Depois de ser libertada do cativeiro, a israelense Aviva Adrienne Siegel, de 62 anos, ainda se ressente em falar sobre muitas situações vividas no contato diário com os terroristas do Hamas.
Ela, que é professora do jardim da infância, foi uma das vítimas dos ataques de 7 de outubro ao kibutz Kfar Aza, próximo à Faixa de Gaza. O marido de Aviva, o americano Keith Samuel Siegel, de 63 anos, terapeuta ocupacional, ainda não foi libertado.
O sobrinho deles, Natan Siegel, de 38 anos, conversou com a tia depois do retorno dela. A Oeste, ele contou que, das lembranças que ela consegue relatar, ficou a sensação de que ela não estava só. Ao contrário da mensagem que os terroristas queriam lhe passar.
“É incrível poder ver minha tia de novo, abraçá-la de novo, falar com ela”, comemora Natan.
“Ela ainda parece a mesma pessoa que era quando foi tirada de nós. Claro, nós sabemos que ela não está recuperada. Ainda há coisas que ela não está disposta a falar, mas talvez com o tempo ela vai, e, se não, está tudo bem, não precisa dividir tudo. O importante é que ela está conosco.”
Ele diz que, neste momento, Aviva, refém por 51 dias, experimenta outro lado das consequências dos ataques. Em vez de sequestrada, ela está no papel daqueles que tiveram familiares levados pelos extremistas.
“Agora o objetivo dela é o retorno do marido, meu tio”, conta Natan. “Mais do que na situação dela, minha tia só pensa nisso.”
Mesmo com dificuldades, Aviva, que tem quatro filhos e cinco netos com Keith, conseguiu contar algumas passagens e falar sobre sensações durante o período em que foi refém.
“Ela viu os terroristas, e eles não disseram os seus nomes”, conta o sobrinho.
“Ou melhor, eles disseram os seus nomes, mas ela tem certeza de que eles eram falsos.”
A maior parte das conversas com os sequestradores era curta.
“Eles falavam um pouco, em geral não falavam mais do que ‘venham para cá’, ‘para lá’, ‘fiquem quietos’, ‘venham conosco’”, disse o sobrinho.
Pressão psicológica
Os terroristas eram rudes e, nas vezes em que iam além das frases curtas, faziam uma guerra psicológica com os reféns.
“Os sequestradores enganavam, falavam como se a situação de Israel estivesse muito pior do que está na guerra”, ressalta Natan, que é casado com uma brasileira nascida em Curitiba (PR).
“Eles [terroristas] contavam que o Hamas foi muito além do que foi na realidade durante os ataques e que um número muito maior de pessoas havia morrido ou se ferido.”
Com o tempo, os reféns perderam a noção de quantos dias se passaram desde os ataques, afirma o sobrinho.
“Os sequestrados não sabiam realmente o que estava acontecendo, há quanto tempo estavam lá”, conta Natan. “Claro, os reféns ouviam os bombardeios, tiros e sabiam que as Forças de Israel já estavam em Gaza.”
Os terroristas também queriam convencer os reféns de que ninguém em Israel estava se importando com eles.
“Minha tia nos disse que sempre pôde sentir o nosso amor e apoio”, ressalta Natan. “Então ela não acreditava quando os terroristas lhe diziam que ninguém se importava com os reféns e que o governo de Israel os estava deixando morrer lá.”
No papel de familiar
Em 7 de outubro, Aviva e Keith estavam em sua casa no kibutz Kfar Aza, onde vivem há mais de 40 anos. Durante os ataques terroristas, o casal se escondeu no quarto seguro que possuem em casa.
Ficaram se correspondendo com os familiares por mensagens de texto até as 10h15 da manhã, quando mandaram a última mensagem antes de ser levados para Gaza.
Para Natan, é um dos piores sofrimentos saber que seu parente querido está em mãos de sequestradores cruéis e desumanos. E, ao mesmo tempo, esperar alguma humanidade deles.
A família continua muito apreensiva, diz Natan, porque o marido de Aviva, Keneth, ainda não foi libertado. Cabe então, conforme ele diz, aos que esperam por notícias boas, analisar o contexto político para alimentar o otimismo.
“O que sabemos, e esperamos por isso, é que todos os reféns são como cartas na manga dos terroristas” observa Natan. “São a maneira de eles pegarem os seus prisioneiros (em Israel) de volta.”
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O familiar ressalta que, neste sentido, o objetivo inicial do grupo terrorista não é matar os reféns. É nisso que todos os parentes de vítimas estão se apegando.
Para ele, a crueldade dos terroristas se manifesta na tentativa de traumatizá-los e deixá-los em más condições físicas. Não há cuidados médicos nem humanitários. Mas, na irracionalidade dos terroristas, eles não os querem mortos, por interesse dos próprios extremistas.
Cada vez mais, no entanto, ele entende que há uma lógica em toda essa ação dos sequestradores.
“Eles precisam dos reféns, digamos assim”, conta sobrinho. “Então, há alguma esperança que eles tenham de mantê-los vivos, mas nós sabemos, com a minha tia voltando, que não havia muita comida ou água, então. Eu acho, que até um certo ponto, eles não os querem mortos.”
Por nova trégua
Nessa lógica, ele apela ao governo de Israel que dê continuidade às tréguas, do mesmo tipo que, entre 24 de novembro e 1° de dezembro, libertou Aviva, outros 79 reféns e 210 palestinos que eram prisioneiros em Israel. Isso para que os reféns que ficaram, entre eles o tio de Natan, possam ser libertados.
“Eu realmente gostaria que o governo parasse os ataques e que todos os reféns voltassem de uma vez”, avalia o sobrinho.
“O governo de Israel deve priorizar o retorno dos reféns sobre a ação militar. Nós vimos que a trégua funcionou, com o retorno diário de dez a 13 pessoas. Sim, funcionou, sabemos que funcionou, mais de cem pessoas já voltaram, devemos tentar retomar essa situação de novo.”
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Aí, então, ele observa que futuramente os bombardeios das poderiam ser reiniciados, para que Israel dê um fim ao poderio do Hamas.
“Nós, israelenses e palestinos, não temos como encontrar um acordo enquanto o Hamas estiver no poder”, observa ele.
“Não há como falar com eles, e o 7 de outubro é prova disso. Os palestinos, em grande parte, também não os querem. Tenho certeza de que eles têm medo de falar, porque a repressão é grande demais. Se disserem algo contra os terroristas, eles simplesmente os matam.”
A rotina dos parentes de reféns é baseada em altos e baixos. Da esperança à desilusão. Natan se inclui nesta lista e, depois de se animar com a lembrança da tia, se entristece, porque quase nada sabe sobre o tio.
“Estamos agradecidos, porque minha tia está de volta”, ressalta. “Mas ainda esperamos por meu tio, sabemos que ele estava vivo, mas, claro, a cada dia que passa há sempre uma chance de que algo aconteça.”
Ele só retoma o otimismo quando fala sobre seu vínculo com Israel.
“Israel é minha casa, sempre foi, durante a minha vida inteira. É o país que amo.”
Então Natan volta a se animar. Pelo menos, por um certo tempo.
Fonte: revistaoeste