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O que significa uma América Latina esquerdista? Se não piorar, já está bom

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Unasul, Parlatino, Pátria Grande e outras instituições ou conceitos que pareciam ter entrado no horizonte de eventos vão ser reativados com a vitória do presidente eleito Lula e a extensa irmandade ideológica e territorial que ela cria na América.

Desde Porto Williams, na Patagônia, a Punta Gallinas, o ponto no extremo norte da Colômbia, estende-se a formidável massa territorial com governos de esquerda. Avançando pelo Caribe, alinham-se ainda a Nicarágua do sinistro Daniel Ortega; Honduras com a presidência terceirizada
por Xiomara Castro, a mulher do chapelão Manuel Zelaya, e, claro, o eternamente falido socialismo à cubana. Subindo mais, chegamos ao México, onde Andrés Manuel López Obrador é um esquerdista fora do padrão.

Restam governos de direita na América do Sul em apenas três países com peso regional menor: Uruguai, Paraguai e Equador.

Alguns dos governos esquerdistas olham para o Brasil sob um terceiro governo Lula como a tábua de salvação. Cuba, com o estado de miséria acelerado por apagões de até dez horas por dia, certamente espera mais dinheiro do contribuinte brasileiro, talvez escondido atrás de uma nova
cortina de fumaça, considerando-se o conhecido calote da última rodada. A desfaçatez foi tão grande que o BNDES aceitou como garantia para o Porto de Mariel ingressos futuros provenientes da exportação de charutos.

Trocar charutos por um porto novinho em folha não parece ter sido um bom negócio para os brasileiros que ficaram no prejuízo.

Para a vice-presidente argentina Cristina Kirchner, o lulismo ressurgido traz uma dupla esperança: a de se passar por vítima de uma justiça persecutória, tal como o os partidários de Lula tanto apregoaram, e de algum alívio indireto numa política econômica tão espetacularmente atordoada que uma taxa de juros de 69,5% e onze tipos de câmbio são considerados aceitáveis.

Como fez Lula, Cristina espera ser candidata à Presidência outra vez, mesmo carregando a pesadíssima bagagem de três processos por corrupção. O atentado fracassado no começo de setembro não melhorou muito sua imagem fora da esfera dos kirchneristas roxos. Segundo uma pesquisa recente, a Frente de Todos nem chegaria ao segundo turno. A eleição presidencial é o ano que vem e a oposição, embora na frente, sempre terá a chance de dar vários tiros no próprio pé, como está fazendo agora.

Disparos foram em prejuízo próprio foram a especialidade que levou, desnecessariamente, o governo Bolsonaro a detonar a sua imagem internacional. Primeiro, com uma chancelaria dominada por fabulações surrealistas. Segundo, com a indiferença à ideia generalizada de que era um “queimador de floresta”.

Esse foi o rótulo que mais colou, independentemente de suas conexões com a realidade e dos interesses protecionistas disfarçados, por exemplo, por Emmanuel Macron ao dizer, durante um surto de incêndios florestais, que “nossa casa está em chamas”, quando na verdade pensava em plantações de soja na casa dele, ou pelo menos na Normandia. O presidente francês não tem nada de tolo e atacá-lo pessoalmente – ou, pior ainda, a aparência de sua mulher – mostra falta de profissionalismo para conduzir um debate em proveito próprio. Lacrar na internet não é fazer política externa.

O governo Bolsonaro deveria saber, ou ser informado por profissionais, que partiria sempre de um saldo negativo, considerando-se que a imensa maioria dos meios de comunicação tem simpatias por praticamente toda a turma com quem ele comprou briga.

Existem brigas que vale a pena comprar, outras que causam desgastes inúteis e prejudiciais. É um fato da vida. Por exemplo, a eleição de Gabriel Boric no Chile e de Gustavo Petro na Colômbia – dois países que pareciam imunes ao esquerdismo boliviariano – foi recebida pela imprensa estrangeira com aprovação quase universal, quando não deslumbramento.

