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Judeus contra judeus: a praga da radicalização política inferniza Israel

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Vamos começar com uma piadinha dos velhos tempos: 

“O general Smith e o general Goldstein comparam suas forças durante manobras militares. O americano diz que nada se iguala à bravura de seus soldados. O israelense quer provar seus próprios homens e chama um pracinha que está passado. 

‘Soldado Barak, pare aquele tanque simplesmente ficando na frente dele’.

‘Você está maluco? Eu seria morto. Que tipo de idiota você é?’

‘Está vendo?’, diz Goldstein ao americano. ‘Tem que ser muito corajoso para falar assim com um general’.”

Os judeus israelenses sempre se orgulharam de “falar assim” com quem quer que fosse, cultivando uma agressividade verbal que se derramava sobre um panorama político onde direita, esquerda e seus extremos se enfrentavam como se estivessem a um passo da guerra civil.

Hoje, lamentavelmente, isso não é mais uma hipérbole. O tipo de radicalização política que leva à negação total do outro ocorrida em outros países, com os Estados Unidos à frente, está colocando fogo em Israel.

Alguns elementos que criam esse quadro incendiário envolvem os seguintes fatores:

— Partidos de extrema direita conseguiram uma votação recorde e fizeram um acordo para formar governo com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, impondo condições que até recentemente pareciam impensáveis. A retórica não fica atrás. Bezalel Smotrich, sionista religioso que tem o estranho cargo de ministro das Finanças, disse que a localidade árabe de Huwara deveria ser “varrida do mapa”.

Saiu de Huwara o assassino que matou os irmãos Hallel e Yagel Yaniv, de 19 e 21 anos, baleados dentro de seu carro.

Em represália, cerca de 400 moradores de um assentamento judaico vizinho atacaram Huwara e outras localidades palestinas, incendiaram casas e carros, mataram um homem, deixaram centenas de feridos e entraram em choque com as forças militares despachadas para controlar a situação.

Os pais dos irmãos assassinados inicialmente pediram, com grande nobreza, que cidadãos comuns não tomassem a lei em suas mãos e deixassem as autoridades cumprir suas funções. A mãe desconsolada, Esti, mudou de opinião depois que partidos israelenses de esquerda começaram a levantar doações para os moradores de Huwara.

“Estão ajudando as pessoas que distribuíram doces quando meus filhos foram assassinados”, disse ela, referindo-se a uma tradicional comemoração árabe.

— Netanyahu quer aproveitar a maioria relativamente confortável que tem no congresso e aprovar uma reforma profunda da Suprema Corte que mantém o país há dois meses e meio em permanente estado de conflagração, com manifestações diárias.

A reforma muda a formação e tira poderes do tribunal superior, alguns realmente excessivos, e tem sido condenada por todo mundo que não simpatiza com os partidos do governo — inclusive, segundo uma pesquisa, 60% da população. 

De funcionários do Mossad aos principais empresários e investidores do país, a condenação é extremamente disseminada, em especial porque todos identificam o desejo de Netanyahu de se livrar dos três processos por corrupção de que é alvo. A mais recente manifestação é de reservistas das forças armadas — ou seja, todo mundo abaixo dos 40 anos — que ameaçam não cumprir os deveres anuais de serviço ativo em protesto contra o governo.

Juristas conservadores acham que o ex-presidente da Suprema Corte, Aharon Barak, exacerbou em suas atribuições, “violando o princípio do equilíbrio entre os poderes”. Para complicar, Israel é um dos poucos países do mundo sem uma constituição.

Os protestos são enormes e podem chegar ao campo do imponderável. Na quarta-feira passada, Sarah Netanyahu ficou ilhada durante horas no cabeleireiro em Telavive, enquanto manifestantes gritavam palavras de ordem. Líderes da oposição disseram, corretamente, que isso era errado, mas a mulher do primeiro-ministro só foi resgatada por uma operação especial da polícia.

— Tudo isso acontece num momento em que os palestinos também se inclinam pela radicalização e atentados individuais ou em grupo contra judeus israelenses aumentam. Sair de casa e planejar como escapar de uma facada ou de um atentado a bala é uma triste realidade para judeus israelenses que viram 27 civis e três militares mortos assim no ano passado.

 O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, está com 87 anos e com a reputação prejudicada. O Hamas aumenta em popularidade e grupos terroristas como o chamado Cova do Leão, operam livremente nas áreas que a Autoridade Palestina deveria controlar. A repressão israelense por motivos óbvios, é violenta e contribui para a radicalização mútua. Onze palestinos foram mortos no cerco a uma célula da Cova do Leão em Nablus e 300 ficaram feridos. Dez dos mortos eram terroristas.

Em condições menos exacerbadas, o pragmático Netanyahu armaria com a tradicional habilidade política um recuo na questão da Suprema Corte, vendendo-o como uma vitória. Fontes políticas dizem que ele tentou fazer isso, mas foi ameaçado por um de seus aliados da linha duríssima.

Numa rara concessão, Bezalel Smotrich, o líder do partido Sionismo Religioso, disse que seu incentivo a “varrer do mapa” a localidade palestina foi “um lapso de linguagem ocorrido num momento muito emocional”. Soou mais como um recuo necessário para obter o visto de entrada para uma visita aos Estados Unidos, onde sua ameaça contra Huwara foi tratada oficialmente como “repugnante”.

Os americanos procuram desarticular as crises mais agudas, perfeitamente cientes de que só podem produzir coisas ruins, mas sabem desde sempre que têm uma capacidade de influência relativamente limitada. São os judeus israelenses que precisam fazer concessões mútuas, algo que no momento parece fora de questão. Netanyahu é o único em condições de fazer um de seus famosos truques mágicos e conseguir nem que sejam apenas pequenos acordos de restauração da convivência política em termos aceitáveis.

Será que ele quer isso ou decidiu apostar na radicalização, contando que depois da reforma judiciária seja capaz de controlar as forças que parecem pender tão tragicamente para a autodestruição?

Piadinha para encerrar:

“Um soldado israelense bem verde pede três dias de licença a seu comandante. ‘Está louco? Você precisaria fazer alguma coisa espetacular para conseguir isso’. 

Dias depois, o soldado aparece com um tanque árabe. ‘

Como conseguiu isso?’, pergunta o comandante. 

‘Fui até a fronteira de tanque e desfraldei a bandeira branca quando vi outro tanque árabe. Ele também hasteou a bandeira e eu perguntei: gostaria de ter três dias de folga?’.

‘Daí, trocamos os tanques’.”

Nunca esse tipo de jogo de cintura foi tão vital para Israel.

Fonte: Veja

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