Com a suspensão parcial do contrato da Prefeitura de Cuiabá com a MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, a empresa anunciou nesta terça-feira (20) que suspendeu 72 consultas (considerados não urgentes), e 12 cirurgias eletivas – aquelas que são agendadas – incluindo de uma idosa de 93 anos.
De acordo com o município o decreto não suspende as cirurgias e sim o fornecimento de OPMEs (Órteses, Próteses e Materiais Especiais). A prefeitura disse ainda que tem contrato com outra empresa que distribui esses materiais, com isso, a MedTrauma deve continuar realizando as cirurgias.
Entenda o caso
O decreto publicado nesta segunda-feira (19) pela Prefeitura de Cuiabá ocorre após uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que foi ao ar no último domingo (18), que mostrou como funcionava o suposto esquema de fraudes em procedimentos ortopédicos no sistema de saúde de Mato Grosso e outros dois estados envolvendo a empresa MedTrauma.
Entre as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União, elaborado pela Unidade de Auditoria Especializada em Contratações, estão diversos indícios de comercialização ilegal da medicina, falta de autorização da ANVISA, superfaturamento.
Além disso, ainda segundo o decreto, outras investigações de participação da empresa em cartel, abandono de contrato, entre outros.
Suspensão de cirurgias
Por meio de nota a MedTrauma informou que diante do decreto publicado nessa segunda-feira (19), a empresa suspendeu 72 consultas (considerados não urgentes), e 12 cirurgias agendadas nesta terça-feira (20), incluindo de uma idosa de 93 anos, que aguardava há 9 dias por uma operação no colo do fêmur. Apesar disso, a empresa continua realizando cirurgias de urgência e emergenciais.
Com a suspensão, o diretor-geral da ECSP (Empresa Cuiabana de Saúde Pública), Juarez Samaniego, notificou a MedTrauma sobre a ilegalidade da suspensão de cirurgias no HMC (Hospital Municipal de Cuiabá), já que o documento determina apenas que suspenda o fornecimento de Órteses, Próteses e Materiais Especiais através de adesões de uma Ata de Registro de Preço da empresa.
Porém, a MedTrauma alega que mesmo com a notificação obrigando a empresa a retomar 100% os serviços, isso não seria possível porque “o entendimento da equipe jurídica é de que estão impossibilitados de atuar nas unidades de Cuiabá”.
A empresa pede ainda que o prefeito da capital reformule o decreto, sob a justificativa de que a MedTrauma não fornece OPMEs, e sim as cirurgias, incluindo serviço médico e os materiais, e que, ao suspender todas adesão à Ata, a prefeitura suspende também o serviço médico.
Apesar disso, a empresa continua realizando cirurgias de urgência e emergenciais.
O que diz o decreto?
O documento publicado nesta segunda-feira (19) pela Prefeitura de Cuiabá, determina a suspensão imediata, para futuro cancelamento, do contrato de fornecimento de OPME’s junto a empresa Medtrauma.
O Art. 1º do decreto diz que a suspensão se refere à “todas as adesões de Atas de Registro de Preço e dos contratos firmados para o fornecimento de OPME’S, junto a Empresa Medtrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, obedecidos os preceitos constitucionais e legais para tanto”.
O documento destaca ainda que a Secretária Municipal de Saúde e a Empresa Cuiabana de
Saúde Pública deve a partir do decreto, priorizar o procedimento licitatório para contratação de uma nova empresa especializada no fornecimento de OPME’S, ou outro procedimento previsto em lei, com o objetivo de dar continuidade ao serviço.
Nota da MedTrauma
Por meio de nota divulgada nesta terça-feira (20) a MedTrauma diz que cumprirá a suspensão do decreto, e alerta que a medida irá prejudicar e impactar diretamente os mais de 400 mil cuiabanos que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde), além dos pacientes do interior regulados pelo Estado.
Em nota a empresa afirma ainda que os serviços foram interrompidos unilateralmente pela Prefeitura de Cuiabá, mesmo a MedTrauma tendo cumprido com todos os requisitos obrigatórios e legais para a execução de um serviço eficaz, e a Prefeitura estando três meses em atraso com os pagamentos necessários do contrato.
A MedTrauma ressalta ainda que em Cuiabá, a empresa disponibiliza uma equipe de 29 médicos e outros 12 profissionais que atendem 360 pacientes em consultas eletivas e realizam aproximadamente 85 cirurgias semanalmente, além do pronto atendimento na unidade hospitalar, e que ao todo, 1,8 mil pessoas deixarão de receber atendimento nos próximos 30 dias apenas em procedimentos agendados.
Contratação por Ata de Registro de Preços
A exemplo, uma empresa vence uma licitação para fornecer material escolar para a rede de ensino de um estado do sudeste. Essa licitação gera uma ata com uma relação dos preços de lápis, cadernos e outros itens. Um estado do nordeste também precisa comprar material escolar. Por lei, em vez de abrir uma nova licitação, ele pode utilizar a ata de registro de preços que foi gerada na licitação do sudeste.
“É uma modalidade de contratação que a administração pública faz. Muito interessante porque se de repente ela encontra uma oferta no mercado que é mais vantajosa do que o preço que está registrado, mesmo que seja uma oferta momentânea, ela pode comprar fora da ata”, explica Walter Cintra Ferreira, Professor em Gestão em Saúde / FGV.
“Uma ata de registro de preço não é ilegal. Agora, se essa ata ela, digamos assim, ela tem um vício, ela foi utilizada para superfaturar serviços e coisas desse tipo, ela acaba se disseminando para outros estados na medida que outros estados aderem a essa ata. Você no fundo, pode estar, e aí coloco ênfase, em ‘pode’, exportando um esquema ilegal de superfaturamento, eventualmente de corrupção para outros lugares”, diz Vinícius Marques de Carvalho, ministro da Controladoria Geral da União.
Fraude na Saúde
Em Mato Grosso, a empresa tinha contrato com o Estado e a Prefeitura de Cuiabá. Os contratos assinados pela MedTrauma foram baseados em documento chamado Ata de Registro de Preços (entenda como funciona mais abaixo).
No ano de 2021, o caminhoneiro Eduardo Goivinho, de 51 anos, precisava de uma cirurgia no quadril, e a Justiça do Mato Grosso determinou que o Estado fornecesse uma prótese de cerâmica. Contudo, após a cirurgia, Eduardo descobriu que a prótese implantada não correspondia àquela determinada pela juíza.
Eduardo questionou o hospital e recebeu uma nota fiscal de uma empresa chamada Prótesis Distribuidora de Implantes Cirúrgicos Ltda. A nota não tinha marca, modelo, validade ou registro da prótese na Anvisa, informações que são obrigatórias por lei.
Os materiais ortopédicos usados na cirurgia de Eduardo custaram mais de R$ 17 mil, todos fornecidos pela empresa Protesis. Esta empresa faz parte de um grupo com outras 9 empresas, incluindo a MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, sediada em Cuiabá. A MedTrauma possui contratos tanto com a prefeitura da cidade quanto com o governo de Mato Grosso para administrar toda a área ortopédica dos hospitais públicos do estado, tanto da capital quanto do interior.
“Até agora eu não sei que prótese colocaram em mim, que a do juiz, eu tenho certeza que não foi”, disse o caminheiro na reportagem.
No dia 2 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nas sedes da MedTrauma e empresas do seu grupo. Em Mato Grosso, o esquema também é investigado pela Operação Espelho, da Polícia Civil.
Fonte: primeirapagina