Há 54 anos, pesquisadores encontraram um achado sinistro em um poço natural em Somerset, na Inglaterra: os restos mortais de pelo menos 37 homens, mulheres e crianças que sofreram mortes violentas.
As evidências apontam que as mortes provavelmente ocorreram em um único evento, em que as pessoas foram esquartejadas e os seus membros desarticulados foram jogados no poço, que tem 15 metros de profundidade.
Foi publicado hoje na revista Antiquity o primeiro grande estudo científico sobre os ossos. A análise encontrou diversas evidências do que pode ter sido o massacre mais sangrento da pré-história britânica, com indícios de canibalismo.
Estima-se que metade dos mortos tenham sido crianças mais velhas e adolescentes, um golpe brutal em qualquer população.
“O nível de violência expresso pode indicar que as ações foram retaliatórias, em resposta a um evento violento anterior ou à percepção de violação de um tabu social grave”, os autores escreveram no artigo.
O poço estava soterrado e a escavação completa levou sete anos. Junto aos restos mortais humanos, havia também ossos de gado, um grande vaso de cerâmica, uma adaga de pedra e uma espátula feita de galhada de cervo.
Segundo a análise do solo ao redor e datação por radiocarbono, as mortes devem ter ocorrido entre 2,2 mil e 2 mil anos a.C.
Cerca de um terço dos crânios foram quebrados por golpes agressivos que causaram a morte. Por causa dos padrões de cicatrização, é possível saber que as fraturas foram feitas logo antes da morte, e não podem ser confundidas com algum dano feito diretamente aos esqueletos.
Cerca de 20% dos esqueletos apresentam cortes compatíveis com a desarticulação dos membros e com a excarnação (retirada de carne). Na análise detalhada de vértebras, por exemplo, é possível compreender como o ângulo do corte foi utilizado para arrancar determinados membros.
Vários ossos de pernas foram quebrados logo após a morte, com o corpo ainda fresco. Por estarem divididos de forma simétrica, indicam que foram quebrados intencionalmente para o consumo do tutano.
Um dos crânios mais completos apresenta várias marcas de corte ao longo do comprimento do osso frontal, sugerindo a remoção do couro cabeludo (nas figuras g e h da imagem anterior). Outros crânios mostram marcas de cortes que facilitariam a retirada da mandíbula.
Em pelo menos um caso, há marcas de corte longas na superfície interna da mandíbula – um padrão que, segundo os autores, sugere a remoção da língua.
Os autores deixam para o final do artigo os achados mais sinistros: as fraturas nos ossos de pés e mãos sugerem que eles teriam sido mastigados por molares humanos.
“As fraturas por esmagamento de ossos frescos são consistentes com os molares planos de onívoros, incluindo humanos, ao contrário das perfurações mais afiadas causadas por carnívoros”, escreveram.
Os pesquisadores encontraram poucas evidências de mastigação de carnívoros e roedores no conjunto, o que parece fazer sentido com a hipótese de os corpos terem sido jogados no poço de uma vez só e rapidamente, sem tempo para que outros animais se alimentassem.
Massacres e evidências de antropofagia assim são raros para a época e região. Em uma caverna a apenas 3 quilômetros de distância, já foram encontrados outros seis corpos com indícios de desmembramento e antropofagia.
Mas os pesquisadores apontam que a situação é bem diferente: na caverna, não há nenhum indício de homicídio, e a prática poderia ser parte de algum ritual funerário.
As circunstâncias completas nunca serão conhecidas, mas os pesquisadores especularam que esse pode ter sido um exemplo de “violência como performance”, com a intenção dos perpetradores de aterrorizar e alertar a comunidade em geral.
“Quem quer que tenha feito isso teria sido temido: isso teria ressoado, eu acho, através do tempo e do espaço naquela região específica, provavelmente por gerações, como algo horrível que aconteceu aqui.”, disse Rick Schulting, o principal autor e professor de arqueologia científica e pré-histórica da Universidade de Oxford, em entrevista ao The Guardian.
Segundo o artigo, as pesquisas devem continuar para tentar responder às várias perguntas deixadas sem resposta: qual o relacionamento entre as vítimas; quem foram os agressores; qual a motivação do massacre; e se havia alguma relação com a infecção pela peste, já que a bactéria causadora da doença foi encontrada em pelo menos dois indivíduos
“Charterhouse Warren é um daqueles raros sítios arqueológicos que desafiam a maneira como pensamos sobre o passado. Ele é um lembrete claro de que as pessoas na pré-história podiam se igualar a atrocidades mais recentes e ilumina um lado sombrio do comportamento humano”, acrescentou Schulting.
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Fonte: abril