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Biografia de Viola Davis asfixia ao escancarar o racismo

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Talvez Viola Davis encarne o epítome da resiliência da mulher negra. A atriz americana é uma dessas pessoas que reconhecemos como uma grande guerreira de fibra.

 

Inspiradora, combativa nos discursos de aceitação dos grandes prêmios, perfeita nas suas atuações, lindíssima, sempre segura e sagaz, venceu a tudo e a todos.

Ela que nasceu abaixo da linha da pobreza em uma plantation -sistema agrícola de monocultura remanescente nas antigas regiões escravocratas dos Estados Unidos- no sul do país, região que lutou pela manutenção da escravidão na Guerra da Secessão e foi palco dos ataques racistas mais ferozes, tanto no passado segregacionista quanto no presente integrado.

Sofreu com a falta de roupas, comida ou água quente para o banho antes da escola durante o inverno. E, mesmo assim, chegou ao éden prometido a todos que não se parecem com ela.

Era de se esperar então que sua autobiografia, “Em Busca de Mim” (BestSeller, 2022), fosse uma narrativa de superação. Mas a superação é linear.

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E o que essas páginas oferecem são histórias multifacetadas, a serem modeladas pela própria leitura: quem procurar uma Viola que ganhou o mundo, mas perdeu a essência e precisou enfrentar o passado para dar sentido ao futuro encontrará.

Mas a leitura mais interessante talvez esteja nas fissuras desse caminho, por onde se entrevê uma história que, no fundo, não é individual; diz respeito a todas e todos nós, porque suscita o questionamento da desigualdade.

O que sobressai nesse olhar não é mérito, mas a sensação asfixiante de ver tão óbvio talento submetido a tamanha opressão, humilhação, subjugação. Não há como não pensar em quantas Violas devem ter ficado pelo caminho, enquanto gente menos competente -mas da cor certa- chega aonde ela chegou sem nem sequer transpirar.

Viola expõe pouco a pouco as veias ainda pulsantes desse racismo sistêmico naquela que é conhecida como a “maior democracia do mundo”. E é duro de ler.

 

Desfilam pelas páginas a construção sistemática do auto-ódio, a miséria no coração do capitalismo, violência doméstica, o dilema do perdão a um pai agressivo, o abuso sexual em troca de dinheiro, a difícil busca por amor, as inseguranças na construção da carreira, a redenção pela terapia, pela fé… Em suma, as diversas camadas de desumanização que constituem e ao mesmo tempo assombram a hoje aclamada Viola Davis.

Não há romantização da dor. A dor é o preço exorbitante que ela teve de pagar para chegar o mais longe que uma mulher com sua história e pele já havia chegado no teatro e no cinema. Isso também fez dela uma pessoa esgotada, incapaz de saborear o próprio sucesso.

Enquanto um sentimento de inadequação ganhava força nos bastidores, o que o público via era mais uma camada de violência, disfarçada de congratulação; um requinte extra de crueldade na proclamação da (manutenção do) status quo: “Somos inclusivos, sim, veja nossa Viola! Basta ter seu talento e coragem que você vai atravessar tudo isso e encontrar seu pote de ouro”.

Nas linhas ou entrelinhas, “Em Busca de Mim” é um manifesto profundo e bem escrito pelo resgate da humanidade da mulher negra adulta que, ao mesmo tempo, redime a garotinha de oito anos, esgueirando-se pelo portão dos fundos da escola para escapar da agressão cotidiana dos colegas de classe.

E nessa busca retroativa, do topo para trás, Viola Davis acaba fazendo uma declaração de amor às nossas mais humildes origens, às comunidades, famílias e lutas históricas por direitos -ainda pouco efetivos e muito voláteis.

É um texto capaz de indagar com honestidade as possibilidades de ascender num mundo de segregação (aberta ou velada), sem que se deixe a alma pelo caminho. E o que conclui essa protagonista cheia de rachaduras, profundas como as da casa da sua infância, é que o caminho até o pódio foi dolorido, angustiante e solitário.

 

EM BUSCA DE MIM
Preço R$ 49,90 (266 págs.)
Autor Viola Davis
Editora BestSeller
Avaliação Muito Bom

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Redação

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