Sophia @princesinhamt
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Aumento de casos de nariz quebrado reflete clima social tenso na Argentina

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Que se vayan todos”. Esta é uma das frases mais perigosas que existem em espanhol. Expressa a desilusão profunda que acomete os argentinos nas fases mais negativas do país.

O desejo de que “todos caiam fora” foi manifestado num dos episódios recentes mais ilustrativos do ânimo social, e portanto político, que acomete o país: os socos desfechados contra Sergio Berni, secretário da Segurança da província de Buenos Aires, por motoristas de ônibus revoltados com o assassinato de um colega num assalto.

O episódio aconteceu há uma semana, mas continua a reverberar. Com um tipo de insanidade infelizmente conhecido no Brasil, o governador da província, Axel Kicillof, que foi um dos bonitões do governo de Cristina Kirchner e sonha com a presidência daqui a quatro anos, disse que os protestos descontrolados que quase provocaram o linchamento de Berni foram organizados por Patricia Bullrich, senadora oposicionista que quer ser candidata à Casa Rosada na eleição de outubro.

Mais ainda: insinuou que o trágico assassinato do motorista de 65 anos, a um mês de se aposentar,  pode ter sido um ato de provocação disfarçado de assalto para incitar a comoção social.

Kicillof está louco, se faz de louco ou perdeu o juízo diante da hipótese que o caso de enorme repercussão afete sua reeleição a governador?

Políticos argentinos falando insanidades são um fato da vida. E se tornam mais radicais quando os fatos atrapalham sua vida, como inflação de 100%, taxa de juros básica a 78% – sim, leram certo -, aumento da pobreza para 39% da população, tudo com viés de alta, formando um caldo social que pode entornar a qualquer momento.

Os antecedentes históricos são variados. Leopoldo Galtieri era um ditador como nenhum dos generais brasileiros do período militar chegou nem perto. Saiu da Casa Rosada sob uma chuva de moedas, o gesto reservado aos traidores, encerrando o ciclo ditatorial e a humilhante derrota na Guerra das Malvinas, as ilhas cuja tomada ele imaginou o consolidariam como todo-poderoso. Fernando de la Rúa, o afável e ilustrado presidente pela União Cívica Radical, o oposição tradicional e civilizada ao peronismo, teve que fugir de helicóptero da sede oficial da presidência. Governou durante dois anos e foi devorado pela crise na véspera do Natal de 2001.

Incluindo De La Rúa, a Argentina teve cinco presidentes em onze dias naquele desastroso fim de ano. “Que se vayan todos”, gritava a plebe cada vez que um deles assumia.

Talvez a perspectiva de eleições presidenciais segure um pouco os mais desesperados, mas não há nenhuma garantia. A criminalidade num país que já foi de dar tanta inveja aos brasileiros pela tranquilidade com que qualquer pessoa, incluindo mulheres sozinhas, andava de noite pelas ruas de uma metrópole como Buenos Aires, está alimentando as explosões mais recentes. 

Foi isso que aconteceu com Sergio Berni, que resolveu ter cacife suficiente para ir falar sem escolta com os motoristas parados em protesto pela morte do colega. Aconteceu também em Rosário, com ataques espontâneos a uma casa usada por traficantes num bairro pobre, depois do assassinato de um menino de doze anos, caído no fogo cruzado de bandidos. Uma delegacia de polícia também foi apedrejada.

“São sintomas de mal-estar social que escapam às redes de contenção política e social”, resumiu Eduardo Aulicino no Infobae.

Os bispos argentinos qualificaram a criminalidade movida ao tráfico de drogas, um fenômeno infelizmente conhecido por nós, mas de explosão mais recente nos bairros periféricos das grandes cidades argentinas, como “a guerra de pobres contra pobres”.

No campo eleitoral, as pesquisas mais recentes, sem Mauricio Macri e Cristina Kirchner, autoexcluídos, mostram uma situação complicada. Horacio Rodriguez Larreta, prefeito oposicionista de Buenos Aires, aparece com 18%. Sergio Massa, o ministro da antieconomia, tem 15%; o presidente Alberto Fernández, 13%; Patrizia Bullrich, 10%. Espetacularmente, o libertário Javier Milei, que ninguém pode cravar se é de verdade ou um farsante, tem 22% dos votos.

Milei se torna assim, na prática, a arma mais forte do peronismo: com ele, o voto em oposicionistas se divide. Sem contar que líderes oposicionistas, incluindo os candidatos, para variar estão se canibalizando.

Uma das mais relevantes informações sobre Milei dos últimos dias foi que ele está estudando com um rabino sefardita para se converter ao judaísmo – uma religião que dificulta ao máximo a adesão de não judeus. Faz parte do estilo debochado e explicitamente maluco que ele cultiva.

Na hipótese, por enquanto bem no terreno especulativo, de que ele fosse ao segundo turno, Larreta seria seu rival mais provável. Pela primeira vez, haveria uma eleição democrática sem um candidato peronista. Se Milei ganhasse, teria um país literalmente ingovernável, sem nenhum espaço no parlamento, uma economia em estado avançado de derretimento e corrosiva deterioração social.

Não se exclui a possibilidade de que o derretimento geral aconteça antes da eleição.

Fonte: Veja

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