A comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aceitou uma petição dos familiares das vítimas da tragédia na Boate Kiss, que pede a responsabilização do Estado brasileiro pelo incêndio, ocorrido em Santa Maria (RS), em 2013. A CIDH agora se prepara para avaliar o mérito do caso.
A petição foi apresentada à comissão, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2017. Os autores alegam que as vítimas morreram em condições cruéis, desumanas e degradantes, sendo asfixiadas e pisoteadas, e acusam o Estado de falhar na adoção de medidas preventivas.
Os familiares também destacam a demora no andamento do processo judicial, a impunidade e a falta de reparação dos danos. Segundo eles, foram violados direitos à vida, integridade pessoal, liberdade, segurança pessoal e garantias judiciais.
O relatório de admissão do caso, assinado pela presidente da CIDH, Roberta Clarke, pelo primeiro vice-presidente Carlos Bernal Pulido e por outros dois comissários, sugere negligência e falhas administrativas que culminaram no desastre, com múltiplas vítimas.
“O incêndio é associado a uma longa sequência de ações e omissões, desde a alegada concessão irregular de alvarás e a negligência na fiscalização das condições de segurança da boate até a conduta de agentes públicos e privados antes, durante e após o incêndio”, destaca o documento.
A CIDH também observa que, embora as investigações tenham começado rapidamente, a progressão para as fases seguintes foi lenta e problemática, com mais de dez anos sem que o processo penal fosse concluído.
A admissão do caso pela CIDH ocorreu em 19 de junho deste ano, mas a comunicação aos familiares das vítimas foi feita apenas na terça-feira 10, quando a íntegra do acórdão foi disponibilizada.
“Para nós, é um dia muito importante”, afirma a advogada Tâmara Biolo Soares, representante da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). “Agora, efetivamente, o Estado brasileiro é réu perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelo caso da Boate Kiss”.
“Ainda existe um processo pela frente, será uma caminhada longa, mas esse passo importantíssimo foi dado em busca de justiça para os familiares. Isso inclui a prisão dos réus que foram condenados pelo júri e a responsabilização dos agentes públicos que se omitiram e contribuíram para que a tragédia acontecesse e ceifasse a vida de 242 pessoas”, completou a advogada.
Na petição, os familiares alegam, entre outros pontos, que o Corpo de Bombeiros não dispunha de equipamentos de proteção adequados para resgatar as vítimas e relembram o tratamento dado aos corpos dos que não sobreviveram.
Ao enviar sua manifestação sobre o caso à CIDH, em junho de 2022, o Estado brasileiro culpou o município de Santa Maria, o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul e o Ministério Público gaúcho por omissões, negligência e falta de cumprimento da lei.
O Brasil alegou que o município concedeu licenças de forma irregular e não exerceu seu poder de polícia, que o Corpo de Bombeiros foi conivente com situações contrárias às normas de prevenção a incêndios e que o Ministério Público não embargou o funcionamento da boate.
O governo brasileiro também destacou a realização de 64 audiências e o depoimento de 215 pessoas durante o processo penal, evidenciando a complexidade do caso, e informou que as ações penais ainda estão em andamento.
Por considerar que os processos ainda estão em curso e que os recursos judiciais disponíveis no país não foram esgotados, o Estado brasileiro defendeu o fato de que a petição fosse rejeitada pela CIDH.
Ao enviar sua manifestação sobre o caso à CIDH, em junho de 2022, o Estado brasileiro culpou o município de Santa Maria, o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul e o Ministério Público gaúcho por omissões, negligência e falta de cumprimento da lei.
A petição apresentada ao órgão internacional é assinada pela AVTSM, o Instituto Juntos, os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia, Psicologia e Serviço Social do Rio Grande do Sul, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e o Sindicato dos Engenheiros do estado.
Depois de admitir um caso, a CIDH pode solicitar novas informações e provas das partes envolvidas, além de convocar audiências e reuniões.
Se concluir que o Estado cometeu violações, a CIDH pode fazer recomendações e até iniciar uma investigação oficial. Se as sugestões não forem seguidas, o caso pode ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Fonte: revistaoeste