Imagine que o leitor fosse fazer uma prova de concurso e lá constasse a seguinte questão: “Enquanto cachorros de raça gostam de latir, cães vira-latas preferem miar”. Os elementos descritos no texto demonstram que…
- a) Há algum tipo de cachorro que mia;
- b) Não há nenhum tipo de cachorro que mia;
- c) Todos os tipos de cachorro miam; ou
- d) Todos os tipos de gatos latem
Para qualquer indivíduo, a se considerar a realidade concreta, onde nenhum tipo de cachorro mia, obviamente que o instinto natural de resposta seria a letra “b”.
No entanto, não foi essa a pergunta.
A pergunta foi sobre o que o texto afirma e lá está disposto que há algum tipo de cachorro que mia. Logo, a resposta correta no gabarito oficial precisa ser letra “a”. Ainda que essa resposta seja um completo desvario no mundo real.
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Esse exemplo foi apenas para ilustrar o completo absurdo da questão “89” da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e que foi recente pauta de discussão política ao longo de toda a semana na sociedade brasileira. Bastante polêmica, a pergunta apresenta um claro viés anticapitalista e visão contrária ao , motivo pelo qual os segmentos políticos defensores do setor agropecuarista em uníssono, no que também se seguiu boa parte da imprensa, buscando-se a anulação da questão, que não ocorreu.
A anulação da questão não ocorreu por uma técnica de elaboração de prova que possui consequências altamente nocivas para nossa sociedade e nossa juventude e precisa ser esclarecida.
O Enem e as perguntas politicamente enviesadas em concursos
A prova do Enem é dividida em 4 partes: linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e matemática (além da redação). As questões sobre língua portuguesa deveriam se encontrar em “linguagens” e a parte de ciências humanas deveria analisar o conhecimento de história, geografia, sociologia, filosofia e atualidades.
Quando analisamos a questão “89”, de ciências humanas, bem como várias outras questões dessa seção, há alguma dificuldade em se entender se ela é de mera interpretação de texto ou se há conteúdo de história e geopolítica envolvido.
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Isso porque a pergunta feita pelo enunciado é: “Os elementos descritos no texto, a respeito da territorialização da produção, demonstram que há um…”; deixando claro que a pergunta não é se aquilo que materialmente consta no texto é verdadeiro ou falso, mas sim se o aluno consegue interpretar o que o texto quer dizer, independentemente da veracidade do seu conteúdo.
Obviamente que os elementos descritos no texto não demonstram absolutamente nada do ponto de vista real, mas certamente sim do ponto de vista linguístico.
Só que, quando essa pergunta está inserida no campo de “ciências humanas” e não de “linguagens”, infere-se que o texto em questão está respaldado na realidade, exatamente para induzir o jovem a acreditar que o texto é materialmente verdadeiro e condicioná-lo a se alinhar ideologicamente àquilo. O bônus desse expediente é que, como a pergunta é sobre o texto e não sobre a verdade, ela não pode ser anulada e, ao não ser anulada, seja administrativa ou judicialmente, a falsidade travestida de verdade ganha ares de legitimidade.
É essa a lavagem cerebral que o governo e o fazem com o jovem brasileiro por meio do Enem, pago com tributos de todos e inscrições dos próprios lobotomizados, sendo estes últimos obrigados a dizer, para entrarem na faculdade, que alguns tipos de cachorro miam, em vez de se apegarem à óbvia verdade de que nenhum cachorro mia.
Assim, formamos jovens cientistas e futuros membros da nossa elite que ideologicamente acreditam em miados caninos, socialismo e outros absurdos do mesmo nível.
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Fonte: revistaoeste