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Marcelo Rubens Paiva afirma: Nossa vida é a nossa literatura em sua primeira visita a Mato Grosso do Sul

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Pela primeira vez em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Marcelo Rubens Paiva, não escondeu a surpresa ao ver araras cruzando o céu. Parece clichê para quem vive por essas bandas, mas um paulistano nato ficou admirado ao observar as aves ao entardecer. “São araras? É verdade isso, é o Pantanal mesmo?”, questionou, durante um bate-papo amistoso com o Primeira Página, na tarde deste sábado (27).

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Marcelo Rubens Paiva É Vencedor Do Prêmio Jabuti (Foto: Redes Sociais)

Na manhã de hoje, às 10h30, o vencedor do Prêmio Jabuti e um dos maiores escritores participa do Festival da Juventude, durante o Conexão Gerações – Meu Primeiro Livro, no Teatro Glauce Rocha, na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

No evento, o processo criativo, principalmente na construção do primeiro livro, é o grande destaque da palestra. Para o escritor, na verdade, a inspiração está normalmente no cotidiano. “A nossa vida é a literatura. Você pode fazer algo ficcional, de um caso da sua vida, por exemplo, mas eu acho muito difícil você separar sua vida da literatura”, pontua.

Em Campo Grande, o escritor traz a sua versão professor – que ele tem gostado cada vez mais.

“A gente chega em uma idade que começamos a dar aula. A primeira pessoa que me pediu para fazer um curso foi o Marcelino Freire, que é um poeta e um professor de literatura muito conhecido, e ele fala, falou para mim assim, que muita gente normal, que estuda literatura, as pessoas não querem saber de todo liberalismo e sim do nosso processo literário. E eu tenho tantas , tantos livros, e cada livro tem os seus problemas, seus confusões, as suas histórias pessoais, o momento em que eu estava vivendo, o que eu entendi de cada livro, se foi um livro encomendado, se foi uma ideia que me surgiu, se foi tomando banho, se foi uma biografia que me apareceu do nada, que falar disso já é ensinar a literatura”, explica.

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Marcelo Rubens Paiva, Em Campo Grande (Foto: Theresa Hilcar)

Rubens Paiva é autor de “Feliz Ano Velho”, que aborda o acidente que o deixou tetraplégico aos 20 anos. Seu livro de estreia, foi escrito 1982 e venceu o Prêmio Jabuti no ano seguinte, tornando-se depois o livro brasileiro mais vendido na década de 80 com tradução para seis idiomas.

Também escreveu Blecaute (1986), Ua:brari (1990), Bala na Agulha (1992), Não És Tu, Brasil (1996), Malu de Bicicleta (2003), A Segunda Vez Que Te Conheci (2009), Ainda Estou Aqui (Prêmio Jabuti de 2015), Meninos em Fúria (2016), Menino e o Foguete (Prêmio Jabuti de 2017), Orangotango Marxista (2018) e os livros de crônicas As Fêmeas (1994), O Homem Que Conhecia as Mulheres (2006) e O Homem Ridículo (2019).

“Normalmente, muitos deles estão vivendo sobre o que é escrever, o que é retratar, de que forma retratar, o que é importante, o que é descartável, o processo literário, como é que ele vem, o desenvolvimento literário, estudos, evitar clichês, evitar repetições, evitar você falar mal de alguém que você gosta”, indica. “Então, várias coisas que tem a ensinar, que é dar aula. E eu não estava sabendo que eu dava aula, que eu podia dar aula, que eu nem gostava de dar aula, comecei a ter prazer em dar aula. Não sou professor, nunca foi minha intenção seguir a carreira. Mas é muito legal encontrar ideias e falar de mim na presença, até porque eu acabo aprendendo comigo mesmo”, complementa.

A inspiração no cotidiano

“Hoje em dia, cada vez mais, eu tenho focado em escrever sobre a minha própria vida. É interessante isso, porque o meu primeiro livro foi sobre isso do velho, mas era totalmente sobre a minha vida. Era um absoluto desconhecido. Como eu fiquei muito conhecido por esse livro, eu fiquei muito tímido de abordar as coisas pessoais de novo. Eu passei a não falar mais da minha vida durante muitos anos, só fazendo coisas de ficção, ou coisas que eram da minha vida. Mas que eu não dava tanto que parecia de ficção”, relembra.

