A atual guerra entre Israel e o Hamas no Oriente Médio formalmente foi iniciada em 7 de outubro, com os ataques do grupo terrorista ao país. No entanto, ela tem revelado um histórico de hostilidades na região que, para não se alongar até os tempos do Império Romano (27 a.C.-476 d.C.), remonta à própria formação dos países depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e à entrada do Irã como parte interessada.
Formação esta que, por muito tempo, contrapôs o mundo árabe aos judeus, mas também criou hostilidades entre as próprias correntes islâmicas, uma das quais a xiita, que, por meio do Irã, passou a lutar pelo poder em toda a região. É isto que, para Christian Lohbauer, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), essa ameaça de escalada dos conflitos tem se revelado. Principalmente depois da iminência de um acordo entre Israel e a Arábia Saudita, inimaginável anos atrás.
Vale lembrar que, em 26 de setembro, duas semanas antes das ações dos terroristas em Israel, o ministro do Turismo israelense, Haim Katz, viajou para a Arábia Saudita, na primeira visita pública desse tipo ao reino. Israel estava perto de estabelecer inéditas relações bilaterais com o governo saudita.
“[Estava próximo] um acordo entre a Arábia Saudita e Israel de cooperação que era inédito na história recente”, afirma Lohbauer, membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.
Formação dos países
Com os últimos ataques do Irã a bases na Síria, no Iraque e no Paquistão, o país começou a revelar suas reais intenções de domínio, ao deixar de lado apenas a guerra terceirizada que vinha fazendo com o apoio aos grupos terroristas Hamas, Hezbollah e Houthi. Todos esses três, aliás, são consequência da geopolítica local a partir da nova divisão depois da Primeira Guerra e durante a Segunda.
Na ocasião, quatro impérios se desfizeram, o alemão, o austro-húngaro, o russo e o otomano. Com isso, regiões inteiras então sob o controle desses, acabaram sendo divididas. No Oriente Médio e na Ásia como um todo, houve a criação de países, como Afeganistão (1919), Iraque (1932), Líbano (1943) e Arábia Saudita (1943), no espaço entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Já nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), novos países surgiram, para completar o novo cenário, como Síria (1946), Jordânia (1946) e Israel (1948), sob mandatos de britânicos e de franceses.
A criação de Israel, para grande parte dos países árabes, foi vista como uma ameaça. Situação que ampliou ainda mais a luta para destruir o país, já estimulada pelo antissemitismo e antisionismo, conforme lembra o cientista político.
“O que Israel sempre pediu foi reconhecimento”, destaca Lohbauer. “Do seu Estado, que é um instrumento do Direito Internacional Público. Os países árabes não reconhecem a existência de Israel. Israel, sempre atacado, ganhou todas as guerras. Isso é o que mais incomoda os árabes.”
Guerra do Líbano
Essas novas formações geraram o atual contexto. No Líbano, em função das divergências entre várias correntes, um Pacto Nacional, de 1943, estabeleceu que a Presidência do país seria ocupada por um cristão maronita; a presidência do Conselho por um muçulmano sunita e a presidência da Câmara dos Deputados (renomeada Assembleia Nacional em 1979) seria destinada a um muçulmano xiita.
A governabilidade local durou algum tempo, mas, depois da formação de Israel, palestinos vindos do Estado judaico entraram na configuração social do Líbano. Alguns conflitos surgiram a partir daí, com a criação da Organização para a Libertação da Palestina.
Enquanto isso, os próprios palestinos sofriam perseguições na Jordânia, cujo governo foi responsável por assassinatos em massa de cidadãos palestinos. Um exemplo de atrocidade foi no chamado Setembro Negro, em 1971.
Em 1975, vários grupos no Líbano entraram em uma guerra civil, a Guerra do Líbano (1975-1990). Já nos anos 1990, esses confrontos abriram espaço para o Hezbollah ganhar influência.
O grupo terrorista, financiado pelo Irã, se tornou um representante do governo iraniano, que buscava ampliar seu poder em toda a região. Foi o momento em que o Irã, depois da Revolução Islâmica (1979), passou a ser um agente ativo nos conflitos. O mesmo ocorreu em Gaza, com o aumento do poder do
“A formação do governo libanês depende da composição e da rotatividade das três grandes forças religiosas”, ressalta Lohbauer. “Para essa guerra atual, o que tem de complexo é o Hezbollah, que, de forma oportunista, aproveita o ataque do Hamas para também voltar a atacar o norte de Israel, que é o que ele faz sistematicamente.”
Milícias armadas
O cientista político reitera que o Hezbollah e o Hamas se escondem atrás da representação política que têm, vinda do Irã, para maquiar, segundo ele, um falso discurso de libertação de populações oprimidas. Por meio da violência e da brutalidade.
“Na verdade são milícias armadas, financiadas com dinheiro estrangeiro, no caso do Hezbollah; o Irã é explicitamente o apoiador do Hezbollah. A Guerra do Líbano já acabou, mas a instabilidade libanesa e o Hezbollah e o Hamas fazem parte desse jogo complexo de alianças.”
Nesta complexidade de relações locais, o momento era de uma aproximação de Israel com a Arábia Saudita. Nas últimas décadas, os sauditas vinham rivalizando com o Irã, que passou a ver o governo saudita como uma ameaça tão grande quanto Israel. Lohbauer afirma que esse novo contexto tem preocupado o Irã.
“Isso [aproximação com Israel] seria uma revolução na região e está totalmente contra os interesses da segunda maior potência da região, que é o Irã, o inimigo histórico da Arábia Saudita.”
O novo cenário nem de longe lembra o daquele dos anos 1940, quando o presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt, se reuniu com o rei Abdulaziz Ibn Saud (pai do rei Salman) a bordo do navio USS Quincy.
Em 1945, Roosevelt estava a caminho da Conferência de Yalta, onde ele, juntamente com Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, e Josef Stalin, presidente soviético, iriam discutir o futuro da Europa do pós-guerra.
O líder dos EUA teve a iniciativa de falar sobre a implantação de um Estado judaico na região, ideia rechaçada por Ibn Saud, em um momento tenso da reunião.
Os ares agora são outros, com a intensificação da rivalidade entre sunitas, da Arábia Saudita, e xiitas, do Irã, em busca de mercados, poder militar e controle de toda a área.
O interesse dos sauditas em abrir mão de anos de inimizade com Israel vem justamente da necessidade de encontrar aliados. Principalmente os mais ligados aos Estados Unidos, para criar uma rede de proteção contra os iranianos e suas intenções de cada vez mais mostrar ao mundo o aumento do seu poderio militar.
Fonte: revistaoeste