Em 1° de abril de 1909, a população islâmica de Adana, no Império Otomano, massacrou a minoria armênia cristã que morava e trabalhava em alguns quarteirões da cidade. Foi um pogrom – nome russo para um ato pontual de genocídio propagado espontaneamente pela população, com anuência ou vista grossa das autoridades. 25 mil morreram.
Com medo de que a violência se espalhasse – o que aconteceria depois, com a matança sistemática de mais de um milhão de pessoas a partir de 1915 –, um grupo de armênios do interior do atual território turco e se escondeu em uma relíquia arqueológica na Capadócia: a cidade subterrânea de Derinkuyu.
Esse abrigo oculto provavelmente começou a ser construído pelos frígios 700 anos antes de Cristo. Outra possibilidade é que seja obra dos hititas, que teriam dado início aos trabalhos originalmente para se proteger da invasão fríga. A primeira referência escrita à cidade está na Anábase, uma aventura em sete livros escrita pelo militar Xenofante em 370 a.C.
Após a queda do Império Romano, os bizantinos transformaram o bunker em um complexo com 85 metros de profundidade, oito andares (algumas fontes falam em 11 ou 18) e capacidade para milhares de refugiados. O local tinha refeitórios, capelas, salas de aula, adegas, estábulos, prensas para fabricação de azeite e vinho e todo o resto da infraestrutura e dos suprimentos necessários para que a população de uma cidade permanecesse enclausurada por semanas ou meses.
Poços com 30 metros de altura ventilavam a área total de 650 m², e as câmaras eram separadas umas das outras por portas de pedra redondas de meia tonelada, que rolavam para abrir e fechar e eram ótimas em conter soldados e incêndios propositais. A iluminação era garantida por lamparinas acesas com óleo.
Derinkuyu é o mais famoso (e provavelmente o maior) desses abrigos, mas não é a único do tipo. Ao longo da história, a rocha vulcânica macia e maleável presente no solo da Capadócia permitiu a construção de mais de duzentos abrigos subterrâneos de diferentes tipos e tamanhos. Alguns deles eram conectados entre si por túneis com quilômetros de extensão.
O auge do uso dessas estruturas rolou entre os séculos 7 e 11 depois de Cristo, durante os conflitos entre os califados islâmicos e o Império Bizantino (ou Império Romano do Oriente), que era católico ortodoxo. Depois, quando os mongóis atacaram no século 13, essa rede de cavernas artificiais voltou à ativa para proteger a população da crueldade do exército de Gengis Khan.
O complexo de Derinkuyu só seria abandonado de vez na década de 1920, quando os últimos gregos cristãos que viviam na Capadócia – e se protegiam dos turcos nesses túneis – fugiram para a Grécia. Então, em 1963, um granjeiro local redescobriu a cidade porque suas galinhas haviam encontrado uma entrada secreta para os túneis e tinham o hábito incômodo de desaparecer para sempre dentro deles.
Desde então, turistas particularmente resistentes à claustrofobia podem visitar algumas salas do complexo por um ingresso de 35 liras turcas, o equivalente a R$ 5,50. Uma opção curiosa para quem visita um lugar famoso pelos balões no céu, e não pelos buracos no chão.
Fonte: abril