Curiosamente, as maiores críticas a Boric foram feitas por companheiros de estrada. Diosdado Cabello, o virulento manda-chuva do regime madurista, insultou o jovem presidente chileno por ter criticado a situação dos direitos humanos na Venezuela, chamando-o de “bobo” e “cachorrinho”. Daniel Ortega repetiu na Nicarágua o insulto canino.

Repercussão? Fora do Chile, zero. Poucos querem falar de um assunto incômodo como brigas entre esquerdistas.

Também foi diluído o discurso delirante de Gustavo Petro no Assembleia Geral da ONU. Apresentado como um argumento racional sobre a inutilidade da guerra às drogas, Petro foi muitíssimo além disso. Disse que o petróleo e o carvão são piores do que a cocaína e afirmou, delirantemente, que a destruição da Amazônia colombiana é resultado das fumigações feitas contra as plantações da planta da qual a droga é derivada. Ele tem um plano de anistiar grandes traficantes que se “arrependerem” e mudarem de ramo. O que pode dar errado com isso, não é?

Um eixo Venezuela-Colômbia com a liberação, na prática, do tráfico, implica numa mudança geopolítica que deve ser levada em conta por qualquer formulador de política externa. Na Bolívia, nem se fala: está toda dominada, inclusive por criminosos brasileiros.

O mundo em que estão entrando o novo governo Lula e seu velho slogan sobre política externa – “Ativa e altiva”, em geral um sinônimo para o antiamericanismo infantil que é uma tendência forte da diplomacia brasileira – ficou um lugar mais perigoso. Ao mesmo tempo, abre novas oportunidades para o Brasil.

A invasão da Ucrânia cria dilemas importantes. Como conciliar pragmatismo, uma necessidade para países que não são autossuficientes em produtos vitais, e a obrigatória adesão aos princípios mais fundamentais da convivência internacional?

Nisso, esquerda e direita nacionalista se irmanam. Ambas querem ficar, vergonhosamente, do lado da Rússia e prognosticam um bloco eurasiano que engolirá o Ocidente. Até a China, que tem muito mais em jogo – inclusive a eventual hegemonia mundial -, disfarça mais habilmente seus propósitos, sem se comprometer com propostas de resolver com rodadas de cerveja um conflito no qual a Rússia quer nada menos que a extinção de um país vizinho.

Um bloco esquerdista latino-americano que aposte, como faz uma ala da nova direita, no declínio dos Estados Unidos e da Europa e se jogue nos braços abertos chineses é o que se chama em inglês de game changer, uma mudança nas regras do jogo.

O risco é que seja para pior. O histórico de fracassos dos governos da última onda esquerdista sempre pode ser superado. Políticas externas alinhadas produziram, por exemplo, a suspensão do Paraguai do Mercosul, pelo impeachment do hoje esquecido Fernando Lugo, e a admissão da
Venezuela. O que poderia dar errado com isso, não é?

Hoje, ficou mais difícil abraçar efusivamente o chavismo do que na época de Chávez, mandar um pobre boxeador cubano de volta à ilha em lugar de lhe conceder o obrigatório direito de asilo e dar um empregão para alguém como Néstor Kirchner (na Unasul, sepultada depois pelos governos de
direita que se sucederam nos principais integrantes).

O presidente eleito acredita que foi um sucesso em política externa nos dois primeiros mandatos porque semeou embaixadas improdutivas, entre outras bondades. Pretende, muito provavelmente, repetir a dose.

Tem a vantagem da boa vontade com que muitos governos estrangeiros o receberão, uma imprensa que majoritariamente fez até o beija-mão preventivo, uma máquina de produzir divisas e abrir portas chamada agronegócio e o processo avançado de ingresso na OCDE.

Se não estragar isso, já estará bem menos ruim do que vizinhos movidos a impulsos autodestrutivos.

Fonte: Veja

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