Via @consultor_juridico | A tendência no Supremo Tribunal Federal de validar ações de policiamento ostensivo feitas por guardas municipais está levando o Superior Tribunal de Justiça a fazer uma revisão da sua própria jurisprudência.
Na sessão de julgamento da última terça-feira (15/10), a 6ª Turma do STJ validou as ações que levaram a flagrantes de tráfico de drogas em dois casos nos quais a guarda fazia patrulhamento como se polícia fosse. Ambos foram resolvidos por 3 votos a 2.
No HC 862.202, a patrulha ocorreu em um baile funk conhecido como ponto de venda de entorpecentes. Os suspeitos correram dos agentes e descartaram uma sacola que continha drogas.
Já no HC 796.390, a patrulha era feita em uma praça quando duas pessoas jogaram objetos no chão e mudaram a direção do caminho que faziam. Os guardas enxergaram fundadas suspeitas para fazer a abordagem, que culminou em apreensão de pedras de crack.
Relator dos dois casos, o ministro Og Fernandes considerou que não houve ilegalidade nas abordagens dos guardas, ainda que as ações não estivessem relacionadas com a direta e imediata tutela do patrimônio municipal — verdadeira função da corporação.
Essa interpretação desafia a maneira como o STJ vinha tratando o tema, uma tendência aplicada pela 6ª Turma, encampada pela 5ª Turma e pacificada pela 3ª Seção.
Um dos motivos é o julgamento do STF na ADPF 995, no qual a corte decidiu que as guardas municipais fazem atividades típicas da segurança pública e, com isso, são integrantes do Sistema de Segurança Pública (Susp).
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o julgamento no Supremo não autorizou agentes das GMs a fazer abordagens e buscas pessoais, mas acabou abrindo as portas para essa interpretação.
No começo deste mês, a 1ª Turma do STF validou provas obtidas por guardas municipais em uma busca domiciliar sem autorização judicial, atividade típica de policiamento ostensivo. O colegiado adotou a tese do flagrante permanente nos casos de tráfico de drogas. Ficou vencido o ministro Cristiano Zanin.
O Supremo também passou a cassar acórdãos que invalidam provas obtidas por guardas municipais, em reclamações ajuizadas por associações da categoria apontando o descumprimento do que foi decidido na ADPF 995.
Há decisões monocráticas dos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes nesse sentido — embora o STF registre também decisões de ministros como Cármen Lúcia e Luiz Fux rejeitando que a ADPF 995 seja usada para validar esse tipo de ação policialesca.
O cenário, portanto, é de iminente derrubada da interpretação mais restritiva dada pelo STJ com base na lei federal. Foi o que levou os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro a formar a maioria nos casos julgados na 6ª Turma.
Batalha perdida
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Rogerio Schietti, que reconheceu que se trata de “uma batalha praticamente perdida”. Ele destacou que a tendência de ampliar a atuação das guardas municipais vai além do Judiciário.
Um exemplo disso é o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em dezembro de 2023, que regulamentou trechos do Estatuto geral das Guardas Municipais e reforçou que elas podem efetuar prisões em flagrante, por exemplo.
“Pelo visto, iremos, com o tempo, transformar guardas municipais em policiais. E, com isso, iremos criar mais dificuldades do que temos”, destacou Schietti.
Esse problema já é há muito debatido. Guardas municipais não se submetem ao mesmo tipo de treinamento das Polícias Militares, nem estão sujeitas ao controle externo da atividade pelo Ministério Público. Elas respondem, única e diretamente, ao prefeito. E hoje andam armadas e têm equipes táticas de elite.
A divergência do ministro Schietti observou que o tema ainda não foi pacificado no Supremo. Pelo mesmo motivo, o desembargador convocado Otávio Almeida de Toledo também ficou vencido.
Tendência irreversível
Ao acompanhar o ministro Og Fernandes, o ministro Sebastião Reis Júnior ressalvou a própria posição. Ele entende que as guardas municipais estão extrapolando os limites de sua atuação, mas vê posições suficientes no Supremo Tribunal Federal para julgar de outra maneira.
Para o ministro Saldanha Palheiro, essa tendência no STF é irreversível, inclusive com base na realidade vivida no país, em que a ampla maioria das capitais brasileiras conta com guarda municipal armada.
“No STF, a tendência é nítida de dar maior flexibilidade à atuação das guardas municipais, sejam quais forem as razões que estão levando a essa percepção mais dilargada — talvez o índice elevado da criminalização”, pontuou Palheiro.
“É lamentável? É. Academicamente, até posso divergir, mas, como julgador, não posso dissentir do que a Corte Suprema estabelece”, disse ele.
- HC 862.202
- HC 796.390
- Rcl 70.751
- Rcl 67.860
- Rcl 63.163
- Rcl 62.455
Danilo Vital
Fonte: @consultor_juridico