A Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, é um dos cartões postais mais antigos do Brasil. Com 842 metros de altura, é uma das maiores montanhas do mundo próximas do litoral. Ela é rodeada pela rica biodiversidade da Floresta da Tijuca e, hoje em dia, chama a atenção de turistas por suas trilhas e esportes radicais.
No passado, a Pedra da Gávea foi central em uma discussão sobre a colonização das Américas e alimentou diversas teorias da conspiração. Isso porque uma das faces da montanha é de pedra exposta, marcada por sulcos e relevos. Há quem veja um rosto humano na pedra, e muitos suspeitaram que os sulcos fossem algum tipo de escrita desconhecida.
Esse papo começou no século XIX, quando missionários cristãos reportaram a existência das marcas ao rei de Portugal, Dom João VI. Esses missionários acreditavam que as inscrições na montanha eram obra de “algum povo americano pré-histórico desconhecido”. Tanto Dom Pedro I quando Dom Pedro II se interessaram por essas teorias e incentivaram pesquisas que interpretassem as marcas da Pedra da Gávea.
Em 1839, o recém fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro realizou uma expedição à Pedra da Gávea e concluiu que as marcas eram resultado de mero acaso. Mas a teoria quase conspiratória de que as marcas haviam sido feitas por humanos não parou de circular.
Quase cem anos depois, na década de 1930, o arqueólogo brasileiro Bernardo de Azevedo da Silva Ramos desenvolveu profundamente a teoria e chegou a traduzir o que os supostos inscritos dizem, em fenício. Ele registrou os sulcos e comparou com caracteres do alfabeto fenício, concluindo que a pedra dizia “Tyro Phenicia, Badezir primogênito de Jethbaal”. (Veja na imagem abaixo).
Tyro, ou Tiro, é o nome de uma metrópole fenícia que se tornou a cidade que existe até hoje no Líbano, um dos assentamentos humanos mais antigos a ser continuamente habitado. Já Badezir seria uma referência à Baal-Eser II, filho do rei Etbaal I (que seria o tal do Jethbaal), que é citado no Antigo Testamento da Bíblia e que governou Tiro entre 846 e 841 a.C.
Algumas pessoas chegaram a argumentar que o tal rosto visível na pedra seria a face do rei Badezir, e que a montanha teria túneis e tumbas fenícias escondidas em seu interior. Segundo essa teoria, as marcas teriam sido feitas pelos fenícios em uma colonização muito antiga, antes mesmo da Era Comum (cujo início é marcado pelo nascimento de Cristo).
A teoria argumenta que haveriam outros registros fenícios espalhados pelas Américas. As supostas “provas” seriam uma pedra com escritos fenícios encontrada na Paraíba e pedras com escritos em hebraico encontradas no sul dos EUA. Em todos os casos, eventualmente provou-se que as pedras e as inscrições haviam sido forjadas.
Se já parece loucura, saiba que muitas outras interpretações existiram ao longo do tempo: pelo menos uma expedição mórmon foi feita para procurar alguma relação entre as inscrições na Gávea e o Livro de Mórmon, publicado em 1830.
Por outro lado, havia quem acreditasse que as marcas eram, na verdade, runas nórdicas. A Pedra da Gávea seria, portanto, um local de adoração dos vikings, que viam o rosto do deus Odin na montanha.
Para as historiadoras Lucia Maria Pascoal Guimarães e Birgitte Holten, as tentativas de encontrar leituras de alfabetos antigos europeus na Pedra da Gávea faziam parte de uma estratégia imperial. Em um texto de 1997, elas explicam que a família real, recém chegada ao Brasil, tentava construir uma identidade brasileira, e era importante que essa identidade fosse ancorada em valores e marcos históricos europeus.
Desde a década de 1950, o consenso entre os cientistas é de que a Pedra da Gávea não é um sítio arqueológico. Pelo contrário: as marcas teriam sido causadas por fenômenos naturais de intemperismo e desgaste. Além disso, estudos já mostraram que a montanha é feita de rocha sólida, e não abriga túneis ou tumbas.
Já o “rosto” da montanha é explicado pela pareidolia, um fenômeno psicológico que nos faz associar formas abstratas com imagens conhecidas. É isso que nos faz ver desenhos em nuvens ou em manchas, por exemplo.
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Fonte: abril