Aos olhos de uma parte do eleitorado, especialmente o masculino, pagar dinheiro para esconder casos com uma coelhinha da Playboy e uma atriz pornô era de dar risada. Muitos gostariam, na verdade, de sair contando a vantagem pelo resto da vida.
Foi essa uma das reações da época em que afloraram, no calor da primeira campanha presidencial de Donald Trump, em 2016.
Também data da época a história de que Trump mandou pagar 30 mil dólares a um porteiro da Trump Tower que queria vender detalhes sobre um suposto filho fora do casamento do bilionário transmutado em político.
Transformar os métodos tortuosos usados por Trump — e poucos duvidam deles — num crime daqueles que dá cadeia é o que o chefe da promotoria de Manhattan, Alvin Bragg, pretende fazer.
A munição que mostrou ontem não é arrasadora. Muito longe disso. O elefante que manteve os Estados Unidos em estado de suspense nos últimos dias produziu um elenco de acusações requentadas. Uma das mais sucintas análises sobre o caso foi o do senador Mitt Romney, inimigo jurado de Trump, um dos poucos republicanos que se revoltaram contra ele e votaram a favor de seu impeachment: “Acredito que o caráter e o comportamento do presidente Trump o tornam impróprio para o cargo. Mesmo assim, acredito que o promotor está forçando a acusação de crimes graves para encaixá-las numa agenda política”.
“Ninguém está acima da lei, nem mesmo ex-presidentes, mas todos têm direito a tratamento igual perante a lei”.
É claro que qualquer julgamento, de qualquer político, em qualquer lugar do mundo, pode ser encarado como político. Ainda mais nos Estados Unidos, onde um cargo como o de Alvin Bragg, equivalente a chefe da procuradoria de Manhattan, é determinado pelo voto direto.
Bragg, que mostrou autoridade e equilíbrio nas declarações depois que Trump passou pela audiência, é do Partido Democrata e apaixonadamente político. Fez campanha mirando o ex-presidente. Nada disso é ocultado ou disfarçado.
Mais indiretas são as simpatias do juiz Juan Manuel Merchan. Trump ainda estava se apresentando à Justiça quando circularam as informações de que a filha dele, Loren Merchan, tem uma empresa de estratégias digitais que prestou serviço à campanha de Joe Biden e Kamala Harris. Tem mais: ela também trabalhou para Adam Schiff, que como deputado pela Califórnia chefiou a comissão encarregada do primeiro impeachment de Trump.
Juan Merchan pode ser o juiz mais imparcial do planeta e jamais ter trocado uma única palavra com a própria filha sobre Trump, mas reforça os sentimentos da parte do público que acha que o julgamento tem motivação política.
E não é pouca gente: uma pesquisa da CNN apontou que, no total, 52% dos americanos acreditam nisso (por simpatias partidárias: 93% dos republicanos, 52% dos independentes e 25% dos democratas).
Apenas 10% acham que Trump foi um anjo no caso do pagamento de 130 mil dólares feito à atriz pornô Stormy Daniels através do advogado Michael Cohen — provar que esse dinheiro foi maquiado pelas empresas Trump para uso político na campanha presidencial é a grande tarefa da promotoria. Sobre a natureza desse ato, quase 40% dos americanos acham que foi ilegal, 37% consideram que não foi ético, mas tampouco criminoso, e 20% não têm certeza.
“É um insulto para o nosso país. O único crime que cometi foi defender destemidamente nossa nação daqueles que querem destruí-la”, disse Trump ao voltar para a Flórida e não dar a menor atenção à recomendação do juiz Merchan para moderar a linguagem.
Os pagamentos para esconder coelhinhas na cartola foram feitos de duas maneiras. A primeira, e mais conhecida, foi através de Michael Cohen, o advogado fiel transformado em delator, e beneficiou Stormy Daniels. A falsificação de registros comerciais para reembolsá-lo está no cerne da acusação.
Outro método foi o uso de David Pecker, diretor da American Media Inc, que publicava o tabloide National Enquirer. Ele propunha comprar as histórias comprometedoras para Trump, pagava os acusadores e engavetava o caso. Foi o que aconteceu com a modelo Karen McDougal, interessada, como Stormy Daniels, em monetizar um relacionamento passado com Trump, e o tal porteiro. Ambos os casos já eram conhecidos desde 2016, mas Pecker poderá se transformar em testemunha de acusação, o que enfraqueceria Trump.
Estrategistas democratas estão espalhando que Joe Biden adoraria ter Trump, de novo, como adversário eleitoral porque o ex-presidente estaria irremediavelmente enfraquecido. Raposas republicanas falam exatamente o oposto: a ideia que Trump está sendo perseguido pela Justiça reforça sua posição.
As pesquisas ainda não apontam nenhuma grande mudança. O único fato garantido, por enquanto, é que os Estados Unidos continuam patinando no caminho da divisão política e de candidatos que são mais, no caso de Trump muitíssimo mais, do mesmo. É uma tristeza.
Fonte: Veja