O presidente (PT) foi o primeiro líder a discursar na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, que ocorre nesta terça-feira, 24, na Argentina. No pronunciamento de tom protocolar, ele sublinhou que a América Latina e o Caribe, como região, tem poder para ajudar na construção de uma “nova ordem mundial” multipolar – tese que traz de herança de seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010.
“Há uma clara contribuição a ser dada pela região para a construção de uma ordem mundial pacífica, baseada no diálogo, no reforço do multilateralismo e na construção coletiva da multipolaridade”, declarou Lula.
De acordo com o presidente, uma nova ordem seria ainda mais necessária no contexto de múltiplas crises pelas quais passa o mundo de forma coletiva. Lula elencou a pandemia, as mudanças climáticas, tensões geopolíticas, pressões sobre a segurança alimentar e energética – em referência à guerra na Ucrânia –, ameaças à democracia representativa como forma de organização política e social – menção aos ataques de bolsonaristas em Brasília – e aumento das desigualdades, da pobreza e da fome.
“A maior parte desses desafios, como sabemos, é de natureza global, e exige respostas coletivas. Não queremos importar para a região rivalidades e problemas particulares. Ao contrário, queremos ser parte das soluções para os desafios que são de todos”, afirmou.
A integração regional não foi algo almejado apenas por Lula em sua primeira e segunda passagem pela presidência, mas um objetivo declarado desde a redemocratização – “a exceção lamentável foram os anos recentes, quando meu antecessor tomou a inexplicável decisão de retirar o Brasil da Celac”, ressaltou, em alfinetada ao governo de Jair Bolsonaro.
“É com muita alegria e satisfação muito especiais que o Brasil está de volta à região e pronto para trabalhar lado a lado com todos vocês”, afirmou.
No entanto, a integração da América Latina e do Caribe não é tarefa simples. Desde meados do século 20, a principal política econômica dos países latino-americanos tem sido a substituição de importações, de modo a proteger-se de nações mais poderosas nas áreas da agricultura e serviços, mas principalmente da indústria. Décadas depois, o resultado são nações voltadas para dentro, muito mais preocupadas com interesses domésticos do que com uma agenda comum, o que dificulta ações coesas.
Além disso, a região é – e sempre foi – altamente multifacetada. Mesmo durante a chamada onda rosa dos anos 2000, quando governos de esquerda, supostamente com pautas em comum, ascenderam ao poder, e na “onda rosa 2.0” dos últimos dois anos, os interesses político-econômicos dos países latino-americanos não necessariamente convergiam, gerando entraves na articulação em órgãos supranacionais – como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em seu discurso, Lula citou, contudo, um elemento que finalmente pode dar vazão a uma pauta comum e, assim, fortalecer a América Latina como player geopolítico: a crise climática. Devido a eventos climáticos extremos que ocorreram nos últimos anos – ondas de calor na Europa, incêndios na Califórnia e Amazônia, enchentes apocalípticas no Paquistão, nevascas sem precedentes nos Estados Unidos –, o aquecimento global se fez sentir de forma mais intensa e chegou ao centro do palco de todas das discussões globais, inclusive no recente Fórum Econômico Mundial de Davos, que ocorreu na semana passada.
“Na área de energia, contamos com capacidades muito especiais para participar, de forma vantajosa, da transição energética global. Temos matrizes energéticas diversificadas e potencial de crescimento em energias renováveis e limpas”, disse Lula. Vale ressaltar o sucesso de empresas como a WEG, gigante de energia eólica em Santa Catarina, que possui filiais em 38 países, fábricas em 14 e faturou R$ 23,56 bilhões em 2021.
O presidente afirmou que a América Latina merece destaque nas negociações e soluções para questão climática porque possui, em seus territórios, alguns dos principais biomas e recursos naturais estratégicos, como minerais críticos. Ele relembrou que pretende convocar uma Cúpula dos Países Amazônicos, já que a cooperação “que vem de fora da nossa região é muito bem-vinda, mas são os países
que fazem parte desses biomas que devem liderar, de maneira soberana, as iniciativas para cuidar da Amazônia”.
Resta ver, como sempre, se o discurso se traduz em prática. Mesmo com uma pauta comum, os conflitos de ideias na gigante América Latina e Caribe podem ser maiores que o interesse do bloco.
Fonte: Veja