Nunca fumei maconha, jamais fumei tabaco. Também nunca cheirei cocaína ou qualquer outro pó entorpecente ou “expansor da consciência”, como diz o Gilberto Gil. Não por moralismo, mas por não gostar de fumaça em pulmão e por ter medo de ter um treco. Bebo vinho, mas não mais como há dez, quinze anos: o que já era pouco agora é pouquíssimo. Sou um imperfeito careta.
Não é que tenha crescido em uma bolha de caretice. O que essa moçada faz hoje, achando que está rompendo barreiras, os meus colegas de Colégio Equipe, em São Paulo, faziam em triplo nos anos 1970.
Durante a ditadura militar, no reduto escolar de filhos da esquerda, todas as formas de expressão e de autodestruição eram livres, das drogas ao sexo. Até se podia se discordar da esquerda, veja só o que é experiência-limite, sem medo de ser patrulhado. Sou um imperfeito careta de direita que viveu tranquilamente em meio ao desbunde.
É desta posição existencial, portanto, que assisto ao debate sobre a descriminalização do porte de maconha pelo STF, em quantidade a ser definida também pelo tribunal.
O argumento de que tem pobre indo para as masmorras brasileiras por ser usuário de maconha me parece frágil. Pobre vai para a cadeia porque é pobre. Se definirem que um cidadão pode ter consigo até 60 gramas de maconha, a polícia dará um jeito de dizer que o pobre estava com 70 gramas e vai colocá-lo em cana do mesmo jeito, na condição de traficante.
De qualquer forma, deve ter muito pouco pobre indo para a cadeia por causa de maconha. Por onde quer que se ande, você sente o cheiro de maconha e vê gente rica e pobre fumando baseado na rua, na praia, em jogo de futebol, em show e até em porta de missa, sem ser incomodada pela polícia — o mundo é dos maconheiros.
No julgamento sobre o tema no STF, fico com Luiz Fux, com quem divido o vício por belas mulheres. Fico na parte em que ele diz que não é papel do tribunal descriminalizar porte de maconha. É papel do parlamento.
“Não se pode desconsiderar as críticas em vozes mais ou menos nítidas e intensas de que o Poder Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular”, afirmou Luiz Fux. E ele acrescentou:
“Nós não somos juízes eleitos. O Brasil não tem governo de juízes e é por isso que se afirma e se critica, com vozes intensas, o denominado ativismo judicial. Quando se acusa o Judiciário de se introjetar nas searas dos demais Poderes, isso para o Judiciário é uma preocupação cara e muito expressiva. Nós assistimos cotidianamente ao Poder Judiciário sendo listado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional.”
Por fim, o ministro disse:
“Sempre digo: nós não temos que fazer pesquisa de opinião pública. Nós temos que aferir o sentimento constitucional do povo. Quanto mais as nossas decisões se aproximam do sentimento — não é opinião passageira — do sentimento constitucional do povo, mais efetividade terão as nossas decisões e as direções que as nossas soluções indicam. Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o STF, ao protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política. É lá que tem que ser decidido, é lá que se tem que pagar o preço social. Não é que nós tenhamos receio, mas temos que ter deferência porque num estado democrático a instância maior é o parlamento.”
Luiz Fux está coberto de razão. Faço um adendo: o STF pode até ser provocado a se pronunciar, como vem sendo, mas o tribunal poderia rejeitar as provocações e dizer que não tem nada a ver com os diferentes assuntos que são da competência do Legislativo. Se aceita, é porque quer ter protagonismo, como se lhe coubesse suprir as “falhas” dos demais poderes. Usa do pretexto de que deputados e senadores não estariam cumprindo com o que manda a Constituição e arroga-se a função de legislar no lugar deles.
O poder político é o baseado do STF, e isso dopa a democracia brasileira.
Fonte: revistaoeste