Marcelo Rubens Paiva, escritor

Foi para contar que a mãe era a grande heroína da família que Marcelo Rubens Paiva quebrou o jejum de assuntos pessoais. “Ainda Estou Aqui, em 2015, que eu comecei a escrever livros de novo sobre a minha vida. Escrevi um livro chamado Menino em Fúrias, que é sobre os anos 80, e agora mesmo estou escrevendo um livro sobre paternidade”.

Questionado se a maturidade é capaz de trazer conforto para uma vida sem filtros, ele garante que, na verdade, é a “cara de pau”. “

“Eu acho que a maturidade e a cara de pau, porque a gente vai ficando velho, a gente não se preocupa muito com o que as pessoas pensam da gente. É a grande vantagem de envelhecer. Quando a gente é jovem, a gente se preocupa muito com o que as pessoas vão pensar da gente. Aliás, no universo das redes sociais, esse é o pesadelo das pessoas. Você fica mais cara de pau, você fica mais corajoso”.

Das páginas para o cinema

“Ainda estou aqui”, livro escrito em 2015 por Marcelo Rubens Paiva, sobre sua mãe, Eunice Paiva já está em processo de finalização da adaptação para os cinemas. Quem assina a direção Walter Salles (Central do Brasil) e o elenco é de um primor que enche os olhos: Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro.

Apesar de cuidar de perto do roteiro, ele garante que não é de vetar trechos. “Eu fui nas filmagens duas vezes no Rio de Janeiro. Eu não me meto muito, como escritor eu sempre deixo o adaptador livre, a única coisa que eu faço questão é de olhar o roteiro e dar palpite no roteiro”.

O livro e agora o filme conta a história de Eunice, que foi casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Por fim, o Alzheimer surgiu.

“A essência do livro é mostrar que minha mãe era a grande heroína da família e não meu pai”.

Com o tema ditadura recorrente em sua obra, Rubens Paiva vê com preocupação o e a manutenção da extrema-direita na educação e na literatura.

“Eu tenho muita preocupação. A gente vê o livro sendo censurado, a gente vê professores com medo de falar de temas que possam ofender um tipo de pai. A gente sabe que existe num artigo de liberdade de expressão, que é um artigo que é uma vitória da democracia, o direito à liberdade de expressão, existe num artigo B que fala que você tem direito à sua privacidade também, não pode violar sua privacidade, você não pode ofender uma pessoa. Isso é uma confusão que a extrema-direita faz, ela fala muito em liberdade de expressão, mas ela não pode chegar e falar assim Marcelo Paiva é mentiroso, não pode, você não pode ofender, você pode falar sua opinião, Marcelo Paiva não é um bom escritor, o que está havendo essa difícil confusão entre a liberdade de expressão e a liberdade de ofensa. Em relação à cultura ela tem sido muito atacada, porque não só a cultura, o jornalismo também porque se você escreve algo que as pessoas não concordam, as pessoas te ofendem e te ofendem de maneira muito pessoal. Eu não dou muita bola para isso, porque eu sou macaca velha, eu sou pós-graduado em rede social, estou lá desde a década de 90”, ri.

Mas, tem receio de escrever um livro e vê-lo ser cancelado.

“Muito receio de eu escrever um livro e ele ser cancelado pela extrema direita. De acharem que é um livro que, por exemplo, que Feliz Ano Velho é um livro que eu menti, que o meu pai e minha mãe nunca foram presos, que era tudo mentira, que a ditadura nunca prendeu ninguém. A ditadura não torturou ninguém, entendeu? Que era justamente como no tempo da ditadura, eles negavam até a palavra ditadura, tinha que falar revolução”.

A literatura na era dos algoritmos

Na internet desde a sua popularização, Marcelo também reflete sobre o algoritmo e como ele entrega tudo que estamos acostumados a consumir, uma eterna repetição de estilos.

“As pessoas acabam vivendo numa bolha em que o algoritmo faz elas lerem o que elas querem ler, e não o que elas precisam ler, ou o contraditório do que elas leram. O algoritmo pensa como você, ele te oferece as músicas que você quer ouvir, ele indica os filmes do streaming que acha que você quer ver, e, inclusive, culturalmente, eu já sei de casos em que os streamings, eles calculam exatamente qual é o gosto do freguês”.

Serviço – O encontro de escritores com Marcelo Rubens Paiva será neste domingo (28), às 10h30, no Teatro Glauce Rocha, na UFMS, em Campo Grande. A entrada é gratuita. A bilheteria do teatro abrirá às 9h30 para a retirada dos ingressos.

Fonte: primeirapagina

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