última hora no nome oficial do mais novo ministério, o 39ª na atual gestão lulista, os fatos demonstram que, para o petista, França se tornou um “micro” ministro, que nem tem mais o nome cogitado para disputar a prefeitura paulistana ou o governo do Estado de São Paulo. No fim das contas, ao se aliar ao PT, o ex-governador se transformou num político que simboliza, inclusive no nome, o ministério do qual está à frente: “pequeno porte”.
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Fonte: revistaoeste