Na América Latina estão concentrados 37% dos homicídios de todo o planeta. A mais recente pesquisa da Prosegur Research, de 2022, define a região como a mais violenta do mundo. A maioria de seus países carrega uma marca em comum: o crescimento do crime organizado, do narcotráfico e o surgimento de verdadeiros governos paralelos.
A região alcançou um índice preocupante de 21,5 homicídios por 100 mil habitantes, mais de três vezes a média global.
Motivado pelos altos lucros do tráfico, o desenvolvimento do crime organizado tornou-se a principal e maior ameaça na região, conforme o relatório do Prosegur.
“O poder das gangues e redes criminosas pode permitir-lhes exercer o controle territorial sobre grandes áreas geográficas, impondo regras e normas de justiça ou segurança.”
Apesar deste fenômeno carregar, em cada país, uma peculiaridade, o tráfico de drogas se torna um denominador comum que vincula todos eles. Para o conselheiro do Instituto Monitor da Democracia, Mário Machado, esses índices retratam fenômenos básicos em vários países da região.
“O processo de esgarçamento do tecido social, que permitiu a criminalidade chegar ao ponto de paralisar cidades, usar táticas terroristas e extremamente violentas tem origens muito parecidas”, afirma a o especialista, que é consultor em Relações Internacionais.
“A causa destes índices de violência estão ligadas a fatores como enfraquecimento de instituições políticas, corrupção, sistemas judiciários lentos na resposta, sistemas prisionais cooptáveis pelo crime, baixo crescimento econômico, falta de oportunidades que tornam a vida criminosa atrativa.”
A Colômbia, mesmo com um aumento da repressão do governo e o acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016, ainda é o maior produtor mundial de cocaína.
O país tem ampliado as colheitas de folhas de coca em quase 13% em 2022 e atingiu recorde de 230 mil hectares, segundo relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Undoc).
A diferença agora é que, com os cartéis locais fragmentados e mais vigiados, o produto tem escoado para os vizinhos, o que fortalece grupos criminosos em outros países, como se viu no Equador nos últimos tempos.
É aí que entra a peculiaridade de cada país. O fenômeno é o mesmo: crise social, criminalidade, ausência de controle do poder público. Mas, em função de características geográficas, muitas vezes os processos ocorrem de forma distinta.
, em função do estuário de Guayaquil e seus 28 portos, além de diversos canais que interligam pontos da cidade e facilitam o transporte das drogas.
O país se tornou mais um dos integrantes desta indústria do crime em que as ordens para assassinatos, a prática da violência, as ameaças e as intimidações partem dos próprios presídios.
No último dia 8 de janeiro, tiveram início uma série de ações dos criminosos, ligados a grupos no México e na Colômbia, depois de Adolfo Macías, conhecido como Fito, chefe da principal quadrilha criminosa do país, Los Choneros, fugir de uma prisão em Guayaquil.
Ameaça midiática que evidenciou o problema
A fuga foi seguida de uma série de ordens para espalhar o terror, com homens armados com fuzis e granadas tomando, por exemplo, conta dos estúdios da TC Televisión. A atitude midiática gerou pânico na população e problemas para o presidente Daniel Noboa, o mais jovem da história do país, no cargo desde outubro de 2023.
No mesmo dia 8 Noboa decretou estado de emergência de 60 dias, incluindo toque de recolher e presença militar nas ruas e nas prisões.
Para Machado, do Instituto Monitor da Democracia, a atitude do governo foi importante. Mas não tem a capacidade de ir além e apagar um “incêndio”, que há muito indicava que iria ocorrer.
“O Equador viveu um processo de muita desconfiança do poder político com as forças de segurança ameaças realistas e outras nem tanto de golpes e quarteladas, o que enfraqueceu muito as atividades de investigação e até mesmo policiamento ostensivo”, afirmou o especialista.
“Os criminosos foram capazes de realizar ações ousadas como a invasão dos estúdios de TV e o assassinato do promotor que investigava o caso [César Suárez].”
Desde o início da revolta, o governo adotou uma política repressiva em que foram detidas quase cinco mil pessoas. Destas, segundo relatório das autoridades, somente 237 dos detidos, 4,8% do total, são acusadas de terrorismo.
Noboa, enquanto isso, pediu apoio ao projeto de lei que enviou para discussão na , que inclui modificações econômicas que, segundo ele, são necessárias para enfrentar o conflito armado interno. Nele, o imposto sobre valor acrescentado (IVA) aumentará de 12% para 15%.
O próprio presidente ressalta que o momento é crucial. Segundo ele, caso as rebeliões, que se estendem já por mais de três anos, não sejam controladas, poderão se alastrar por outros países, nesta região em que o crime não tem fronteiras.
“O que acontece no Equador, também, apresenta o risco de efeito demonstração, isto é, servir de exemplo para criminosos em outras jurisdições que apresentam contextos semelhantes.”
Segundo Machado, cada país, neste momento, tem a capacidade de se tornar uma referência negativa para outros “em que grupos podem aumentar seu poder, dominar espaços físicos das cidades e unidades prisionais ou até mesmo influenciar processos legislativos e investigações usando o medo como ferramenta.” Uma ferramenta cada vez mais presente na América Latina.
Fonte: revistaoeste