Muito antes de o Brasil oficializar a sua posição no continente antártico, fundando a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), um grupo de pessoas destemidas e que pensavam estrategicamente no valor do continente gelado para o Brasil debruçou-se sobre o desafio de elaborar formas de realizar uma expedição antártica oficial.
Entre estas pessoas, temos a figura do professor Aristides Pinto Coelho (1930-2007). Ele vislumbrou, junto a outros brasileiros, que o nosso país deveria, com urgência, cumprir com a sua obrigação de explorar o continente antártico — tendo em vista que a sua proximidade era bastante favorável, bem como a disponibilidade de recursos para a realização de uma expedição.
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Deve-se ressaltar também que o Brasil já havia adiado, em muito, a sua participação de exploração ao continente gelado. Por diversas vezes, os pesquisadores brasileiros do passado haviam sido convidados para seguirem viagem com expedições estrangeiras pretéritas, pois estas utilizavam de nossos portos para iniciarem as suas viagens, assim como outros portos alternativos, localizados na Argentina e mais raramente na África do Sul e na Austrália.
Um dos heróis da expedição brasileira à Antártida
O professor Aristides nasceu no município de Ponte Nova, Estado de Minas Gerais. Realizou seus estudos em regime de internato no Colégio Pedro II, entre 1943 e 1949. Na época, os alunos se graduavam com a titulação de bacharéis. Assim sendo, obteve o título de bacharel em ciências e letras, o que lhe teria dado um embasamento teórico científico bastante intenso, aliado aos ensinamentos filosóficos para a reorientação de pensamento.
Em 1953, obteve o título de bacharel em química e, em 1954, a licenciatura para lecionar e versar sobre o tema. Ambos os títulos foram obtidos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mais tarde, em 1961, obteve os títulos de doutor em ciências e, a seguir, livre-docência em bioquímica, defendendo a tese com o título “Aspectos do Ciclo Biológico do Sr-90”, também pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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Seu currículo era extenso. Desde sua graduação como bacharel em química até a livre-docência, o professor Aristides realizou outros cursos de especialização que iriam servir de apoio aos seus propósitos futuros para a realização dos trabalhos na Antártida. Entre estes, vale ressaltar que realizou cursos de especialização em radioisótopos (em 1956), enzimologia (em 1957), dosimetria de radiações (em 1958), radiobiologia (em 1959), radioquímica (em 1959) e cancerologia experimental (em 1959) no antigo Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil, que passou a integrar os quadros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Seu interesse pela energia nuclear e pelos oceanos o fez realizar cursos nestas áreas, como o que foi patrocinado no Rio de Janeiro, em 1968, pela Agência Internacional de Energia Atômica, dentro da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), abarcando o tema “Gerenciamento de Resíduos Radioativos”. Na área específica que envolvem os oceanos, realizou o Curso de Iniciação Oceanográfica, oferecido pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), órgão pertencente à Marinha do Brasil, do Ministério da Marinha, no Rio de Janeiro, em 1969.
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Foi pesquisador do Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da UFRJ, entre 1957 a 1959, exatamente no período do Ano Geofísico Internacional, onde foi patrocinado pela CNEN. A partir de 1957, passou a ser professor de cursos de formação e de especialização oferecidos pelo CNEN. Também exerceu o cargo de chefia do Laboratório de Radioisótopos do Instituto Nacional de Câncer, entre 1960 e 1962.
A saga brasileira para chegar à Antártida
O Brasil historicamente participou, como base de aprovisionamento e de reparos, de algumas expedições de exploração ao continente antártico. Servia de porto seguro para a espera do melhor momento de partida. Em geral, nas melhores condições de primavera, bem como de regresso, quando os navios e suas tripulações, exaustas, procuravam um lugar para se restabelecer e para consertar os danos realizados pelo gelo, bem como para renovar as provisões, antes de seguirem viagem para as suas respectivas pátrias. Nestas ocasiões, antes da partida, muitos de seus comandantes ofereciam aos nossos cientistas da época uma oportunidade para participarem das viagens. Mas, infelizmente, houve sempre declínio de seus convites, atrasando a presença brasileira, justamente na época de ouro da conquista do continente.
