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Guerra dos pandas: o nó diplomático entre China e EUA

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“Le Le era um urso feliz que gostava de maçãs e de relaxar enquanto se cobria com bambu recém-­picado. Ele era o favorito de todos que o conheceram e trabalharam com ele ao longo dos anos.” Esse foi o retrato post mortem feito pelo Zoológico de Memphis, nos Estados Unidos, lar desse panda-gigante cedido por Pequim por quase vinte anos. No entanto, por mais agradável que ele soe, o estabelecimento tem recebido sérias acusações de maus-tratos contra o , morto em fevereiro, e sua parceira — episódio que também virou um nó diplomático entre chineses e americanos.

No ano passado, gravações internas das jaulas do zoológico viralizaram na internet ao mostrar Le Le e a companheira, Ya Ya, visivelmente angustiados e desnutridos em um recinto sujo — o macho parecia colapsar em um vídeo divulgado. Organizações de proteção animal questionaram o estabelecimento, que, em resposta, afirmou que os pandas “estavam apenas sendo bobos” e agindo “dramaticamente”. A explicação não convenceu e a pressão se tornou insustentável, motivando uma campanha para repatriar os animais, que recebeu adesão de artistas como a cantora Billie Eilish.

Na semana de Natal de 2022, o Memphis Zoo anunciou que Ya Ya e Le Le retornariam à China, pois estavam emprestados até abril do ano seguinte e não haveria diálogo para uma possível . Em fevereiro, contudo, o macho foi encontrado morto, prestes a completar 25 anos, vítima de ataque cardíaco, a autópsia. O zoológico disse que ele havia morrido tranquilamente e ultrapassado a expectativa de da espécie na natureza, que é de dez anos, em média. Só omitiu que, em cativeiro, pandas podem viver mais de três décadas — a mãe de Le Le faleceu na China aos 38 anos.

CAMPANHA - Outdoors pela China e posts no TikTok: clamor para resgatar a fêmea do zoológico americano
CAMPANHA - Outdoors pela China e posts no TikTok: clamor para resgatar a fêmea do zoológico americano (Reprodução/Twitter)

O de expectativa inicial se tornou fúnebre, e todos os olhos se voltaram para Ya Ya, que, sem o companheiro, apresentou sinais de depressão, queda de pelos e problemas dentários. Com o cerco midiático montado, o evento repercutiu na atmosfera de guerra fria entre as superpotências envolvidas. Afinal, o panda, um símbolo chinês, teria sido maltratado por americanos. Uma nova campanha on-line foi lançada no país asiático para trazer Ya Ya de volta para casa. Fotos gigantes do urso com aparência doente estampam outdoors e posts nas redes sociais. Montou-se uma comissão especial, encabeçada pela Associação Chinesa de Parques Zoológicos, para realizar avaliações de saúde em Ya Ya e garantir que ela esteja em condições de seguir viagem. Em meio à crise, diplomatas estacionados no Ocidente, que chegaram a atiçar a raiva nacionalista em outros momentos, visitaram o Memphis Zoo e “confirmaram que os pandas foram bem cuidados”, colocando um pouco de panos quentes no imbróglio. Procuradas por VEJA, entidades como a World Wide Fund for Nature (WWF) — cujo logo traz um panda — e a International Fund for Animal Welfare (IFAW) preferiram não comentar o assunto.

Ya Ya virou o panda-gigante mais vigiado da história e embarca nesta sexta-feira, 7, para sua terra natal, onde ainda não se sabe se vai reencontrar o público tão cedo. Ela, Le Le e centenas de outros de sua espécie fizeram parte do que ficou conhecido como “Diplomacia do Panda”, prática chinesa de enviar esses animais a outras nações para reforçar seus laços e sua imagem no exterior. A estratégia tem origem milenar, mas foi resgatada por Mao Tsé-tung no século XX e, desde então, virou um recurso propagandístico do regime. Hoje, 26 zoológicos em dezoito países hospedam pandas, e personalidades costumam posar ao lado deles para estreitar contatos ou firmar contratos com o governo chinês. Foi nesse contexto que o Jardim Zoológico do Rio quase recebeu um casal em 2014 para celebrar a Olimpíada que estava por vir. Por pressão popular, desistiu da ideia de receber um animal totalmente alheio ao clima carioca. Outro fator que pode ter pesado é financeiro: países que recebem os ursos pagam até 1 milhão de dólares por ano pela cessão do animal. Exemplo de sucesso na conservação ambiental e tesouro cultural, o panda virou também um trunfo diplomático. E a esperada volta de Ya Ya, apesar do destino do seu parceiro, pode evitar mais turbulências na relação entre EUA e China.

Da extinção à preservação

CATIVEIRO - Reprodução artificial: tática para repovoar
CATIVEIRO - Reprodução artificial: tática para repovoar (He Haiyang/VCG/Getty Images)

Os pandas são considerados um exemplo de sucesso na proteção e no repovoamento de uma espécie. Antes classificados como “ameaçados de extinção”, em 2016 passaram a ser rotulados como “vulneráveis” pela União Internacional para a Conservação da Natureza. E a resposta para a mudança passa por anos de pesquisas e uso de técnicas de reprodução em cativeiro e pela principal fonte de alimentação desses bichos, o bambu. O habitat natural dos pandas englobava todo o sul e o da China, mas, diante da expansão urbana, ele ficou limitado às poucas áreas que mantiveram matas de bambu. A solução do governo foi reflorestar esses territórios e treinar pessoas para resguardarem a região. Assim como investir na criação de ursos em cativeiro. Estima-se que hoje existam mais de 1 800 animais em liberdade e 673 em centros especiais, zoológicos e parques ao redor do mundo — um aumento de quase cinco vezes na população nos últimos vinte anos.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

Fonte: Veja

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