Sophia @princesinhamt
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Racha interno na Rússia: briga entre força mercenária e exército regular

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Quem está fora, custa a entender o culto à hierarquia em todas as forças armadas. Quantos filmes de guerra já foram feitos mostrando combatentes se rebelando contra ordens absurdas ou autodestrutivas?

Quem vê por dentro o complexo funcionamento de uma máquina de guerra, entende melhor a necessidade de parâmetros rígidos para ordenar situações em que a vida de seres humanos e até o destino de nações inteiras dependem de ordens bem formuladas, bem transmitidas e bem executadas – na medida de possível, considerando-se o efeito da famosa névoa que envolve os combates, multiplicando por muitos milhares a máxima suprema de Mike Tyson (“Todo mundo tem um plano até que leva um soco na boca”).

O que está acontecendo agora entre as forças russas em combate na é uma quebra de hierarquia. Ou melhor, o levante da hierarquia paralela incentivada por quando permitiu que Ievgueni Prigozhin, um ex-dono de restaurante transformado em íntimo do poder criasse uma força militar própria, o Grupo Wagner.

Da Síria ao Mali, os wagneristas, como são chamados, prestaram bom serviços, recompensados por bons salários e pelos frutos da exploração de poços de petróleo que “liberassem” ou do ouro extraído nas mais torpes condições, com métodos de tortura tão brutais que impressionaram até militantes do ISIS.

Prigozhin, que tem ambições muito mais amplas do que as de um homem que fez fortuna ganhando contratos camaradas para fornecer refeições ao exército russo, viu na Ucrânia a chance de ser coroado um salvador da pátria. Agora, está falando a linguagem dos traidores, em ataques furiosos contra os dois principais cabeças da guerra de agressão, o chefe do estado-maior das Forças Armadas, general Valeri Gerasimov, e o civil Serguei Shoigu. No último ataque de nervos, mostrou corpos empilhados de wagneristas e pegou pesado no discurso.

“O chefe do estado-maior e o ministro da Defesa estão dando ordens a torto e a direito para que o Wagner não apenas não receba munição, mas também transporte aéreo”, trovejou, aos berros. “Isso pode ser comparado a traição à pátria, num momento em que o Wagner está lutando por Bakhmut e perdendo centenas de combatentes todos os dias”.

Indiretamente, Prigozhin confirmou informações dos militares ucranianos sobre o inacreditável número de mortos provocado por uma batalha sem grande valor estratégico. Confirmando o desprezo pela vida de seus próprios combatentes, uma triste característica russa, os comandantes de Prigozhin mandam uma primeira onda de convocados nas prisões. Inevitavelmente, são todos mortos. Daí vem a segunda onda. Todos mortos. Eventualmente, conseguem cansar a defesa ucraniana e avançar, em alguns casos distâncias tão ridículas, considerando-se as baixas, como um metro ou até 50 centímetros.

Conquistar Bakhmut virou questão de honra para Prigozhin – e agora também questão de sobrevivência política. Ele só pode se safar dos ataques aos dois homens mais importantes da estrutura militar se tiver algo muito bom para mostrar.

Manter a cúpula militar em estado de insegurança é uma antiga tática comunista, do período em que comissários políticos vigiavam e controlavam todos os oficiais, por mais estrelas vermelhas que tivessem nos ombros. Mas chamar de traidores Gerasimov, deslocado para o comando direto da , e Shoigu, um raro amigo de Putin, companheiro de pescarias pela imensidão siberiana em tempos menos complicados, é demais até pelos velhos padrões stalinistas.

Se os dois principais responsáveis pelo comando da guerra são “traidores”, o que os russos comuns podem pensar? Que o mundo construído por Putin obviamente está desmoronando.

O racha público e notório acontece num momento de alta volatilidade da guerra que completa um ano amanhã. Putin quer passar a imagem de que tudo vai bem na “operação especial” e a Rússia não está nem aí para as sanções ocidentais. Para o público estrangeiro, quer foco na mensagem – puramente chantagista – de que o apoio à Ucrânia pode desandar para uma guerra nuclear.

Como conciliar isso com imagens de pilhas de corpos e um homem furibundo falando insanidades?

Todos os militares, de qualquer país ou qualquer filiação, simplesmente abominam as chamadas interferências externas. Ouvir xingamentos de um ex-presidiário e ex-cozinheiro não melhora muito esse estado de espírito.

Prigozhin não pode terminar bem, pois nesse caso a cúpula militar russa terá terminado mal.

Vários blogueiros militares, que são todos de linha duríssima, apoiam o chefe do Wagner e acham que as forças regulares estão mal comandadas.

“A alta cúpula está sabotando a ofensiva russa (em Bakhmut)”, escreveu um deles. “A missão de todo blogueiro russo agora é levantar esta questão da forma mais estrondosa possível, para lhe dar prioridade máxima. Caso contrário, seremos todos cúmplices nesse processo diabólico que tem por intuito exterminar a vitória russa”.

A coisa está feia. E a existência de uma hierarquia paralela só a torna pior. 

Se não for controlada, quanto tempo demoraria para que wagneristas desesperados começassem a trocar balaços com soldados regulares, brigando por material bélico que julgam estar sendo sonegado a eles?

Não seria uma briga fácil. Calcula-se que os wagneristas têm de 20 mil a até 50 mil homens na Ucrânia, incluindo os ex-militares que são contratados para formar o grosso do grupo e os infelizes recrutados nas prisões que se dispõem seis meses na frente de combate em troca de um indulto.

O grupo se chama Wagner por causa do nome de guerra de seu fundador original, Dimitri Utkin, um admirador do compositor alemão e da ideologia ultranacionalista no espectro da eslavofilia. Estará seu líder atual ouvindo a quarta parte da mais estrondosa ópera de Wagner, sobre o crepúsculo dos deuses?

Fonte: Veja

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