O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira, 14, o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao marco temporal. Com isso, os parlamentares mantiveram a tese que limita as demarcações de terras indígenas às ocupadas pelos povos originários até a promulgação da Constituição de 1988.
Com a decisão do Congresso de derrubar os vetos de Lula e levar adiante o projeto de lei, o tema deve ser judicializado depois a promulgação. O ato de tornar a proposta em lei é de competência do presidente do Executivo ou do presidente do Senado — caso o petista não cumpra o prazo de 48 horas para decidir.
Entenda as fases do processo sobre o marco temporal
O rito funciona assim: depois da decisão desta quinta-feira de manter o projeto, o texto será enviado ao presidente, que terá 48 horas para promulgar. Caso não cumpra o prazo, a proposta segue para promulgação pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que terá 15 dias para promulgá-la.
Após a promulgação, o projeto se torna lei. A partir desse ponto, o STF pode ser acionado. Como a Suprema Corte já decidiu em setembro que a tese do marco temporal é inconstitucional, o presidente da República, partidos políticos com representação no Congresso, entidades de classe e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem propor uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), questionando a validade da lei promulgada.
Especialistas em Direito Constitucional dão como certa a judicialização do tema e já preveem uma decisão contrária ao Congresso, levando-se em consideração o histórico recente do tribunal sobre o assunto. A advogada constitucionalista Vera Chemin explica que a decisão dos parlamentares deve criar, novamente, um confronto entre o Legislativo e o Judiciário, uma vez que há decisões conflitantes sobre o assunto.
“Tomando como pressuposto o fato de que o Supremo já tomou uma decisão no passado recente reconhecendo a tese do marco temporal como inconstitucional, não temos dúvida de que o Supremo vai corroborar essa decisão e vai, novamente, reconhecer a inconstitucionalidade desse marco temporal”, explicou. Chemin.
O Supremo rejeitou a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas em setembro, sob o fundamento de que propostas nesse sentido ferem os direitos dos indígenas.
Dias depois da decisão do STF, o Senado aprovou o projeto para estabelecer o marco temporal. O texto já havia passado pela Câmara e foi para a sanção de Lula, que vetou o principal trecho do texto. O petista, seguindo orientação da Advocacia-Geral da União (AGU), também rejeitou a possibilidade de indenização aos proprietários de terras que eventualmente sejam declaradas como de direito dos indígenas e a proibição de ampliação das terras já demarcadas.
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Logo depois da decisão do Congresso de derrubar os vetos do presidente, o Ministério dos Povos Indígenas já afirmou que vai acionar a AGU para entrar com ação no STF contra a derrubada do veto.
O procedimento atual para a identificação e delimitação, demarcação física, homologação e registro de terras indígenas é balizado por um decreto presidencial, que “dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas”, definindo as diferentes fases e subfases do processo.
O que ocorre se for iniciado um processo de demarcação agora?
Caso um processo de demarcação seja iniciado diante de posicionamentos diferentes do Legislativo e do Judiciário, valerá, segundo especialistas, a regra em vigor no momento em que o presidente homologar, por meio de decreto, a delimitação da terra. Ou seja, a partir do momento em que a lei do marco temporal for promulgada serão válidas as regras definidas pelo Congresso. Como o tema deve ser questionado com celeridade no STF, os órgãos responsáveis pela delimitação devem aguardar o desfecho jurídico.
Como o processo de demarcação pode se arrastar por anos, como registrado pelo STF em 2020 em um caso que perdurou por 10 anos em Santa Catarina, o imbróglio jurídico deve adiar as decisões dos órgãos envolvidos na delimitação das terras até que os Poderes cheguem a uma posição final.
Discussão sobre proposta de emenda à Constituição
A bancada do agronegócio decidiu abrir uma nova frente contra a decisão do Supremo que invalidou o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O princípio estabelecia que só áreas ocupadas até a promulgação da Constituição, em 1988, poderiam virar reservas. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) articula com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco, a votação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) na tentativa de resgatar a tese do marco temporal.
Segundo Vera Chemin, a discussão sobre a aprovação de uma PEC, no entanto, não afasta a iminente judicialização do tema.
“Há uma dificuldade do ponto de vista formal para se aprovar uma PEC”, disse Vera. “É preciso que ela seja aprovada em dois turnos em cada Casa legislativa. É preciso três quintos dos votos para a aprovação, ou seja, maioria qualificada. É preciso quórum mínimo para se iniciar a votação. Uma série de obstáculos. E novamente, caso aprovada, a PEC também deverá ser judicializada.”
Supremo pode mudar a sua própria decisão
Um outro cenário é mais distante, mas pode ocorrer. Se novamente provocado, o STF pode realizar um novo julgamento e decidir mudar o seu entendimento sobre a inconstitucionalidade do marco temporal. Essa possibilidade apenas seria mais viável em uma nova composição da Corte, e é uma das expectativas dos apoiadores da lei aprovada pelo Congresso, tendo em vista que muitas discussões demoram anos para serem finalizadas pelos ministros.
Revista Oeste, com informações da Agência Estado
Fonte: revistaoeste