Uma das expedições mais famosas é sem dúvida a Expedição Antártica Belga, comandada pelo tenente Adrien Victor Joseph de Gerlache de Gomery. Esta foi a primeira expedição a passar um inverno na Antártida. Para isto, permitiu-se que o navio fosse aprisionado pelo gelo, mantendo-o relativamente estável dentro da banquisa. Tamanho era o apreço que tinha pelo Brasil, o comandante Gerlache prestou honrarias ao nosso país. Assim sendo, em 29 de outubro de 1909, foi a ocasião em que o pavilhão nacional brasileiro foi hasteado pela primeira vez na Antártida, mas por um colega belga.
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Passados mais de 49 anos deste fantástico evento, finalmente um brasileiro chegou à Antártida, mas apenas como observador. Foi assim que o médico e jornalista doutor Durval Sarmento Rosa Borges (1912-1999) participou, em 1958, como correspondente científico da revista Visão para cobrir a Expedição Transantártica — uma das operações pertencentes ao maior evento científico de cooperação internacional, claramente apoiado pelos militares das nações envolvidas. Trata-se do Ano Geofísico Internacional – AGI (1957-1958), estendido até 1959 dada a extremada atividade solar deste ano, em especial. No fim de 1961, o meteorologista Rubens Junqueira Villela foi o primeiro brasileiro pesquisador a chegar ao Pólo Sul e visitar a então estação estadunidense Amundsen-Scott, atualmente desativada, substituída pela estação homônima, muito mais moderna no mesmo local.
Villela ainda esteve dois meses em alto-mar, próximo à costa Antártica, no mesmo ano, onde executou trabalhos de meteorologia na sua primeira expedição a bordo do Glacier, um navio estadunidense. Devemos citar também o geólogo brasileiro professor Antonio Carlos Rocha-Campos (1937-2019), que esteve no Pólo Sul, em Amundsen-Scott, e foi o único brasileiro a presidir o Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (Scar), cujo estabelecimento ocorreu em 1958, durante o AGI.
Os personagens da expedição
A inércia dos governos brasileiros de época em adotar uma posição oficial participativa e estratégica em relação ao continente antártico acabou mobilizando um grupo de idealistas, das mais variadas áreas, que se fizeram presente. As discussões envolviam elaborar projetos para a realização de uma primeira expedição brasileira à Antártida. Eles entendiam que o Brasil tinha uma tarefa importante, pois precisava se apresentar como um protagonista de peso neste cenário geopolítico que estava por se definir.
Assim, após discussões centralizadas pelo Clube de Engenharia, através de seu grupo de trabalho denominado Comissão Organizadora do Programa Antártida (Copran), na data de 24 de março de 1972, as primeiras decisões sobre os rumos dos projetos para a empreitada da participação do Brasil no continente gelado começaram a tomar forma. Os trabalhos iniciais foram realizados pelos doutores João Aristides Wiltgen, Fernando Lustoza Garcia Aragão, Homero Henrique Rosa Rangel, Renato Araujo, Durval Lobo e Aristides Pinto Coelho. Em agosto do mesmo ano surge a ideia da formação de um instituto e, com este propósito, em 7 de setembro de 1972, foi fundado o Instituto Brasileiro de Estudos Antárticos (Ibea), sem vínculos institucionais, que absorveu os trabalhos do Copran.
Aliaram-se aos membros anteriores o general Roberto Baptista Marins, os almirantes Ayres cunha de Andrade, Estanislau Façanha Sobrinho, os doutores Antonio Salem, Affonso de Ligório Pinheiro Jofily, Spencer Daltro de Miranda e Angelo dos Santos Pinheiro. Ainda participaram o veterano antártico o professor Rubens Junqueira Villela, o conselheiro Faust Cardona, o jornalista Osny Mendes Bello, o almirante Luiz Penido Burnier, o engenheiro Domingos Giobbi e a professora Therezinha de Castro, compondo, então, o todo do grupo de membros fundadores do instituto.
No nosso próximo artigo, veremos como o Ibea iniciou seus preparativos, o levantamento da infraestrutura e toda a logística que seria necessária para a execução da sua primeira missão e quais foram os desdobramentos finais, onde o professor Aristides Pinto Coelho teve participação fundamental na execução do que seria a nossa primeira presença institucional, oficial e científica na Antártida.
Fonte: revistaoeste