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Cristina Kirchner quer ser Lula: receber uma condenação e virar o jogo

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Sacolas com milhões de dólares encostadas no muro de um convento, enriquecimento de mais de 12 000% e 51 obras públicas concedidas a um ex-bancário que virou grande empreiteiro – ou quase, considerando-se que não fez muitas delas.

Como no Brasil, a corrupção argentina tem cenas de pastelão. Tem também um cinismo tão formidável que leva a população honesta a reagir da mesma forma: “Ainda por cima, riem da nossa cara”. E tem o fator incerteza. O que parece ser acusações de roubalheira inacreditável e irrefutável, amparadas num trabalho consistente de promotores e juízes, pode ser manipulado conforme simpatias políticas. O que era sólido desmancha-se no vício insuperável da América Latina pelo populismo.

Cristina Kirchner sabe disso e já preparou bem o terreno para fazer o papel de vítima na condenação esperada para hoje de um dos três processos que correm contra ela, o das obras públicas superfaturadas na província de Santa Cruz, o berço onde foram gestadas as carreiras – e a fortuna – dela e do marido, Néstor.

Sem precisar estabelecer nenhum vaso conectante com a realidade ou algo remotamente parecido com a verdade, Cristina é uma força da natureza, uma agente política que provoca, em doses maiores ainda do que Lula, adoração e repúdio.

Como ela é também vice-presidente e presidente do Senado, a eventual condenação, por pelo menos um dos crimes de que é acusada – chefiar associação ilícita e administração fraudulenta, o que daria uma pena de doze anos -, está protegida pela imunidade.

Quanto ao tribunal da opinião pública, os resultados já são conhecidos: entre 20% e 25% dos argentinos são cristinistas incondicionais, aconteça o que acontecer, e mais ainda depois que ela sofreu, em setembro, uma tentativa de assassinato. Mais de 50% dos argentinos têm horror a ela e nenhuma dúvida sobre o assalto organizado aos cofres públicos.

Por causa dessa rejeição, ela convocou Alberto Fernández para ser presidente, colocando-se “humildemente” como vice. Agora, fala mal dele – como defender um dirigente que comanda um quadro de inflação anual de 100% e o aumento acelerado dos níveis de pobreza?

Também conduz seus problemas com a justiça como se fossem questões existenciais para a Argentina – a famosa confusão entre o ego exacerbado dos populistas e os destinos da nação.

“Néstor Kirchener e depois sua esposa, Cristina Fernández, instalaram e mantiveram no seio da administração nacional uma das matrizes de corrupção mais extraordinárias que se registraram no país”, diz a denúncia do promotor Diego Luciani.

Essa “associação ilícita de características singulares” foi tão bem delineada que “criaram uma empresa construtora que daria continuidade à manobra”. À frente dela, o ex-bancário Lázaro Baez, “amigo íntimo e sócio comercial” de Néstor Kirchner. Foi ele quem enriqueceu mais de 12 000% com as 51 obras públicas cujas concorrências, miraculosamente, ganhou – nessa os argentinos ficaram bem atrás do Brasil, que diversificou a dinheirama entre um consórcio de empreiteiras.

Só uma das 51 obras manteve o preço original. Vinte quatro foram abandonadas. “Em 39 casos, Báez conseguiu 700 meses de prorrogação, algo como 63 anos”, diz a acusação. 

O promotor também acusa Cristina de ter armado um esquema para “limpar tudo”, com a colaboração de José López, secretário de Obras Públicas nos governos do casal Kirchner.

López protagonizou o inesquecível episódio em que foi filmado de madrugada com cinco sacolas de mão contendo nove milhões de dólares, seis relógios de luxo e um fuzil, levadas para o Mosteiro Nossa Senhora de Fátima. Um vizinho de nome Jesús viu a cena e chamou a polícia.

Ele tinha ido ao mosteiro por ter contato com as freiras e achar que seria um bom lugar para esconder o dinheiro. Foi condenado a sete anos por enriquecimento ilícito e libertado depois de quatro anos e dez meses.

Um estado permanente de corrupção que envolve até freiras consagradas a Nossa Senhora de Fátima praticamente diz tudo sobre as pragas que nos assolam.

Sindicatos peronistas já ameaçaram “parar o país” se Cristina for condenada. Claro que seus partidários dizem que ela está sendo “perseguida” porque quer ajudar os pobres. Quem já não viu esse filme?

Dramaticamente, Alberto Fernández anunciou ontem em cadeia nacional que pediu a “investigação penal” de um grupo de juízes que viajou com diretores do Clarín, o jornal que não dá sossego ao governo, para um fim de semana na Patagonia.

“A Argentina precisa de uma vez por todas de funcionários honestos, juízes probos e empresários que obtenham seus lucros sem corromper os outros”, disse, com formidável cara de pau.

Detalhe: as mensagens no Telegram dos envolvidos foram hackeadas. 

Quem já não viu esse filme?

Fonte: Veja

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